Uma das maiores, apesar de tudo
Escrevi sobre a morte de Nana Caymmi a convite do UOL Splash, onde reforcei que, mesmo apesar de seu temperamento e das tristes convicções políticas no final de sua vida, ela foi uma das maiores vozes do país.
Nana Caymmi: mulher esquentada, de opinião forte e com potência na voz
Apesar de sua presença recente no noticiário brasileiro ecoar mais suas preferências políticas e as brigas que este enviesamento causava entre a classe artística, Nana Caymmi, que morreu nesta quinta (1°), seguirá como uma das maiores vozes da música brasileira. Herdeira mais famosa de um dos clãs mais emblemáticos da música brasileira, ela tinha acabado de completar 84 anos, sendo celebrada por seus irmãos, Danilo e Dori, em suas redes sociais. Este último escreveu que “o mundo é mais bonito com a sua voz”.
Não é exagero, afinal, além de filha de um dos maiores nomes da cultura brasileira —o compositor baiano Dorival Caymmi, pilar inconteste de nossa música— e de ter uma mãe cantora, Stella Maris, que lhe servia como régua (tanto artística quanto moral, de quem todos diziam ter herdado o temperamento esquentado e as respostas duras e atravessadas), Nana unia duas tradições que viveu intensamente: a das cantoras de rádio do meio do século passado e a da geração que foi influenciada pela bossa nova que, anos mais tarde, formaria o panteão moderno da música brasileira.
No entanto, sua ascendência artística mais conservadora, originária do rádio, veículo que estabeleceu a carreira do pai, não ficava limitada às referências da era de ouro da música brasileira, quando, entre os anos 1930 e 1950, foram fundadas nossas principais referências musicais. Nascida em uma casa não apenas musical mas em que as referências de arte sempre estiveram presentes, Nana aprendeu a cantar ouvindo baluartes brasileiros do rádio, mas tinha em seu núcleo familiar direto, terreno fértil para expandir seus horizontes musicais. Sempre foi uma cantora popular clássica e nunca aderiu às invenções musicais próprias dos outros músicos de sua geração.
Tanto que sua carreira não ficou limitada apenas ao território brasileiro. Além de ter casado com o médico venezuelano Gilberto José Aponte Paoli no início dos anos 1960 (e morado em Caracas por quatro anos), ela também passou uma temporada na Argentina, nos anos 1970, quando criou público e carreira naquele país, além de ter feitos muitos shows pela América Latina e na Península Ibérica, sempre saudada como uma das grandes cantoras do Brasil.
E mesmo não sendo uma cantora de alcance popular como suas contemporâneas Elis Regina, Maria Bethânia, Nara Leão e Gal Costa, ela começou sua carreira com um dos maiores sucessos populares do pai, em 1960, quando substituiu a mãe na gravação da canção de ninar “Acalanto”, que Dorival havia composto para ela ainda criança. O refrão da canção (“Boi, boi, boi / Boi da cara preta / Pega essa menina que tem medo de careta”) ecoa nos ouvidos dos brasileiros até hoje.
Depois de voltar ao Brasil, ainda no início dos anos 1960, casou-se com Gilberto Gil (com quem brigou publicamente décadas mais tarde devido a seu posicionamento político), depois com João Donato no início dos anos 1970 e, finalmente, com Claudio Nucci, entre 1979 e 1984. Sua carreira musical foi se tornando cada vez menos intensa e seus discos e shows tornando-se esporádicos, quando passou a dedicar-se a cantar clássicos da canção brasileira, desde os tempos do rádio.
Morreu cercada de polêmicas devido ao seu posicionamento de extrema-direita nos últimos anos, mas estas cederam lugar à dor, que seus fãs e familiares vieram sentindo há quase nove meses, desde que ela esteve internada em um hospital no Rio de Janeiro. O luto precoce lido nas declarações de amor dos irmãos, no entanto, ajudam a velar sua carreira longe das brigas e desavenças públicas, fazendo-a ser lembrada como uma das maiores vozes da música brasileira.
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