O manifestante!
E na primeira edição do ano do Link, escrevi um texto sobre o que há em comum entre Wikileaks, Facebook e o ano que está começando…
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WikiLeaks e Facebook são mais do que duas faces do tema privacidade: são a prova que, para encarar 2011, é preciso cautela, pois o Big Brother de George Orwell pode ser uma rede antissocial
Mark Zuckerberg agradece o prêmio que acabou de receber da Time, eleito “pessoa do ano de 2010” segundo a revista – que também já elegeu Hitler (1939), Stalin (1938 e 1942) e ‘Você’ (2006) como personalidade do ano. Mas no meio de sua fala de agradecimento, um problema na transmissão faz surgir na tela a imagem do jornalista australiano Julian Assange, fundador do WikiLeaks que invade o pronunciamento do Cidadão Zuck para falar algumas verdades sobre a escolha da revista.
Bebendo uísque numa sala de estar em algum lugar remoto do mundo – a janela mostra o exterior, à noite, e está nevando –, ele troça da escolha da revista (“Time, sempre à frente: descobriu o Facebook apenas algumas semanas depois da sua avó”) antes de falar uma verdade sobre a escolha da revista: “Vejamos: eu dou de graça para todos informações particulares sobre as corporações e sou um vilão. Mark Zuckerberg vende as suas informações particulares para corporações e ele é o homem do ano”. Hmmm…
A cena é, na verdade, um quadro do programa humorístico norte-americano Saturday Night Live: Zuckerberg é interpretado por Andy Samberg (conhecido por ter transformado em hit o quadro “Dick in a Box”, ao lado do cantor Justin Timberlake) e Assange é interpretado por Bill Hader (que vive um dos policiais na comédia Superbad – É Hoje). Mas, apesar de ser apenas uma piada, o quadro escancara a principal tendência para 2011 no que diz respeito ao mundo digital. Afinal, WikiLeaks e Facebook têm muito mais em comum do que simplesmente o fato de serem ambientes nascidos na internet.
Ambos sites lidam com dois temas urgentes nos dias de hoje: exposição e sigilo, que podem ser vistos como um só – privacidade ou segurança, dependendo do ângulo. A forma como os dois sites lidam com informações que em décadas anteriores se restringiam a círculos privados restritos (desde as altas cúpulas executivas ao recanto tranquilo de seu lar) acaba por torná-los gêmeos de índoles diferentes, como o citado quadro do Saturday Night Live faz crer.
Afinal, são quase gêmeos mesmo: embora tenha sido criado em 2004, foi só em setembro de 2006 que o Facebook abriu seus cadastros para qualquer um que não fosse estudante universitário (a rede social era restrita a esse tipo de usuário até então). E no mês seguinte, era registrado o domínio do WikiLeaks, site que só foi lançado de verdade em dezembro daquele ano.
Ambos lidam com uma questão crucial na era digital: de quem são os dados que circulam na rede? Mais do que isso – a quem pertence a informação no mundo pós-internet? Aquela foto que você tirou no réveillon é sua? E se alguém passou atrás na hora em que você tirou esta foto? E se esse alguém não queria ser visto naquela comemoração de ano novo? Você está infringindo seus direitos autorais ou sua privacidade? Ou será que, como prega o CEO do Google, Eric Schmidt, se você tem algo a esconder, talvez fosse melhor que você nem estivesse fazendo?
São questões sem resposta – ainda. Mas algumas dicas sobre o futuro deste debate apareceram em algumas capas de revista durante o ano que passou. Uma delas foi da Wired de agosto, que declarou a morte da web. Polêmica, a capa abriu um debate sobre a natureza da internet e como nos relacionamos com ela. A revista advogava que, uma vez que as pessoas estão acessando a rede cada vez mais por telefones celulares, a interface feita para computadores no início dos anos 1990 (a World Wide Web) estava perdendo espaço para outras formas de utilização da internet.
Fato: a internet não pertence mais apenas aos computadores. E, uma vez que está à disposição de qualquer aparelho que se conecte a ela, dá para subir informações de qualquer lugar. Seja comentar em um blog, publicar uma foto ou atualizar sua conta no Twitter. Deixando de lado a questão técnica sobre a natureza da rede, levantada pela revista, e trazendo o assunto de novo à nossa discussão, o fato de a internet não ser mais uma rede e sim várias faz com que se perca completamente o controle sobre qualquer coisa que seja publicada online.
Outra capa pegou carona nesta discussão para ampliá-la: na edição de dezembro da revista Scientific American trouxe ninguém menos que Tim Berners-Lee, criador da World Wide Web, para escrever sobre estas mudanças que estão ocorrendo na rede. No artigo “Vida Longa à Web”, o cientista reclamava que estas diferentes sub-redes criadas dentro do ambiente digital poderiam matar a essência da internet como a conhecemos hoje.
Redes fechadas de venda de conteúdo (como as criadas pela Apple, Microsoft, Sony e Nintendo) ou ambientes que se esforçam para trazer todo o conteúdo online para o mesmo lugar (como tentam Google e Facebook) tornam a navegação fragmentada e a rede, que antes permitia a comunicação de todos com todos, se tornaria menos entrelaçada e os diálogos, dispersos, isolados. Esta balcanização da rede poderia deixar a internet mais estagnada, menos frutífera, mais controlada.
O que nos leva à terceira capa de revista, com Zuckeberg eleito como personalidade do ano pela Time no fim de 2010. Seria Mark o criador de um ambiente propício à interação, ligando milhões de pessoas entre si (“O conector”, diz a legenda de sua foto na capa da revista)? Ou ele é o dono de um império de informações construído a partir de nossos dados? A quem pertence as informações contidas no Facebook? A todos que estão lá ou à empresa fundada quase no susto por um ex-estudante de Harvard?
Se estas questões seguem em aberto, elas voltam para nós como um alerta: cuidado com o que você publica online. Mas tal ressalva não depende de cada um de nós, uma vez que basta fazer compras na Amazon para que seus dados – sua lista de compras, seus hábitos de consumo – se tornem públicos (ou, ao menos, públicos para a Amazon). Usar a internet quase que pressupõe a autopublicação e mesmo que você apenas “curta” um link que um amigo colocou no Facebook, você está publicando algo.
Por isso é bom entrar em 2011 com isso em mente: uma vez online, seus dados não são mais seus. Mesmo que isso ainda não seja regra, é bom trabalhar sabendo disso – é uma lógica que vale tanto para pessoas quanto para empresas e instituições. Afinal, a qualquer minuto alguém pode levantar diversos dados sobre você e jogá-los para todos – vide o que fizeram com Julian Assange depois que ele começou a vazar documentos confidenciais dos Estados Unidos. E pode ser que, depois de uma década “social”, comecemos a encarar a internet como uma rede de potencial antissocial, em que todos estão vigiando todos. Em algum lugar, George Orwell, autor do clássico 1984, sorri sem graça.
Oh, well… Tava demorano…
Um conselho do Onion, disfarçado de piada.
A Time reuniu famílias pelo mundo para elas mostrarem num mesmo lugar o que elas comem em uma semana. Aí em cima tem algumas das fotos, mas no aqui tem mais.