Um papo com o Xkcd

, por Alexandre Matias

ilustrada-xkcd

Entrevistei o físico Randall Munroe, também conhecido como Xkcd, para a capa da Ilustrada de hoje – falei com ele algumas horas antes de ele acompanhar o pouso da nave no cometa, assunto que dominou o final da conversa. Meio tímido e meio sem graça, ficamos quase meia hora falando sobre cultura pop, quadrinhos, internet e ficção científica. Um dia eu publico a íntegra dessa conversa.

Randall_Munroe

Eureka!
Ex-funcionário da Nasa e um dos principais autores da era da internet, o físico e quadrinista Randall Munroe conversou com a Folha sobre o livro em que responde, usando ciência, a perguntas inusitadas enviadas por seus leitores

Faltavam poucas horas para o módulo Philae desconectar-se da sonda Rosetta e pousar no cometa Churyumov-Gerasimenko e Randall Munroe, 30, não conseguia disfarçar sua animação. “Vou ficar acordado à noite toda para assistir a isso, quero ver se tudo vai dar certo”, disse em entrevista por telefone com a voz tímida e quase sem graça, como se fosse apenas um sujeito qualquer assistindo a um evento corriqueiro.

E isso o físico e quadrinista mais conhecido como Xkcd, que acaba de lançar seu E Se? – Respostas Científicas para Perguntas Absurdas (Companhia das Letras, R$ 39,90) no Brasil, não é. Seu traço é simples até o limite do conceitual, reduzindo minimanente tudo a bonequinhos de palitinhos, mas ele lida com temas de escopo épico, medindo tudo com a grande régua da ciência.

Suas tirinhas – publicadas no site xkcd.com a cada dois ou três dias – compilam comentários ácidos e diálogos perspicazes sobre assuntos correlatos à ciência, como a cultura da internet, nossa relação com a tecnologia, linguagem e a natureza da ficção científica. Em uma delas, observou que tweets sobre terremotos chegavam mais rápido que as próprias ondas sísmicas a regiões ao redor do epicentro do tremor, sendo possível ler sobre o terremoto antes de senti-lo – e o comentário foi comprovado cientificamente pouco depois da publicação do quadrinho.

A tira começou em 2005, quando Munroe ainda trabalhava na área de robótica da Nasa, a agência espacial norte-americana. “Meus primeiros quadrinhos foram desenhados ainda na escola, quando deveria estar prestando atenção nas aulas, sempre rabiscava algo nos cantos dos meus cadernos. Depois de um tempo resolvi escaneá-los, mas não sabia o que fazer com eles e os coloquei em meu site”, explica.

O nome do site foi inventado a partir de uma observação que ele havia feito quando ainda era criança, de que um nome poderia perder seu sentido com o tempo: “Então inventei uma linha de texto que não significa nada e que seria só minha. E também um nome curto, pois achei que seria mais fácil se precisasse digitá-lo bastante no futuro.”

Não demorou muito para o quadrinho autodescrito como “um webcomic sobre romance, sarcasmo, matemática e linguagem” começasse a fazer sucesso, atingindo em poucos meses um público mensal de 70 milhões de pessoas, como registrou a revista Wired no final de 2007. Foi quando Munroe começou a explorar as possibilidades do formato quadrinho na internet.

A seção E Se? (What If) foi um dos primeiros experimentos com a interatividade digital. Reunidas pela primeira vez em livro em 2014, as respostas elaboradas visualmente por Munroe vinham de perguntas absurdas enviadas por seus leitores. No livro, ele responde a perguntas inusitadas como “se minha impressora conseguisse literalmente imprimir dinheiro, o impacto no mundo seria muito grande?”, “quanto espaço físico a internet ocupa?”, “se um asteroide fosse bem pequeno mas superdenso, seria possível morar nele como o Pequeno Príncipe?” e “de que altura você teria que soltar um bife para ele chegar ao chão cozido?” Mas a inspiração veio na sala de aula.

“Há um programa no MIT em que qualquer pessoa pode ser voluntária para dar aulas num fim de semana sobre qualquer assunto para estudantes de segundo grau”, lembra. “Eu nunca havia dado aulas antes e vi como é difícil manter os alunos interessados naquilo que você está querendo ensinar. Então pensei numa questão sobre Guerra nas Estrelas e quanta energia que Yoda conseguiria produzir através da Força e de repente todos começaram a ficar interessados. E seguiram a lógica, fazendo perguntas do tipo sobre outros filmes e logo em seguida sobre coisas da vida real. Eles ficam bem mais interessados quando as perguntas não são abstratas.”

Ele adaptou essa lógica para o seu site e começou a receber uma avalanche de perguntas improváveis. “Não consigo ler todas, são muitas”, confessa. Alguma delas são bizarras o suficiente para que ele nem pestaneje em pensar na resposta (“Dá para impedir uma erupção vulcânica depositando uma bomba (termobárica ou nuclear) debaixo da terra?”) ou que nem comece a cogitar a possibilidade de respondê-las (“A que velocidade um ser humano teria que correr para ser cortado ao meio, na altura do umbigo, por um arame de cortar queijo?”).

Depois da seção E Se?, Randall começou a experimentar cada vez mais em escala (o quadrinho “Money” trabalha proporcionalmente todo o dinheiro que existe no mundo), com geolocalização (certa vez publicou uma brincadeira de primeiro de abril que variava de acordo com a localização geográfica de cada leitor), com espaço (no vasto universo digital de “Click and drag”, um desenho interativo que se fosse impresso ocuparia uma área de 14 metros de largura), culminando na contemplativa “Time”, que ganhou o prêmio Hugo, maior reconhecimento na área de ficção científica, deste ano (leia abaixo).

Atualmente ele descansa da turnê de lançamento de seu livro na Europa e cogita conhecer o Brasil: “Nunca fui ao Hemisfério Sul, mas sei que tenho muitos fãs aí.” Ele não detalha projetos para o futuro pois faz muitas coisas ao mesmo tempo (“sou muito desorganizado”), mas antecipou que quer fazer algo com os “3.2 GB de dados do genoma humano”, que baixou no início do ano.

Logo depois da entrevista, ele transmitiu o pouso do módulo Philae no cometa Churyumov-Gerasimenko através de seu próprio site, publicando um quadrinho a cada cinco minutos, criando uma animação que reunia as informações que conseguia conectar enquanto acompanhava as informações que obtinha no site da Esa (agência espacial europeia).

Projetos recentes ampliam ideia de interação entre público e obra

Dois dos projetos mais ambiciosos de Randall Munroe exploram as possibilidades de interação entre a obra de arte e o público de formas bem distintas. “Click and drag” (“clique e arraste”, que pode ser visto em http://xkcd.com/1110/), por exemplo, é o ápice de seu trabalho com mapas e tabelas, como já havia feito ao criar o mapa da internet ou do sistema solar. A obra de 2012 é uma tira cujo último quadrinho permite que o leitor explore dimensões improváveis dentro de um único painel. “Quando você está num videogame de carro e olha no horizonte, você vê algumas montanhas, mas se tenta dirigir o carro para fora da pista, há uma espécie de parede invisível que não permite que você chegue às montanhas. É um universo que parece ser muito grande, mas é muito pequeno. Eu queria fazer um quadrinho que tivesse o efeito oposto, que parecesse muito pequeno mas que fosse muito grande”, conta seu autor.

A obra também foi inspirada em um passatempo comum em nossa rotina digital: passear por mapas através da internet. “Eu achava um rio perto de casa e começava a clicar e arrastar o mapa para seguir o rio até o oceano e isso levava meia hora, passava por várias cidades e dava uma sensação de estar explorando. Mas eu não queria que você pudesse dar zoom para fora, pois isso seria como trapacear”, explica.

“Time” (que pode ser lida aqui http://xkcd.com/1190/) era um experimento com tempo e nele Randall convidava o leitor a acompanhar uma história que teria um novo quadrinho publicado a cada meia hora por 123 dias. “Era como se fosse algo entre uma tira na internet e um filme. Porque uma tira de internet é atualizada uma vez por dia ou por semana enquanto um filme é uma espécie de tira de internet que é atualizada 24 vezes por segundo. Eu queria contar aquela história, que era sobre o tempo, e achei que seria uma forma interessante e única de contá-la”, conclui. “Time” ganhou o prêmio Hugo de “melhor história gráfica” deste ano e a premiação foi aceita pelo escritor Cory Doctorow que, a pedido de Munroe, disse que iria ler o discurso de agradecimento falando uma palavra por hora.

P: Quanta Força o Yoda consegue gerar?
R:
É óbvio que vou ignorar as prequels. A maior demonstração de força de Yoda na trilogia original se deu quando ele ergueu a X-wing de Luke do pântano. No que concerne a movimentar objetos fisicamente, esse foi sem dúvida o maior dispêndio de energia através da Força que vimos em qualquer momento da trilogia. A energia necessária para erguer um objeto até certa altura é igual à massa do objeto vezes a força da gravidade vezes a altura a que se queira erguer. (…) Por fim, precisamos saber da força da gravidade em Dagobah. Aqui fico sem ter para onde ir, pois mesmo que os fãs de ficção científica sejam obcecados, não tem como existir um catálogo das mínimas especificações geofísicas de cada planeta que aparece em Star Wars, né? Não. Subestimei os fãs.A Wookieepedia tem esse catálogo e nos diz que a gravidade superficial de Dagobah é de 0,9 g. (…)
(O resultado de 19,2 kW) é potência suficiente para energizar um quarteirão de casinhas no subúrbio. Também é equivalente a 25 cavalos-vapor, que é quase a potência do motor do Smart Car elétrico. Aos preços atuais de energia elétrica, Yoda valeria aproximadamente dois dólares por hora. (…) com o consumo de eletricidade mundial na faixa dos 2 terawatts, precisaríamos de 100 milhões de Yodas para cumprir a demanda. Somando tudo, adotar “Yodanergia” não ia valer a pena — mas é incontestável que seria energia verde.

P: Quando, se é que um dia, o Facebook terá mais perfis de mortos do que de vivos?
R:
Vai ser ou nos anos 2060 ou 2130. Não tem muito morto no Facebook. A razão principal é que tanto a rede social quanto seus usuários são jovens. O usuário médio do Facebook envelheceu com o passar dos anos, mas o site ainda é mais utilizado — e com frequência bem maior — pelos mais jovens. Com base na taxa de crescimento do site, e na estratificação etária de usuários ao longo do tempo,2 cerca de 10 a 20 milhões de pessoas que criaram perfis do Facebook já morreram.

P: Dá para construir um propulsor a jato (jetpack) usando metralhadoras que atirem para baixo?
R: Eu fiquei meio surpreso quando descobri que a resposta é positiva! Mas para fazer direito, você vai ter que conversar com os russos. O princípio é bem básico. Se você atira uma bala para a frente, o coice empurra você para trás; então, se atirar para baixo, o coice vai lançar você para cima. A primeira pergunta a responder é: “Tem como uma arma erguer seu próprio peso?”. Se uma metralhadora pesa 4 kg mas o coice dela ao disparar é de 3 kg, ela não vai conseguir se erguer do chão, muito menos erguer ela mesma mais uma pessoa. No mundo da engenharia, a razão entre a potência de um veículo e o peso é chamada de, veja só, relação peso-potência. Se for menor que 1, o veículo não consegue se erguer. O Saturno V tinha uma relação peso-potência, para a decolagem, de aproximadamente 1,5
Apesar de eu ter crescido no sul dos Estados Unidos, não sou especialista em armas de fogo. Por isso, conversei com um conhecido do Texas para ajudar na resposta.
Aviso: por favor, POR FAVOR, não tente fazer isso em casa.

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