Tensão apocalíptica

, por Alexandre Matias

Peregrino

O pessoal da editora Intrínseca me pediu para entrevistar o autor Terry Hayes, cujo primeiro livro, Eu Sou o Peregrino, está sendo lançado no Brasil, e pedi o livro para me familiarizar com a pauta. Quando menos percebi, estava engolindo as quase 700 páginas de uma saga que mistura conspiração política, paranoia apocalíptica, religião, ciência, arte e espionagem sem nem conseguir dormir direito. Abaixo, a conversa que tive com o autor.

Adrenalina em escala global
Eu sou o Peregrino é um épico impressionantemente detalhista e dinâmico sobre política internacional, o mundo da espionagem e terrorismo — e é o primeiro livro do roteirista Terry Hayes, que escreveu os primeiros filmes da série Mad Max entre outros de sucesso

“Escrever um filme é como nadar em uma banheira e escrever um romance é como nadar no oceano.” A diferença de escala entre os dois formatos, uma citação de John Irving presente no início dos agradecimentos de Eu sou o Peregrino, não é apenas o principal diferencial do romance de estreia do roteirista de cinema Terry Hayes em relação aos seus trabalhos anteriores. Conhecido por escrever o roteiro do segundo e terceiro filmes da série Mad Max, nos anos 1980, Hayes escreveu bons thrillers na virada do milênio (como O Troco, com Mel Gibson, Limite Vertical, com Chris O’Donell, e Do Inferno, com Johnny Depp). Mas nenhum desses filmes se compara ao calhamaço que inaugura sua bibliografia.

A ameaça das quase 700 páginas do livro, no entanto, começa a se desfazer logo que começamos a leitura. Hayes puxa o primeiro fio da meada com um assassinato num hotel barato em Nova York, que traça conexões no Oriente Médio, nos Balcãs, em um banco suíço, em Paris, em Veneza, na Turquia e no Afeganistão, numa espiral de acontecimentos inesperados ao redor de dois personagens densos definidos por seus codinomes, Sarraceno e Peregrino. A narrativa da história é ao mesmo tempo detalhista e deliciosa e as páginas são viradas numa compulsão que desafia o leitor não apenas pela complexidade da trama, que mistura política internacional, espionagem, técnicas de tortura, biotecnologia, história da arte, internet e o 11 de Setembro, mas também pela profundidade de seus protagonistas, agentes perfeitos que não deixam rastros, tão motivados quanto determinados — além de extremamente complexos —, colocados um contra o outro em uma conspiração de escala planetária.

“Acho que o público em geral está em busca de experiências mais intensas e mais amplas”, me explicou o autor em entrevista por e-mail. “As prateleiras das livrarias estão cheias de thrillers e de romances policiais. Os cinemas também viviam cheios disso. Mas agora as pessoas já tiveram essas experiências tantas vezes que estão em busca por algo diferente — talvez uma experiência que de alguma forma seja mais abrangente. Percebi que tinha que fazer algo diferente de outros livros em um mercado que é muito disputado — eu tinha que ir rumo a uma experiência mais épica.” Também conversamos sobre a adaptação do livro para o cinema, suas influências narrativas e o que ele achou do novo Mad Max.

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Quanto você teve de estudar para entrar nas mentes dos dois personagens principais?
Bem, você precisa acreditar nos personagens. Você não pode considerar que só existem mocinhos e vilões. Se fosse óbvio dessa forma, por que se importar em ler um livro? Você tem de misturar — como na vida, suponho. Steven Spielberg, que sabe umas coisinhas sobre como contar histórias, diz que não existem personagens maus — só pessoas com más intenções. Entendo que ele queira dizer que não existe ninguém que acorde de manhã e decida ser mau — são suas experiências e objetivos que os guiam, passo a passo, rumo a um caminho que leva às más consequências. Eu certamente criei meu chamado vilão dessa maneira. De forma similar, o herói também faz coisas assustadoras. Acho que isso os transforma em personagens mais interessantes e levanta uma série de questões morais interessantes.
Eu fico impressionado — e muito agradecido — que tantos resenhistas ao redor do mundo tenham dito que, de alguma forma, simpatizaram com o vilão. Mesmo que ele tenha um plano horrível para colocar em ação. Esse elogio me prova que eu criei um personagem com motivações convincentes e que eu pelo trilhei um caminho no sentido de criar um ser humano real e não um vilão de papel. As histórias estão repletas desse tipo de personagem e acho que não precisávamos de mais um deles.
Por isso, se você trabalha desse ponto de partida — que ambos os personagens principais devem ser escritos de forma bem positiva —, você apenas prossegue cada vez mais fundo e tenta garantir que tudo que eles façam seja lógico. Para os dois, você tem que continuar dizendo: “E se fosse comigo, o que eu faria?”. O único problema é que isso parece mais fácil de fazer do que acaba sendo quando você está sentado na frente da tela vazia do computador.

Você conhece pessoalmente os lugares e tem noção dos procedimentos descritos com tantos detalhes no livro?

Conheço muito dos lugares mencionados no livro porque tive a sorte de viver em muitos países diferentes e viajei para um número ainda maior deles. Há passagens num banco privado em Genebra que, como morei na Suíça por anos, tirei da minha experiência pessoal. O mesmo pode ser dito de Santorini, Paris, Londres e por aí vai. Fui correspondente internacional em Nova York e em Washington, então compreendo bem como funcionam o governo norte-americano e suas agências de inteligência. Escrevi muitas matérias sobre grupos de inteligência e conversei com vários dos seus integrantes de alto escalão, por isso eu sei onde como buscar informações e o tipo de detalhes que não são necessariamente conhecidos de todos.

Quais foram suas principais influências narrativas — tanto filmes quanto livros — para este romance?

Gosto de boas histórias, com uma linguagem clara e precisa. Você precisa de personagens com motivações convincentes e ter algo correndo risco que faça com que o público se importe. Por isso, naturalmente, amo os filmes da chamada Era de Ouro de Hollywood. Casablanca, Uma Aventura na África, Núpcias de Escândalo e vários outros que foram adaptados de livros muito bons. Isso continua até os anos 1970 e até mesmo depois, filmes como A Ponte do Rio Kwai, O Poderoso Chefão, A Primeira Noite de um Homem. São muitos! Infelizmente, os filmes dependem menos de livros bem escritos e mais de histórias em quadrinhos hoje em dia e por isso é difícil encontrar narrativas fortes que não dependam apenas de explosões e eventos que desafiam as regras da física. No que diz respeito à literatura, eu tive a sorte de, ainda criança, ler bastante e de ter um pai que me encorajava a ler o melhor que o mundo podia me oferecer. Por isso fui de Hemingway e F. Scott Fitzgerald para Herman Hesse, Cervantes e, claro, a Bíblia. Afinal, se há uma coleção melhor de ótimas histórias, eu ainda tenho que encontrá-la. Talvez As Mil e Uma Noites. Deixando as conexões religiosas do Novo Testamento de lado, a história de Jesus ainda é a melhor história de herói já contada. Melhor que a de Luke Skywalker, que pegou muita coisa emprestada dali.

Eu sou o Peregrino será adaptado para o cinema? Quando você escrevia pensava no livro como um filme?
Ele está se transformando em um filme enquanto conversamos — então essa é uma resposta fácil. Será um bom filme? Isso é uma resposta mais difícil de dar, afinal, não há muitos deles hoje em dia, não? Mas eu tenho a esperança de que será, sim! Acho que quando estava escrevendo pensei nisso porque costumo pensar em cenas e momentos impactantes. Escrevi filmes por tanto tempo que agora meio que está no meio DNA. Óbvio que escrever um romance é algo bem diferente, mas foi um ponto de partida — bem útil, na minha opinião.

Como autor da história de dois dos três primeiros filmes da franquia Mad Max, o que você achou do quarto filme da série, lançado no ano passado?
Eu gosto muito do novo, Mad Max: Estrada da Fúria. Uma das coisas que eu mais gosto dele é que George Miller —um amigo muito querido — não apenas reciclou os velhos; ele o levou para um rumo novo e ainda mais empolgante. É claro que é um tour de force de direção e ele mereceu, de verdade, a indicação para o Oscar. Na minha opinião imparcial, ele devia ter ganhado. Parte do problema com continuações é que as pessoas ficam muito tentadas a apenas duplicar o que consideram que foram os elementos bem-sucedidos. Não é o caso de George, ele ainda está lá explorando os próprios limites e a si mesmo. Ele não é mais jovem, por isso é incrível ver um cineasta e roteirista querendo fazer isso.

E o que você está fazendo atualmente? Trabalhando em algum filme ou em seu segundo romance?
Finalizei o roteiro para Eu sou o Peregrino, que vai ser produzido pela MGM, e agora estou trabalhando em como vou lidar com a realização do filme. E estou escrevendo também outro romance, The Year of the Locust [ainda sem título em português, será publicado pela Intrínseca], que é uma espécie de cruzamento entre O Exterminador do Futuro, O Planeta dos Macacos e um thriller de espionagem. Eu sei, parece maluco, e provavelmente é mesmo, mas eu realmente gosto dele e acho que será uma história arrebatadora, então já é um bom começo! Não há nada pior, imagino, do que tentar escrever sobre algo que você não gosta. Espero que os leitores compartilhem esse meu entusiasmo!

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