The Good, the Bad and the Queen – The Good, the Bad and the Queen

, por Alexandre Matias

Se “Ghost Town” fosse um disco

Há duas formas de se pensar artistas como David Bowie, Caetano Veloso, Raul Seixas ou os Titãs. Uma diz que são pilhadores de conteúdo alheio e apenas regurgitam idéias forjadas por outras cabeças para venderem-se como visionários e inovadores. A outra diz que, ao negarem-se a obrigação pela originalidade, transferem sua personalidade para estéticas alheias e a autenticidade aparentemente vazia é executada através da função de editor – recombinam e interconectam diferentes pedaços de realidade para criar a sua versão da história. “I am a DJ/ I am what I play”, dizia Bowie; “Eu não tou nem aí/ Eu não tou nem aqui”, urravam os Titãs. Um grande compadre meu, recém-pai, os chama de “picaretas do bem”. Damon Albarn é desses. Sua capacidade de mimetismo musical só é ultrapassada por seu feeling para perceber oportunidades. Sempre foi assim: das franjinhas de “There’s No Other Way” à fundação do britpop clássico em Parklife, até à criação de seu próprio Damon Albarn All-Stars em forma de caricatura (o Gorillaz, claro) e suas incursões à world music. Multifacetado e multidescolado, circula pelo universo pop como um predador charmoso que seduz/coage suas vítimas a entregar suas vísceras musicais em seus projetos particulares, enquanto os janta. De La Soul, Graham Coxon, James Hewlitt, Shawn Ryder, músicos de Mali. O prato do dia é uma iguaria especialmente pessoal. O menu: um papa negro do ritmo (Tony Allen, o baterista de Fela Kuti), o groove lento da conexão Londres-Jamaica do punk original (Paul Simonon, do Clash) e um fiel escudeiro da mesma geração (Simon Tong, do Verve) produzidos pelo produtor mais sensível do momento (quem mais? Dangermouse). Assim, Damon transforma sua canção favorita (a cabulosa “Ghost Town”, dos Specials) em um disco inteiro – e derrete um reggae fantasmagórico na brasa de um rock nada pra cima; melancólico, desconfiado, er, “adulto”. A fumaceira que se ergue é dub pesado, mas há violões dedilhados, barulhinhos, pianos martelados, clima de rádio sendo sintonizado, guitarras ranhetas, vocais graves e canções sombrias e pensativas, que olham de esgueio. E o vocal frágil e seguro de Damon une tudo – não apenas as faixas entre si, como também este álbum dentro de sua discografia. E assim, usando Simonon, Allen e Tong como espelhos, faz-nos vê-lo melhor. Um jovem mestre.