Tamos nessa pela grana
Por diferentes quintas-feiras no Milo Garage no primeiro semestre do ano passado (nos saudosos tempos pré-mainstream do quintalzinho pequeno), Fabio Massari me abordava perguntando, “sem pressão”, onde tava o meu texto. Ele me chamou pra participar de seu terceiro fruto impresso, a coletânea “Detritos Cósmicos”, sobre Frank Zappa, e, “sem pressão”, lembrava que só faltava o meu texto (“e de uns três ou quatro”) pra fechar a cria. Pois o textinho (meus diminutivos em relação à minha obra vem do carinho pela mesma, porra) taí embaixo e o livro acabou de ver a luz do dia pela Conrad. O tomo ainda conta com contribuições de gente boa como Allan Sieber, Dagomir Marquezi, Wander Wildner Caco Galhardo, Fernando Bonassi, Angeli, Claudio Tognolli, Wado – além de duas entrevistas com o ícone iconoclasta feitas pelo reverendo. Compartilho abaixo minha contribuição pro livro.
* Texto publicado originalmente no dia 15 de março de 2007
Grana e Música
Já falei disso algumas vezes, mas não custa repetir. Quem nasceu entre 1970 e 1980 teve um privilégio ao contrário – pelo menos no que diz respeito à cultura pop. Enquanto as gerações baby-boom (nascida entre 1945 e 1960) e X (entre 1960 e 1969) viveram não simplesmente o auge da cultura da cultura popular para consumo de massas (isso que convencionamos chamar de pop) como sua consolidação como gênero, quem nasceu nos anos 70 pegou todas as referências fora do lugar. Nasci exatamente no meio da década – em algum dia entre os lançamentos do Blood on the Tracks do Dylan, do Phisical Grafitti do Led Zeppelin, do Kung Fu Meets the Dragon do Lee Perry, o Mothership Connection do Parliament, o Rock’n’Roll do John Lennon e o Fly By Night do Rush (me sinto feliz ao pensar que esses discos estavam sendo feitos quando eu também estava) – e quando já tinha idade pra entender alguma coisa, George Lucas e Steven Spielberg já tinham reinventado o cinema norte-americano (que quando eu nasci tava numa pindaíba tão grande que sua melhor produção se equiparava com as melhores de países europeus, asiáticos e latinos), Frank Miller, Alan Moore e Chris Claremont começavam a salvar os quadrinhos de super-herói da mesmice (que, quando eu nasci, eram apenas coisas de criança) e a Tina do Maurício de Sousa era uma gostosa de óculos (quando eu nasci, ela era uma hippie nerd).
Em termos de música, pernas pro ar. Hoje consigo conceber o período entre 1975 e 1985 – meus primeiros dez anos – como talvez a fase mais dourada da música pop, na minha humilde, singela e coitadinha dela opinião. Embora eu seja particularmente fã da dita Era de Ouro do rock (65-71) e meu cânone fonográfico tenha começado com bolachas brasileiras do pleno rock dos anos 80, é entre o meio da década de 70 e o da de 80 que algumas das principais – e mais legais – mudanças do pop ocorreram. Todos os gêneros musicais vigentes no começo dos 70 tiveram seu próprio punk rock. O funk e a soul music foram atropelados pelo hip hop. A música para dançar deixou de ser careta e conservadora graças à disco music. A MPB tomou um toco do rock brazuca. A música eletrônica surgiu dos pedaços da disco e do esqueleto do rock progressivo. Até o punk teve seu punk quando o pós-punk sapateou sobre o cadáver dos Sex Pistols.
Mas quando comecei a me dar conta, não tinha uma linha do tempo me explicando quem havia vindo antes de quem. Não existia internet nem as pessoas estavam dispostas a compartilhar o que conheciam – lembro que em Brasília, onde nasci e cresci, chegavam uns quatro NMEs na banca do aeroporto e a turma que os comprasse antes não os dividia com as outras. Hoje, Google + Wikipedia e boa – dá pra saber sobre qualquer coisa. Tem disco do Velvet à venda na Fnac por 20 reais. Lembro direitinho quando saiu uma matéria na Playboy com os dez principais nomes da história do rock e havia um texto, do Forastieri se não me engano, falando do Velvet em que tinham umas fotos da banda que eu nunca havia visto na vida. Sim, havia a gostosa do mês, naqueles tempos em que posar nua ainda era um passo duvidoso na carreira de qualquer uma, atriz ou não. Mas naqueles tempos pré-internet, fotos não vistas de bandas conhecidas apenas pelo nome pareciam mensagens mandadas de outro planeta.
E eram mesmo. Sem informação ou referência, eu e a minha geração tivemos quase tudo de segunda mão. Lembro a primeira vez que eu ouvi uma coletânea dos Beatles e fiquei impressionado porque conhecia quase todas as músicas – com outras pessoas cantando! “Till There Was You” era uma música do Beto Guedes, “Yes It Is” era da Verônica Sabino, “Get Back” era do Lulu Santos e a orquestração de “Strawberry Fields Forever” também havia aparecido, num detalhe, em “Trem Azul”, do Roupa Nova.
Aliás, o rock brasileiro dos anos 80 tem todo mérito nisso. É um tal de “I Don’t Care” dos Ramones no começo de “Que País É Esse?” do Legião Urbana, o instrumental da metade de “Hands Off She’s Mine” dos Specials Beat na introdução de “Óculos” dos Paralamas, a letra de “Damaged Goods” do Gang of Four em “Corações e Mentes” dos Titãs, e por aí vai. Tivemos um curso intensivo de história do rock achando que estávamos ouvindo músicas novas feitas para nós.
Normal. À medida em que crescemos, encontramos o mundo já pronto e realizado, constantemente se autorreferindo. A segunda metade dos anos 70 assistiu ao primeiro revival do rock – de Nos Tempos da Brilhantina até o próprio Rock’n’Roll do Lennon – o que transformou todo cânone rock num modelo fechado. Mataram o rock quando o avião do Buddy Holly caiu e o Lennon acordou a década de 60 avisando que ela tinha morrido, que o sonho já Elvis, puf!, gone Vegas –Gil completou ao avisar que quem não havia dormido no saco de dormir, nem isso. Aí veio o punk e mais toco no rock, Pink Floyd e Queen pra Cristo, e no começo dos anos 80 já tinha banda de hardcore avisando que o punk rock não morreu. E como Michael Jackson e o Prince ficaram esquisito e o U2 e a Madonna conseguiram envelhecer com alguma dignidade (Bruce Springsquem?), coube ao loirinho das bandas do Twin Peaks encarnar –sem querer – o salvador da pátria, uma santíssima e improvável trindade simultânea de Sid Vicious, Duanne Allman e Macaulay Culkin numa perfeição pop do sentimento bruto do rock posto à venda, e depois tentar resolver tudo à americana, na bala, metendo um tiro nos cornos, na última pose de Cristo convincente vindo de um popstar (os prisioneiros americanos no Iraque não estão nessa categoria, embora convençam).
Toda uma geração com referências embaralhadas, anos 80 ao mesmo tempo em que os 60, revival dos 70 no começo dos 90, Elvis e os Beatles pairando em cima de tudo, uma série de santos-mártires e de lendas-vivas formavam o universo do rock’n’roll. Quando Kurt Cobain deu o tiro final na história, encerrou um cânone completo que, desde os primeiros requebros de Elvis vinha fadado a terminar. Coube ao Radiohead cravar a lápide no gênero, colocando uma frase de Douglas Adams como uma espécie de suspiro final para a música do século seguinte: “Ok Computer”, entregava o jogo para o próximo estágio da música popular. Dali em diante, tudo seria revisto, refeito e realinhado na nova ordem das coisas – não-linear, uma época propulsionada pela valorização do ritmo, fruto da explosão estética, artística e comercial tão importante quanto o rock, mas que foi tolamente menosprezada pelo mercado de rock, que foi a disco music. Se você acha que os Bee Gees e Travolta são a disco music, sinto dizer que é como achar que a versão do Pat Boone para “Hound Dog” era o verdadeiro rock’n’roll. Mas isso é outra teoria dessas pra contar berrando bêbado numa balada que outro dia eu transcrevo livro desses.
Toda informação que foi sendo gradualmente construída em frente à geração que viu o nascimento e a era de ouro do rock era acertada de uma vez só em minha cabeça. Era assim com qualquer nome: Led Zeppelin era – e é – ao mesmo tempo rockstar, “Stairway to Heaven”, os dois primeiros discos, a história da truta, Bohnam morto na frente do Jimmy Page, bruxaria e Phisical Grafitti. Clash era – e é – sub-Ramones, “the only band that matters”, “Should I Stay or Should I Go”, rock politico e a banda que dividiu o palco com o Who no “ultimo” show da banda, no estádio de Wembley. Tudo vinha de uma vez só – e, na maioria dos casos, absorvia-se bem, desta forma.
Toda minha geração passou por isso, por estas descobertas de nomes, de gêneros, de cânones. As trocas que hoje acontecem em dois cliques do mouse aconteciam pessoalmente, com fitas sendo copiadas e vinis comprados coletivamente, revistas gringas lidas em grupo e em troca de cartas com desconhecidos de gostos comuns. O mundo pré-internet, ainda mais num país de terceiro mundo que dificultava a entrada de informações – de qualquer espécie – vindas do exterior, era muito difícil. A rede criada com o punk brasileiro não conseguiu sobreviver como as redes americanas e européias, porque era muito caro e cansativo mantê-las no esquema artesanal (enquanto o punk inglês clássico, só para ficar num exemplo óbvio, nunca poderia ter existido se o seguro-desemprego inglês funcionasse como o brasileiro). Grande parte dos heróis da resistência underground foi desistindo – e os que continuaram tentando são referências até hoje. Não é por nada que boa parte da geração que hoje manda no underground brasileiro – cada vez mais overground – é formada por gente que já tava nessa desde 94. O advento internet começou a acontecer exatamente este ano e fez com que boa parte desse povo (geração Juntatribo?) pudesse ter disposição para continuar fazendo, doze anos depois, o que fazia no começo dos vinte anos – viabilizando financeiramente o mercado indie e, uma mão lava a outra, pagando suas contas.
Então imagine o que era o Frank Zappa (finalmente!) neste contexto. Com quase quarenta discos lançados, séries de solos de guitarra, tretas com a censura americana, aquele bigodão, um monte de músicos virtuosos no palco, flertes com doo-wop, música erudita, found sound e um filme com o Ringo, Zappa em plenos anos 80 era mais do que uma charada embrulhada num enigma. Era a própria esfinge pop perguntando “O que é que há, velhinho?”, viesse você do punk rock, do rock praiano do Rio, do hip hop ou da música erudita. Era quase uma provocação – um artista completo, um político não-praticante, um roqueiro velho que sempre tivera aquela idade, um frasista cínico, entrevistado que desossa o entrevistador, o institucionalizado crítico do sistema de seu tempo, como se Noam Chomsky e John Lennon pudessem coabitar na mentalidade de um guitarrista pós-moderno. Ou seja, pior do que o Velvet Underground ou os Stooges (que, como Zappa, não tiveram discos editados de forma decente no Brasil até o meio dos anos 80), o velho Z era apenas para iniciados e contemporâneos. Havia uma barreira intransponível, a experiência de uma época, única e pessoal de quem a viveu com ele. Mesmo porque antes dele chegar aos meus ouvidos, veio o Arrigo Barnabé que, apesar de dizer que não, é subproduto zappeano e confundiu ainda mais as idéias da minha geração, pueril e não-linear, para com o mito Z.
Lembro do primeiro contato de facto, uma lojinha nova de CDs importados – artefato raro, início dos 90 – que tinha aberto na 9 ou na 13 norte, não me lembro. Ainda tava naquela fase de explorar os arredores do Olimpo dos anos 60, já sabia o Blow Up de cor e a discografia dos Beatles era minha linha do tempo. Procurava por discos folk contemporâneos ao Rubber Soul, mas podiam ir até além – minha pequena obsessão à época havia sido a participação de Crosby, Stills e Nash no filme do Woodstock que me levou ao Deja Vu e depois ao 4-Way Street, e, consequentemente, aos Byrds, ao Gram Parsons, aos Flying Burrito Brothers e ao Astral Weeks. Era esse universo que eu pensava em explorar naquela loja, mas só encontrava com coisas pré – Joan Baez, Peter Paul and Mary – ou pós – James Taylor, Carly Simon, Bread – àquela fase específica que eu estava procurando. Foi quando eu me deparei, mais uma vez, com o enigma da capa do Sgt. Pepper’s, que me encarou numa loja de LPs de um shopping em Goiânia (isso eu outra história, que eu já escrevi, inclusive). Desta vez, era uma outra banda corações solitários de outro Sargento Pimenta.
“Estamos nessa pela grana”, zoava, em inglês, o título daquele disco. Foi o meu primeiro contato com Zappa, sonoramente falando. Tentei distinguir qual daqueles cabeludos da capa era o señor Francesco lá estava ele, com o mesmo semblante de qualquer foto, cabelos presos em duas marias-chiquinhas, num vestido roxo de criança e um tênis de boxeador quase smagando as frutas que compõem as letras da palavra “Mothers” na capa. Imediatamente me vi intoxicado pela capa, pelos nomes das músicas, pelo fato de ele conter um segundo disco como bônus (Lumpy Gravy, que só depois que eu abri o plástico é que fui descobrir que era um disco de colagens – uma “Revolution 9” que dura todo um álbum [tudo bem, vinha de brinde, mas fiquei pensando nas pessoas que tiveram que pagar por aquele disco…]), pela banda, pelo título, enfim, pelo disco. Minhas buscas cessaram naquele momento em que abaixei o CD do meu campo de visão e vi o resto da loja, e pensei em quantos discos do Engenheiros e do Pink Floyd e do Bob Dylan e do Sting (nada contra eles, mas eles eram onipresentes) que eu teria que encontrar de novo, na esperança de encontrar uma capa diferente, que algum neurônio lembrasse de alguma foto num jornal, coleção de conhecido, seção de lançamentos de revista. Pensei: começou a série Frank Zappa. Eu havia sido aceito na confraria – eu não me forcei a entrar. Eu simplesmente entrei.
O que havia naquele disquinho arrumou a minha visão sobre Zappa. Meu parco inglês da época entendeu perfeitamente as letras e elas não tinham eufemismos, com pesadas cacetadas cínicas nos hippies, no movimento flower power, na liberação feminista, na psicodelia e na new age, resumido num alerta ao mesmo tempo solene e pesaroso, ainda na primeira parte do disco. Arengando a “Warm Gun” de John Lennon – terreno doo-wop, primeira seara de Zappa – o disco pergunta: “Qual é a parte mais feia do seu corpo?”. Responde cantando: “Alguns dizem que é o seu nariz/ Outros dizem que é o seu dedão do pé/ Mas eu acho que é sua mente!”, diz, cândido, antes de alardear, caixa alta, no encarte: “Todos seus filhos são pobres infelizes vítimas de sistemas além de seu controle/ Uma praga sobre sua ignorância e o desprezo cinza de sua vida feia”, e continua, “Todos seus filhos são pobres infelizes vítimas das mentiras em que você acredita/ Uma praga sobre sua ignorância que mantém os jovens longe da verdade que eles merecem”.
O disco originalmente era uma colaboração entre Zappa e o humorista Lenny Bruce, com quem ele já havia se apresentado em shows – o disco se chamaria “Our Man in Nirvana”, mas o happening “Sgt. Pepper’s” transformou o terceiro disco de Zappa em uma paródia pesada ao que aos poucos se tornaria o status quo do hippismo. Cheio de piadas sujas e sem meias palavras, o disco sofreu forte censura quando foi lançado e sua capa original, parodiando o disco dos Beatles, foi vetada pela gravadora Verve – que testava artistas fora de seu metier original, o jazz, ao contratar Zappa e o Velvet Underground no meio dos anos 60. “Money” ainda conta com uma participação bizarra de Eric Clapton, que, em vez de tocar guitarra, simplesmente exalta-se após ter uma visão divina. “Deus, vejo Deus”, grita o sujeito cujo nome foi associado ao cara que agora ele tava vendo em históricas pichações nas ruas de Londres.
Mesmo ainda jovem, mesmo em plena era technicolor, Zappa não falava para os filhos. Falava para adultos que pudessem entender que, ao criticar o feminismo americano, não estava criticando as mulheres. Nem que ao pegar pesado para falar sobre drogas não significava que ele fosse um mero reacionário careta. Ou que ao descer o pau nas comunas hippies parecesse preferir o sistema capitalista. Zappa não queria apresentar uma solução, e sim mostrar o tamanho do estrago que o chamado Flower Power poderia fazer em toda uma geração. E assim fez em cada disco seu – um alvo, uma bala, quase sempre certeira.
E assim fui atirado ao mundo do sujeito e percebendo como ele mesmo tinha a ver com a lógica não-linear a que havia me acostumado. Não havia mais fatos isolados que coexistiam pacificamente. O que Zappa propunha era concatenar todas as idéias num mesmo plano, um mínimo de marxismo pra explicar como uma coisa chega na outra. Assim ele ia fazendo em cada disco, em cada música, mostrando que, apesar de parecer isolada, aquela letra, aquela melodia, aquele tema, tudo relacionado àquela canção, na verdade estava atrelado a um quadro maior, mais amplo, mais complexo. Resumia essa equação chamando sua vida e obra de uma coisa só, o tal “Projeto-Objeto” – um jeito pós-moderno de chamar atenção para sua qualidade autobiógrafa.
Zappa era diferentes pessoas, mas fazia questão de enfatizar que todas elas eram uma só – ele mesmo. Não tentava convencer ninguém de que era bonzinho, confiável ou tranqüilo para conseguir estar bem posicionado, seja lá o que isso significar. Sempre deu a própria cara à tapa, fazendo uma espécie de terapia coletiva em público, apontando o dedo para a raça humana e dizendo onde as coisas estavam erradas. É o elo perdido entre a Mad e os Ramones, entre R. Crumb e Michael Moore, entre Brian Wilson e Stockhausen, Johnny “Guitar” Watson e Steve Vai, Tex Avery e Matt Groening. É como se Dylan se desmascarasse em público, como se a fase grito primal de Lennon acontecesse entre 65 e 68, como se Mick Jagger, Keith Richards e Brian Jones fossem a mesma pessoa. Ninguém disse que era fácil.
A partir de “We’re Only in it for the Money” (que antecipa a paródia maxima dos Beatles, “All You Need is Cash”, do ex-Monty Python Eric Idle, exatamente no ponto central – o larjã), Zappa me guiou por um submundo que fingimos não existir – o das aparências do pop. Em cada obra ele faz questão de descascar as espectativas sobre qualquer nova promessa, revendo vacas sagradas – e a si mesmo – constantemente e desconfiando de quase tudo. Menos da música.
Queria, na real, falar de “Joe’s Garage”, a “ópera rock” que Zappa compôs na época do punk rock para criar um mundo futuro de paranóia e vigilância em que a música se torna, finalmente, proibida. Sussurrando como um robô-narrador chamado Central Schrutinizer (nome que mais tarde veio batizar a boa banda tributo ao sujeito que existia em São Paulo, com integrantes do que viria se tornar o Karnak), Zappa pinta este cenário terrível para qualquer ouvinte apenas para enfatizar um pequeno versinho que mais tarde se tornaria lugar-comum na liturgia zappeana. Se a média estiver mantida, esta deve ser a terceira aparição deste trecho de música só neste tomo organizado pelo reverendo – motivo, aliás, de retribuição não-monetária ao fato do editor desta brincadeira ter sido um dos principais leitores da bula do remédio-veneno-antídoto FZ para as cabeças da minha geração. Não estou ganhando um centavo para escrever essa bagaça – mas nem sempre as coisas precisam de dinheiro para existir, não sei se você lembra disso…
Enfim, não vou mais me alongar sobre “Joe’s Garage”, uma vez que escolhi meu momento epifânico no segundo disco dos Mothers of Invention, de 1968. Foi, realmente, o marco zero. A partir dali, já havia uma pré-disposição para cada disco, diferente do salto no abismo que é o primeiro contato com a obra de Zappa. Nunca se está preparado para isso. Aí chega a hora do clichê, aquilo que faz o cinismo do autor fazer sentido, o tempo todo:
“Informação não é conhecimento. Conhecimento não é sabedoria. Sabedoria não é a verdade. A verdade não é bonita. A beleza não é o amor. O amor não é música. Música é o melhor”.
Nisso, temos de concordar. Um clichê é um clássico que foi repetido várias vezes. Talvez este trecho ainda não seja repetido o suficiente, portanto…
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