Tradição secular hoje

Que beleza ver um projeto finalmente tomando forma. Caçapa passou anos trabalhando em sua pesquisa para construir suas próprias violas eletrodinâmicas e agora as coloca na estrada, mostrando que o som maravilhoso desses instrumentos têm uma vida própria e específica a ser percorrida. No espetáculo instrumental que apresentou nesta segunda-feira no Centro da Terra, penúltimo show do teatro no ano, o músico e luthier pernambucano mostrou sua obra – instrumento e canções – pela segunda vez depois do período pandêmico, a primeira ao lado de outro músico tocando uma viola semelante, no caso Leo Mendes. Os dois foram acompanhandos pela influência do jazz da soberba contrabaixista Vanessa Ferreira e pelo lastro do pulso inconfundível de Mestre Nico. A sonoridade captura ao menos um século de tradições e num dado momento emendou três músicas numa mesma levada, o que acabou sendo uma pequena amostra da amplitude da musicalidade que ele lida neste novo momento: um baião chamado “Marco Brasileiro” que Ariano Suassuna dizia ouvir na feira quando era criança, “Procissão da Chuvarada” de Siba e “Pé de Lírio” de Biu Roque. Foi maravilhoso.

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Caçapa: Eletrodinâmica

E na penúltima apresentação de 2023 no Centro da Terra, temos a enorme satisfação de receber o mestre Caçapa, que finalmente começa a mostrar os frutos musicais de uma pesquisa que vem desenvolvendo há quase uma década no espetáculo Eletrodinâmica. E o produto deste tempo de estudo são violas eletrodinâmicas, que ele usará para tocar o repertório de seu disco Elefantes na Rua Nova, além de de arranjos instrumentais para baiões e cocos tradicionais e músicas de parceiros como Siba, Biu Roque, Tiné e Nilton Júnior. Para esta apresentação novíssima de seu trabalho, ele convidou três velhos parceiros, o violeiro Leo Mendes (que toca outra viola feita por Caçapa), a contrabaixista Vanessa Ferreira e o percussionista Mestre Nico. A apresentação começa pontualmente às 20h e ainda há ingressos há venda neste link.

Ordem e caos

Especial esta terceira apresentação da temporada Mil Fitas que Sue e Desirée Marantes estão fazendo no Centro da Terra, pois foi quando elas puderam materializar uma das mais intensas versões da Mudas de Marte Improvise Orquestra, projeto de Sue que, como o nome entrega, abraça a regência de músicos tocando livremente. A técnica de condução do improviso livre é uma bandeira artística levantada pelo maestro e músico Guilherme Peluci, que criou a Ad Hoc Orquestra, que esteve na formação montada pelas duas e regeu uma das três partes da noite, além de explicar o conceito para o público. Além de Peluci, que foi para o clarone quando deixou a batuta de lado, o time reunido por Sue e Desi contava com a voz e a percussão de Paola Ribeiro, o saxofone de Sarine, os beats de Ricardo Pereira, o violino Gylez, a percussão de Melifona, a guitarra de Luiz Galvão, o trompete de Rômulo Alexis, a bateria de Rafael Cab e o contrabaixo acústico de Vanessa Ferreira (além do violino de Desirée e da guitarra de Sue, anfitriãs da noite). Além de Peluci, Alexis e Sue também puderam reger outros dois atos, cada um deles conduzindo a massa sonora para um lugar que, apesar de nascido no improviso livre, está muito mais próximo ao que nosso inconsciente classifica por música, mesmo que num processo individual nascido coletivamente e conduzido por uma única pessoa. Esse equilíbrio entre ordem e caos transforma o que poderia tornar-se apenas em uma maçaroca sonora, numa onda fluida de melodias, ritmos e harmonias espontâneas, num espetáculo mágico e envolvente. Na lateral do palco, Kiko Dinucci também esteve presente mas não fez música, desenhando os músicos enquanto a apresentação se desenvolvia e tendo suas ilustrações projetadas no fundo da apresentação. “Na próxima eu toco!”, ele desabafou no final. Uma noite única.

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