Fui convidado para escrever sobre o livro As Upstarts, do jornalista Brad Stone, sobre a ascensão do Uber e do Airbnb, no blog da editora Intrínseca, que está lançando-o por aqui.
A vitória dos taxistas de São Paulo contra o Uber na semana passada é apenas passageira, como escrevi no artigo que o pessoal do Aliás me pediu para sua edição de domingo, que reproduzo abaixo:
Os taxistas que comemoraram a proibição do aplicativo Uber em São Paulo na semana passada podem ir tirando seu cavalinho da chuva. Queimem os fogos de artifício enquanto é tempo, pois mesmo que o próprio Uber venha ser proibido no mundo inteiro (algo pouco provável), ele aponta para o futuro inevitável. A era eletrônica começou a engatinhar nos anos 50 e desde seus primeiros passos nos anos 80 pelo menos a cada cinco anos nos apresenta a uma novidade faceira que parece ser transitória, mas se embrenha cada vez mais em nossos dias.
Faça as contas: videogame, computador pessoal, web, sites, banda larga, redes sociais, smartphone, internet móvel, aplicativos, tablet. Cada uma dessas novas invenções impulsionou ainda mais a próxima sem necessariamente anular as anteriores. O dispositivo móvel de acesso à internet que carregamos no bolso (e por pura conveniência linguística ainda chamamos de “telefone”) talvez seja o primeiro a começar a anular alguns dos anteriores, mas ainda vai demorar um tempo para que desktops e laptops desapareçam da paisagem como máquinas de escrever, videocassetes, mapas de papel e listas telefônicas já desapareceram.
Lembra do tempo em que você tinha que chegar em casa na hora em que o telejornal começasse senão você o perdia? Ou da época em que você esperava ansiosamente que determinada música tocasse no rádio pra que você conseguisse gravá-la? E quando você tinha que comprar um disco de plástico prateado com 12 canções quando queria ouvir apenas uma? Pois é, felizmente esse tempo acabou.
Muita gente ainda vê a era digital como uma fase passageira, um modismo histérico ou uma bobagem de adolescente. Mas essas mesmas pessoas conversam com a família inteira pelo WhatsApp (pais, primos, filhos, netos, tios, avós), matam a saudade de amigos distantes pelo Skype, brigam sobre política com reaças e comunas e postam fotos dos próprios filhos no Facebook e tiram foto e fazem vídeos que nunca cogitariam fazer na época do filme.
Ainda falamos em “entrar na internet” por resquício de comunicação. Estamos online o tempo todo, mesmo quando não estamos olhando pra um de nossos monitores (o “espelho negro” como tão bem definiu o autor inglês Charlie Brooker na série da BBC que leva essa nova era a extremos bem pessimistas). Duas das maiores empresas do mundo – Google e Facebook – não existiam há vinte anos. As profissões da vez em 2015 não existiam em 2005, algumas delas nem em 2010.
Quem nasceu no século 21 não faz essa distinção, que é o futuro inevitável. Você alguma vez pensa em acionar a rede elétrica da sua casa quando precisa iluminar um cômodo? Quando dispara o mecanismo de evacuação de seus dejetos orgânicos? Quando se conecta à rede hídrica para ter acesso à água? Não, você simplesmente acende a luz, dá descarga ou abre a torneira (que, em 2015, às vezes não “liga” a água). A geração nascida depois da internet sabe que está na internet, ponto. Não escreve um e-mail, não manda mensagem, não envia um “torpedo” (ugh) ou um “zap-zap” (argh). Simplesmente fala, escreve, chama.
Todos estamos em contatos com todos e a tendência é piorar. Nem George Orwell imaginaria um pesadelo tão paranoico que as pessoas levariam seus próprios rastreadores no bolso e voluntariamente contariam tudo sobre suas vidas para todos. Nem Aldous Huxley cogitaria a quantidade de desdobramento de futilidades e preocupações múltiplas que habitam cada recanto da internet. Mas esta é apenas a visão de copo vazio da história.
O outro lado desinventa a cidade. A Revolução Industrial foi crucial para atingirmos um novo patamar de progresso, mas para isso abrimos mão de nossas individualidades para nos encaixar nas engrenagens do sistema. Para o mundo funcionar, era preciso assumir um papel predefinido e segui-lo à risca – da escolha do emprego à criação dos filhos, do sistema educacional ao mercado financeiro, do núcleo familiar à política internacional.
Isso retirou a humanidade do campo e trouxe a civilização para uma nova realidade, a urbana. Em dois séculos saímos da fazenda e superlotamos as cidades, que estão em seu limite, de diversos pontos de vista.
O século 20 foi o século das multidões (nunca houve tanta gente no planeta), mas também o do modernismo, que expandiu e colocou pra fora a mudança de comportamento que estava presa na caixa de Pandora aberta por Freud. E aos poucos as multidões foram percebendo-se formadas por indivíduos, cada um deles era uma pessoa diferente da outra. Precisamos aprender essa tolerância, mesmo que na marra.
A era digital crava o final da revolução industrial justamente ao começar desatar o grande nó que é a metrópole, engrenagens urbanas criadas para abrigar multidões a partir de uma série de parâmetros preestabelecidos (séculos atrás) que estão sendo implodidos um a um.
Faz sentido esperar debaixo de uma marquise, na chuva, que um táxi passe, quando no quarteirão de trás há um taxista literalmente dormindo no ponto porque não sabe onde o passageiro está? Por que eu tenho que comprar um volume de papel se eu quero ler apenas um artigo? Não posso hospedar um desconhecido quando não estiver usando meu apartamento? Por que preciso esperar uma semana para assistir ao próximo episódio?
As respostas podem divergir, mas apontam para o mesmo lado: o futuro. Acostume-se.