Sonho materializado

Em mais apresentações no Theatro Municipal de São Paulo, Tim Bernardes pôs em prática um plano que acalentava desde que saiu em carreira solo: tocar seus discos ao vivo exatamente como são em estúdio, com toda pompa orquestral. Mas diferente de alguns de seus mestres (como Brian Wilson, Paul McCartney ou Lô Borges), autores de discos clássicos na tenra idade que não puderam transpô-los em shows, colocando-os em prática apenas décadas mais tarde, Tim conseguiu adaptar um disco cheio de cordas, harpa e metais no ano seguinte de seu lançamento. Tá certo que, aos 32 anos, Tim é mais velho que seus precursores (Paul e Brian tinham 24 anos quando compuseram seus Sgt. Pepper’s e Pet Sounds e Lô tinha só 20 no disco do tênis) e isso fez com que ele tivesse foco para materializar o que poderia ser só um delírio passageiro. E assim fez por quatro sessões neste fim de semana, quando, à frente de uma pequena orquestra regida por Ruriá Duprat e ancorada pelos compadres Arthur Decloedt e Charlie Tixier, mudou a regra de seu próprio jogo. Se até então a apresentação ao vivo de seu disco era mero segundo (e verde) capítulo do show de seu disco de estreia, este novo momento o leva a outro patamar. Batizado de Raro Momento Infinito (de cor roxa), a nova versão ao vivo de Mil Coisas Invisíveis coloca o vocalista d’O Terno como um meticuloso autor de pop de câmara. Espetáculo que abre novas portas para seus dois discos solo, ele pode dar uma sobrevida à carreira solo de Tim Bernardes como uma realidade paralela à existência de sua banda original, que retoma as atividades em 2024, ainda mais se continuar em outros palcos sem ser apenas um especial de fim de ano. Ao fugir do formato rock e propor uma extensão instrumental ao seu virtuosismo solo, Tim eleva o sarrafo da apresentação ao vivo pop para outra esfera, entre a música erudita, a canção orquestrada e as trilhas sonoras de musicais. O momento em que puxou sua “Esse Ar” citando “A Lenda do Abaeté” de Dorival Caymmi após contar uma longa e tocante história sobre a canção foi só uma pequena amostra da porta que ele está abrindo para um novo pop brasileiro. Bravo, Tim!

Assista aqui:  

Tim Bernardes ao vivo no Theatro Municipal com uma pequena orquestra

E cês viram que Tim Bernardes vai repetir a sessão dupla que fez ano passado no Theatro Municipal de São Paulo? O vocalista do Terno fecha um ótimo ano anunciando o show Raro Momento Infinito, em que apresentará as músicas de seu Mil Coisas Invisíveis (além de outras) acompanhado de uma pequena orquestra. São duas sessões que acontecerão nos dias 15 de dezembro, a primeira às 19h30 e a segunda às 21h30. Os ingressos começam a ser vendidos na próxima segunda, dia 9 de outubro, a partir do meio-dia. Se você não foi no show do ano passado, dá uma sacada como foi abaixo:  

80 anos se passaram e tudo continua igual

Café, ópera de Felipe Senna inspirada em Mario de Andrade @ Theatro Municipal (6.5.2022)

“Nenhum artista pode, mesmo que queira, não participar. Ou você não conformisticamente se inclui na coletividade ou conformisticamente se vende aos seus chefes. E não se iluda: num desses vocês há de estar”. Bem forte a ópera Café, composta por Felipe Senna sobre um libreto escrito por Mario de Andrade em 1941 e encenada por Sérgio de Carvalho no Theatro Municipal durante esta semana. Cogitando a possibilidade de um levante dos trabalhadores da cultura cafeeira frente à gana da especulação de uma elite brasileira que só os parasita, as questões de 80 anos atrás infelizmente eram idênticas às de hoje: crise política e econômica, soluções de mentira para problemas reais, como o desemprego, a miséria e a fome. A ópera foi montada com a Orquestra Sinfônica Municipal, o Coral Paulistano, o Balé da Cidade de São Paulo e o Coletivo Nacional de Cultura do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e teve as participações do ator Carlos Francisco e dos grandes Negro Leo e Juçara Marçal. Esta aparece ainda na primeira parte, imponente e na veia (como mostra o vídeo que consegui filmar na encolha, perdão pelo enquadramento cego), enquanto Leo surge gigante no ato final (esse não consegui filmar), atualizando as questões da era getulista para os dias de hoje com direito a fala de Marighella e protagonismo motoboy. Também filmei o encerramento da noite e bastava a presença das bandeiras do MST no Theatro Municipal para sintetizar o que foi aquela noite. E como disse a frase de Mario de Andrade que abre o texto e encerra a ópera: não se iluda. A ópera fica em cartaz até domingo mas os ingressos estão esgotados. Tem que ter mais.

Ouça aqui.