Todo Captain Beefheart

, por Alexandre Matias


Safe as Milk (Buddah, 1967)
A estréia em álbum do grupo traz mais uma banda branca de rhythm’n’blues cedendo às extravagâncias da psicodelia. A encarnação mais pesada do grupo alça vôos consideráveis em faixas como “Electricity”, “Abba Zabba”, “Zig Zag Wanderer” e “Call On Me”, mas era apenas o começo. É a única aparição oficial de Ry Cooder como guitarrista do grupo.


Strictly Personal (Blue Thumb, 1968)
Renegado pelos músicos originais, este disco marca a transição fundamental que transforma a Magic Band para sempre. Guiado pelo free jazz, ele faz com que todos os músicos sigam seus instintos (a regra subliminar da narcótica “Trust Us”) enquanto Beefheart transforma seu surrealismo beat num blues de um universo paralelo. É a primeira vez que um personagem básico do novo som da banda aparece em público: o baterista John “Drumbo” French.


Trout Mask Replica (Straight, 1970)
“Composto em oito horas e meia”, como reza a lenda, Trout Mask Replica é o resultado de um ano inteiro vivendo na lendária casa de Entrada Drive, em Los Angeles, e o começo da estranha química e da tensão negativa imposta por Vliet aos outros músicos. Vivendo a pão e água, eles passavam tardes e noites inteiras ensaiando sem parar. Drumbo saiu antes do disco ser lançado e seu nome foi cortado dos créditos, mas sem ele (e a guitarra de Zoot Hoot Rollo e o baixo de Rockette Morton), o disco seria completamente diferente.


Lick My Decals Off, Baby (Straight, 1970)
Com Ed Marimba no lugar de Antennae Jimmy Semens, a mesma banda de Trout Mask Replica embala mais um álbum duplo cheio de desafios à compreensão mediana dos limites da música. Faixas como “The Smithsonian Institute Blues (The Big Dig)”, a cubista “Woe-Is-Uh-Me-Bop”, “Flash Gordon’s Ape” e “Doctor Dark” nos levam aos mesmos confins da criatividade do disco anterior. O disco marca o envolvimento de Don com sua esposa Janet (que dura até hoje), o que pode ter contribuído para o tema ser basicamente sexo.


Mirror Man (Buddah, 1971)
Strictly Personal originalmente seria um álbum duplo e se chamaria It Comes to You in a Plain Brown Wrapper (referência ao envelope de papelão que acabou se tornando a capa de SP). Mirror Man é a parte gravada do que seria o segundo disco do original de 68, caso a gravadora não tivesse pedido para reduzir os custos. O disco é composto por longas faixas com poucos acordes, uma espécie de Velvet Underground californiano tocando um blues de Muddy Waters no lugar de “Sister Ray”. Lançado em 1971 devido ao sucesso cult experimentado pelo grupo, que foi até capa da Rolling Stone no ano anterior.


The Spotlight Kid (Reprise, 1972)
Novamente com um segundo guitarrista (no caso Winged Eel Fingerling), cujo estilo contrastava com o de Zoot Horn Rollo. O choque entre as duas guitarras torna-se semelhante ao do bateria com o baixo e a presença da marimba é tão hipnótica quanto a do vocal inspiradíssimo do líder do grupo. Mais blues que os discos anteriores, The Spotlight Kid é uma obra-prima menor, cheia de grandes momentos, como a assustadora “Grow Fins”.


The Clear Spot (Reprise, 1972)
Começa a pior fase do grupo, por influência do empresário Andy DiMartino e do produtor Ted Templeman (que já havia trabalhado com Van Morrison e os Doobie Brothers). Mesmo os bons momentos – como a memorável “Big Eyed Beans from Venus” – não conseguem evitar fiascos como “Too Much Time”” e My Head is My Only House Until It Rains”, os momentos mais comerciais (no mau sentido) da história da banda.


Unconditionally Guaranteed (Mercury, 1974) / Bluejeans & Moonbeans (Mercury, 1974)
Os dois discos da Mercury são tidos como a pior fase da carreira de Beefheart, iludido com a possibilidade de sucesso comercial. As poucas músicas que se salvam desta época não dariam um EP decente, sequer.


Shiny Beast (Bat Chain Puller) (Warner, 1978)
Novamente sombrio e caótico, mas sem perder os vínculos com estruturas quebradas de ritmo e soluções musicais improváveis, o disco traz Van Vliet mais complacente com os novos músicos que, talvez por isso mesmo, soem tão à vontade através das canções. Além da faixa título, um dos grandes momentos é “Tropical Hot-Dog Night”, que traz o mágico casamento das marimbas de Art Tripp com o trombone baixo de Bruce Fowler.


Doc at the Radar Station (Virgin, 1980) / Ice Cream for the Crow (Virgin, 1982)
Don deixa-se influenciar pelo espírito jovem de seus novos músicos e volta à velha forma. Colhendo os frutos de seu legado em artistas tão diferentes quanto Sonic Youth, Devo e Pere Ubu, o velho Beefheart se aposenta após dois grandes discos, para apenas mostrar-nos o quanto era importante enquanto estava na ativa.

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