Viver uma música viva

Lembro do exato momento: estava fritando no desafio proposto pela Marina do Belas Artes de transpor o Dummy do Portishead para o palco do cinema em mais uma sessão Trabalho Sujo Apresenta e montando um lego mental entre instrumentistas, produtores e vocalistas que fizesse sentido ao mesmo tempo em que topasse o desafio quando, no meio dum show da Manu Julian no Bar Alto, olhei para o lado e lá estava o Lauiz assistindo à apresentação de sua parceira de Pelados. Ela no palco repetia mais uma vez o riscado do primeira show solo de sua vida, quando aceitou a provocação que fiz para exercitar seu músculo criativo fora das duas bandas que encabeça, a Pelados e a Fernê, e topo fazer um show com seu próprio nome (à época ainda Manuella, num exercício de alteridade com seu nome de batismo, para além do encurtamento típico paulistano) no Centro da Terra. E nesta empreitada, chamou o compadre Thales Castanheira para acompanhá-la tocando guitarra. Vi Manu e Thales no palco sendo observados por Lauiz e caiu a ficha: são os três que vão fazer esse disco. Fiz o convite, os três toparam curtindo a ideia e que felicidade descobrir que mais do que encarar como um frila, os três aproveitaram para debruçar-se sobre o processo criativo do Portishead e recriaram o disco depois de desconstruí-lo, adaptando o disco de 1994 para a realidade sonora de 2024 sem necessariamente virar do avesso as canções. Era uma releitura que respeitava os arranjos originais mas sem tratá-los de forma sacra, tirando elementos que hoje soam datados (como os scratches de vinil, que Lauiz substituiu por glitches digitais a partir de sua devoção aphextwinana ao ruído desta natureza) e acrescentando outros que soavam mais próximos à sonoridade atual, trazendo a força original das canções a uma energia vital sem nostalgia, com foco no presente. Enquanto Thales dividia-se entre as bases recriadas e a guitarra à John Barry, Manu soltava sua voz sem usar a de Beth Gibbons como referência – e o que nos ensaios parecia confortável e aconchegante no palco pegou fogo, graças à presença de palco e ao canto seguro e dramático desta que é minha cantora favorita de sua geração. Mas o mais legal deste processo foi descobrir o nerdismo e o profissionalismo do trio aliados ao completo escracho e cumplicidade de uma irmandade de alma. Suspeitava que os três tinham uma sintonia desta natureza mas nem nos meus sonhos mais otimistas podia supor o quanto eles funcionavam bem. O que vimos no palco do Belas Artes nesta quinta foi apenas o reflexo de quatro meses de trabalho que, como Manu comentou em uma de suas poucas intervenções, começou com o curta To Kill a Dead Man, thriller nouvellevagueano abstrato e tenso que o grupo produziu e lançou antes do disco e que pautava suas opções estéticas, que exibimos no início da sessão e que batizou a versão que fizemos, chamada Dummy 30 anos – Matar Um Homem Morto. E na hora do vamo ver, o show cresceu vertiginosamente, ainda mais com a distorção lisérgica da textura VHS que Danilo Sansão fazia na tela de cinema ao misturar imagens do curta com outras que sua parceira Vitoria Trigo captava na hora. Reto e sem bis, o show do disco lotou a sala 2 do Belas Artes de um público que apaixonou-se pelas versões que os três fizeram. É tão bom quando um plano dá certo…

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Trabalho Sujo Apresenta: Dummy 30 anos – Matar Um Homem Morto

Em mais uma sessão Trabalho Sujo Apresenta realizada no Cine Belas Artes, celebramos o primeiro disco da banda Portishead, Dummy, lançado há exatos 30 anos. Em mais um show que dirijo, reuni três jovens talentos da nova cena paulistana para recriar o disco que elevou o trip hop a um novo patamar a partir do encontro de Manu Julian (vocalista das bandas Fernê e Pelados), Thales Castanheira (que acompanha Manu em seus shows solo) e Lauiz (produtor musical e também integrante do grupo Pelados). Os três contarão com o apoio visual de Danilo Sansão, que, ao lado de Manu, traduz na tela do cinema de rua mais tradicional de São Paulo, a estreia da banda de Bristol no espetáculo Dummy 30 anos – Matar Um Homem Morto, inspirado não apenas no álbum de 1994 mas também no vídeo que o antecedeu, To Kill a Dead Man, quando a banda experimentou misturar jazz dos anos 50 e trilhas sonoras dos anos 60 no amálgama de soul music, música eletrônica, hip hop e reggae que já vinha sendo conduzido pelos conterrâneos de artistas como Massive Atttack e Tricky. A apresentação acontece no dia 17 de outubro e os ingressos já estão à venda neste link.

Cada vez mais à vontade

Dá gosto ver um projeto musical tomando forma. Não faz nem um ano que Manu Julian assumiu seu projeto solo ao topar um convite que fiz para que se apresentasse no Centro da Terra e ela vem desenvolvendo uma ótima sincronia com seu dupla musical, o guitarrista Thales Castanheira. A apresentação deste sábado aconteceu no Mamãe, ali na Barra Funda, e mesmo com a plateia cheia de convidados ilustres, a vocalista não perdeu a pose, cada vez mais à vontade com o repertório que, embora ainda tenha composições de suas outras bandas (Pelados e Fernê) e versões que faz desde aquele primeiro show em outubro do ano passado (como “Você Não Vai Passar” eternizada por Ava Rocha e “Novedades” do grupo argentino El Príncipe Idiota), está cada vez mais autoral, embora algumas músicas, como de praxe, ainda não tenham título definido. Mas já estão aí. Vai Manu!

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Vibe boa

Yann Dardenne, Otto Dardenne, Thales Castanheira e Martin Simonovich ainda não sabem se sua atual banda é formada só pelos quatro ou se terá mais integrantes nem sequer qual é o nome deste novo projeto, mas usando o epíteto Protoloops – e contando com uma ajudinha dos amigos – colocaram em pé uma transformação musical que vêm acalentando desde antes da pandemia, quando começaram a desconstruir o projeto anterior que tinham – a banda psicodélica Goldenloki – em algo que soasse brasileiro, eletrônico e dançante, mas sem perder o gostinho lisérgico que é característico de quando tocam juntos. E assim apresentaram o espetáculo inédito Protoloops nesta terça-feira no Centro da Terra, mostrando poucas faixas já fechadas, que flertam com a bossa nova internacionalista de Sergio Mendes e Marcos Valle, com os experimentos político-eletrônicos do Stereolab e uma dance music de fim de século que abraça tanto a lounge music como o drum’n’bass. E a partir dessa vibe boa, reuniram outros amigos – como o videoartista Danilêra, que trouxe TVs e mais TVs para o palco do teatro, trazendo um clima retrô VHS para a noite, a dupla ténica Retrato (Beeau Gomez no som e Ana Zumpano na luz), as vozes de NIna Maia e Marina Reis, o violão de Felipe Vaqueiro e os synths Valentim Frateschi, todos comparsas de vida e com links diretos com seu próprio selo, o Selóki Records, enquanto revezavam-se entre instrumentos elétricos, acústicos e eletrônicos, forjando uma nova sonoridade à medida em se sentiam mais à vontade no palco. Uma noite astral.

Assista abaixo:  

Protoloops

Maior satisfação ao realizar, nesta terça-feira, o primeiro passo de uma nova jornada, ainda sem nome definido. O espetáculo Protoloops é o primeiro passo de uma nova fase dos músicos que antes faziam parte da Goldenloki, que desfez-se antes da pandemia e agora ressurge em nova formação. Otto Dardenne, Yann Dardenne e Thales Castanheira reuniram-se a Martin Simonovich para criar este novo projeto, que em sua primeira aparição pública contará com várias participações especiais, como as cantoras Nina Maia e Marina Reis (da banda Pluma), Felipe Vaqueiro e Valentim Frateschi, além de ter projeções feitas pelo Danilera e a dupla Retrato (Beeau Gomez e Ana Zumpano) cuidando da parte técnica de luz e som. A noite promete! O espetáculo começa pontualmente às 20h e os ingressos estão à venda na bilheteria e no site do Centro da Terra.

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Sentimental e foda

Foi tão bonito quando Manuela Julian abriu seu primeiro show solo nesta terça-feira no Centro da Terra com a versão que fez para “Conto do Pescador”, funk do MC Menor da VG. Primeiro porque mostrou que basta sua voz – sem nenhum acompanhamento instrumental, ela subiu o tom do funk da pista de dança a um espectro quase etéreo, sobrenatural. Depois porque foi quando a vi cantando sozinha essa mesma música num stories no semestre passado que comecei a pilhá-la para fazer esse show. Depois de algumas conversas, ela falou que faria acompanhada pelo Thales Castanheira ao violão e qual foi a minha surpresa quando vi o palco montado com guitarras, teclados e computador. Mas longe de encher as canções, ela optou por roupas mais minimalistas para seu repertório sentimental (título da apresentação), que além das belas músicas inéditas ainda incluiu versões para as músicas que fez com suas bandas (“Consolação”, da Fernê, e “Música de Término”, “Mesmasmesmasmesmas” e “Mexe Comigo”) e de outros autores, como Ava Rocha (“Você Não Vai Passar”, escrita pelo Negro Leo e com um solo foda do Thales), do Dônica (“Como Eu Queria Voltar”) e da banda argentina El Príncipe Idiota (“Novedades”). Um começo foda para uma carreira promissora.

Assista aqui:  

Manuela Julian: Sentimental

Maior satisfação receber o primeiro show solo da Manuela Julian no Centro da Terra nesta terça-feira. Vocalista das bandas Pelados, Fernê e Pequeno Cidadão, ela já vinha mostrando umas músicas novas em suas redes sociais quando perguntei se não tinha um show dela ali. Ela pediu tempo pra pensar e logo depois retornou topando e chamou o compadre Thales Castanheira para acompanhá-la ao violão e apresenta o espetáculo Sentimental, em que mistura suas referências artísticas, composições próprias e alheias aos poucos moldando esta sua nova faceta musical. A apresentação começa pontualmente às 20h e os ingressos estão à venda neste link.