Tonight: Franz Ferdinand

, por Alexandre Matias

Num tempo em que a própria existência do conceito de disco é posta em xeque, será que dá pra questionar o papel do terceiro disco? Se o peso sobre a segunda obra de uma banda já até deu origem à expressão “síndrome do segundo disco”, hoje ela já se estica para o álbum seguinte, como se viver de música voltasse a ser uma profissão de risco (longe dos riscos do faroeste do passado, hoje o ambiente é clean e burocrático). Num tempo em que a sobrevivência das bandas vem de um misto de relação intensa entre os fãs e hits emblemáticos para o resto das pessoas, gravar um terceiro disco pode ser um certo exagero. Afinal, o que é que a banda quer com isso? Fazer uma turnê? Apresentar faixas novas? Bater cartão? 2008 ouviu a alguns destes exemplos de discos lançados pela simples obrigação de lançar disco – e vários grupos que já estão cravados em nosso imaginário tiveram canções perfeitas encobertas por discos irregulares – “Everyone Nose” do N*E*R*D e “The Rip” do Portishead são os exemplos mais evidentes.

O Franz Ferdinand driblou a tal síndrome do segundo disco fazendo um disco idêntico ao primeiro, uma estratégia que tem embasamento histórico – do Blondie aos Buzzcocks, passando pelos Ramones, Pere Ubu, Talking Heads, Devo e os próprios Beatles – e que era repetida, sem sucesso, por diferentes colegas de geração do Franz, como Strokes, White Stripes, Killers e Interpol, sem sucesso. Mas o punk pra dançar proposto pelo quarteto escocês destoava da geração do novo rock dos anos 00 tanto pela euforia exagerada dos hits como pela estrutura populista das canções – que soavam mais como coleções de refrões e riffs do que canções propriamente ditas. Com uma música do Franz Ferdinand dá pra fazer umas três ou quatro destas outras bandas.

Mas se deu pra disfarçar no segundo, as coisas no terceiro não iriam ser tão fáceis. E depois de enrolar por todo 2008, o Franz começou a estruturar seu disco em público, batizando músicas novas nos shows, deixando escapar um ou outro MP3 e assim medindo a recepção e impacto em relação às faixas antigas. E mesmo que o grosso das faixas de Tonight: Franz Ferdinand, o disco que vazou durante o fim de semana, seja conhecido do fã mais completista, elas vêm com nova roupagem – e é justamente isso que justifica a existência do disco.

Grande parte das canções poderiam estar em ambos discos anteriores, mas não como elas se apresentam em Tonight. O clima do novo álbum é, óbvio, noturno, mas o Franz aproveita as sombras da noite para dar um grau de seriedade e tensão inexistente na banda até então. Desde a capa (que retrata uma cena do crime em algum dia do meio do século 20) aos títulos da música, passando pelo pulsar disco music que permeia todo o disco e pelo ar sempre sério e tenso de todas as faixas – não estamos ouvindo um Franz Ferdinand amadurecido, mas apenas uma banda fazendo pose, como se estivesse vestindo uma roupa mais arrumada que o habitual e fizesse caretas no espelho para justificar os novos trajes.

Assim, se antes as músicas da banda tinham uma certa informalidade dance ou ironia artsy que inevitavelmente guardava um sorriso, em Tonight o ar é mau. Eles resolvem a equação que fazia Michael Jackson não soar tão malvado quanto queria em “Bad”, mesmo com Martin Scorsese na direção do clipe: em vez de uma música animada, o lance era diminuir o BPM pro ritmo de “Billie Jean”. Ali, no compasso do metrônomo, tic-tac, que o Franz caminha pela noite, seja por uma rua mal iluminada ou atravessando a massa da pista de dança. E o fato de ter feito isso num terceiro disco faz com que a banda não pareça estar assumindo a eletrônica, mas apenas usando-a como um acessório específico para criar os climas deste disco, mais próximo da nu-disco e desta house à Hercules & the Love Affair do que da new rave (como fez o Rapture em seu disco passado – “more cowbell”).

Assim, Tonight funciona como mais um pilar na história do rock para dançar deste começo de século, que começa com os Strokes passa pelos mashups do 2ManyDJs, “House of Jealous Lovers”, LCD Soundsystem, White Stripes, Arctic Monkeys, Justice e umas cinco ou seis músicas do próprio Franz. Mas o novo disco não é só uma coleção de hits: é uma obra com começo, meio e fim, sendo seu momento central a nova versão para “Lucid Dreams”, que originalmente era uma new wave grudenta e em sua atual versão ganha ares de épico techno.

Discaço: agora sim temos um primeiro grande disco de 2009.


Franz Ferdinand – “Lucid Dreams

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