O Suede deu uma coletiva nessa sexta-feira e o Luiz Pimentel conseguiu com o Brett Anderson uma lista de músicas para começar a gostar de música boa, tema do livro que o brasileiro dedicou às suas filhas pequenas, Você Tem que Ouvir Isso. A lista é bem boa, saca só:
Abaixo, os vídeos de cada uma delas. Vai que alguém ainda não conhece…
O Mac que cravou o lineup final lá no Scream & Yell. Saca só:
Kings Of Leon
Garbage
Kasabian
Gossip
Suede
The Drums
Azealia Banks
The Maccabees
Best Coast
Little Boots
Mallu Magalhães
Madrid
Banda Uó.
Vão ter bons shows, mas no geral a escalação tá fraca, nota 6. Vamos ver como é que isso se comporta no Anhembi Jóquei.
Quem tá confirmando é o fã clube brasileiro da banda, que diz ter confirmado com o agente da banda. O Zé Norberto Flesch só twittou sobre:
E em seguida o Terra avisou, também via Twitter:
Bem capaz, hein.
Um exercício de especulação
A essa altura do ano passado, o festival Planeta Terra não só já havia anunciado parte de seu elenco, como os ingressos haviam sido esgotados. Até agora, o máximo de especulação que eu ouvi falar foi que talvez o Hot Chip viria. Por isso, acho que está na hora de começar a cogitar o que pode vir por aí no maior festival de indie rock do Brasil.
Porque o Terra está numa encruzilhada. Depois do sucesso dos Strokes no ano passado (que fizeram os ingressos do festival esgotar em menos de um dia), há uma expectativa de que isso possa se repetir este ano. Não que o fenômeno dos Strokes seja único; há artistas que poderiam repetir o bom desempenho de bilheteria sem que o festival necessariamente caia no mainstream, mesmo porque o mainstream de hoje em dia tem um pezinho no indie. Nomes como Arcade Fire, Killers, Wilco, Arctic Monkeys ou Adele (no limite) poderiam fazer os ingressos se esgotarem bem mais rápido que nas edições anteriores à dos Strokes (que tiveram descontos de lotes e ficaram meses à venda).
O problema é que não é simples assim. A curadoria de um evento deste porte esbarra em obstáculos como agenda, cachê e disponibilidade dos artistas, além de compatibilidade com o gosto dos patrocinadores. E aí pode ser que o festival derrape: ao tentar garantir um nome de peso próximo ao dos Strokes, pode optar por deixar de ser um evento indie e ir para o escalão acima, onde o SWU e o Rock in Rio se engalfinham em torno de bandas que tocam no rádio e artistas cuja carreira terminou há mais de vinte anos, embora não tenham percebido ou consigam sobreviver com clássicos. Ou seja: um festival puramente comercial. O que seria uma pena, afinal o grande trunfo do Terra é justamente manter-se indie, trazendo artistas que nem tem disco lançado no Brasil na hora em que eles estão começando a acontecer no exterior.
E como sonhar não custa nada, faço aqui a lista do que seria um Planeta Terra perfeito para mim. Claro que apenas metade de um dos palcos que cogitei já deixaria o festival emocionante, mas resolvi partir pra utopia mesmo, misturando meu gosto musical com a vontade de ver (ou rever) determinados artistas ao vivo.
Assim, o palco indie começaria como…
…o Teen Daze faria aquele showzinho pré-por do sol…
…o Chromatics tocaria durante o por do sol…
…e terminando com o Xx, antes da meia-noite.
Enquanto o palco principal ficaria com…
…o Metronomy ao cair da tarde…
Tá bom, não? E você, o que sugere?
Mais texto desenterrado. Sempre fico na dúvida se o meu disco favorito do Suede é o Head Music ou o Coming Up. Nesse exato momento, é o Head Music, cuja resenha abaixo eu escrevi na época do lançamento, em 1999. Aperte o play:
A palavra “cabeça” em inglês – “head” – tem uma conotação sexual bem diferente da que tem em nosso idioma. “Head”, reza o vulgo, refere-se ao ato do sexo oral, para ambos os gêneros. Brett Anderson, líder do Suede (ou London Suede, se você for americano), batizou o quinto disco de sua banda após o grudento refrão da oitava música do CD, a tradicional “primeira do lado B”. Ele pede a boca lá – “Give me head/ Give me head/ Give me head” -, mas, percebendo a possibilidade de nem isso satisfazer, conforma-se com música, “music instead” (“música no lugar disso”). Criando a expressão Head Music, quase como um trocadilho “Give me Head Music instead”, Brett inventa um gênero para sua banda. Não é “música cabeça”, como o título em português pode supor. Porque, como ele mesmo diz, ao passar do refrão, puro Freud, “você sabe/ Tudo é fruto da mente”.
Ao mesmo tempo em que definia o som que tenta fazer há tanto tempo, o Suede chegava a 1999 com elegância ao auge de sua forma. Mesmo sem o guitarrista-fundador Bernard Butler (“seminal”, diriam os fãs mais ferrenhos), o grupo vem numa linha ascendente desde o último disco, o excelente Coming Up, de 95. Antes disso, o Suede era um misto de Smiths com David Bowie e Stone Roses, louvado pela imprensa britânica que encontrara no grupo, em 92, o antídoto perfeito para a corrente shoegazer (as guitarradas lentas de My Bloody Valentine, Ride e sobrinhos) que dominava a cena independente do país. Mesmo com um disco fraco e superestimado (batizado apenas com o nome do grupo e eternizado pelo beijo andrógino na capa), o Suede conseguiu terreno suficiente para que suas referências britânicas varressem os sussurros, a microfonia e a distorção dos anos 90 ingleses.
Se eles não são responsáveis pelo britpop (este deve ser Bowie, em Let’s Dance), eles ninaram a geração que se afirmou ao redor desse termo simplista que os semanários bretões inventaram para batizar o pop britânico da metade dos anos 90. Representantes influenciados e conhecidos do Suede (Oasis, Blur, Pulp, Elastica, entre outros – há o clássico trio entre Damon do Blur, Brett e Justine do Elastica) mais tarde tentariam dominar o mundo, no crepúsculo do rock alternativo americano, mortalmente ferido após o suicídio de Cobain. Mas logo abandonaram o caminho que abriram (cristalizado na trilogia Modern Life is Rubbish/ Parklife/ The Great Escape, do Blur) em meio a tensões internas, cobranças da mídia e o clima pesado que se instalou nas gravações do segundo disco e Dog Man Star (um disco incompreendido) saiu em 94 quase a contragosto, um retrato polido do clima amargo daqueles dias.
A tensão resultou com a saída de Butler, que foi substituído pelo jovem (17 anos na época) guitarrista Richard Oakes, que assimilou perfeitamente o papel do antigo integrante com sua guitarra assumidamente glam. O tecladista Neil Codling, convidado para as sessões do terceiro disco do grupo, ajudiu o grupo a seguir este caminho entre o glamour, a melancolia e a extravagância, abraçado pelo vocal e pelas letras de Brett. Coming Up, o terceiro disco, trazia um Suede vigoroso e expansivo, assumidamente glitter e querendo festejar antes da queda. O espírito poseur de Coming Up, de 95, questionava a seriedade da primeira fase da banda e encaixava-se como uma luva numa década que fingia poder experimentar todas as décadas anteriores.
Depois do renascimento de Coming Up, o Suede tirou férias e lançou o ótimo duplo Sci-fi Lullabies, com lados B de ambas as fases da carreira. Ao comparar os dois discos, vemos o quanto a afetação, os vocais e, principalmente, a composição passaram de preciosismo para a vulgaridade (no melhor sentido do termo), ironizando, na segunda fase da banda, o status de “banda perfeita” que o grupo tanto lutava no início da carreira.
Head Music coroava o novo caminho do Suede com uma coleção de canções que orgulharia tanto Marc Bolan quanto Scott Walker. Músicas cheia de estilo e groove, como se a banda – toda vestida em couro preto – girasse no centro de uma passarela de moda, se esparramando enquanto derrama litros de riffs pegajosos de guitarra anos 70 sobre uma base rítmica (Mat Osman e Simon Gilbert, baixo e batera). Ao redor da banda, Brett Anderson, magro, alto e cheio de poses, segura o microfone como um charuto entre o polegar e o indicador, cantando histórias urbanas sobre pessoas que só querem se divertir, entre romances e noitadas.
O disco começa com “Electricity”, que não faz jus ao todo do álbum. Apesar de fazer a ponte entre Coming Up e Head Music, a canção, que é o primeiro single do disco, tenta casar um riff ganchudo com um refrão populista à força e a música parece uma colagem forçada entre duas canções completamente diferentes: uma é “Electricity” mesmo, guitarra e baixo conspirando juntos sobre uma frase forte e fácil de se lembrar, a outra é o refrão, que se limita a cantar que “É maior que nós/ Maior que o universo”, em referência ao amor que antes era comparado com eletricidade. Mesmo sendo uma boa canção – mal resolvida, diga-se de passagem -, “Electricity” diminui ao ser comparada com o resto do disco. É uma cartão de visitas mal escolhido.
Head Music começa pra valer com “Savoir-Faire”, lenta e sinuosa, que vai crescendo aos poucos, contando a história de uma menina que tem lá seus defeitos (é burra como um rato, usa drogas), mas tem savoir-faire, tato, habilidade, jeito pras coisas. E tanto essa queda em relação à vida, essa forma noturna e hedonista de atravessá-la, quanto o groove irresistível que permeia a canção, uma espécie de soul/funk britânico são as duas maiores qualidades do disco.
“Can’t Get Enough” é o que “Electricity” deveria ser. Vibrante, pesada e despojada, ela nos pega pelo pescoço e sua mistura de rock clássico com o suíngue ditado pelo baixo e pela guitarra é um dos grandes momentos do álbum. Nela, Brett tenta explicar a opção pela androginia, como se pedisse desculpa pela afetação exagerada (e errada) dos primeiros álbuns. Não é androginia visual, ele corrige, é aproveitar o que os dois gêneros têm de melhor, é curtir a vida sem pensar se você é homem ou mulher. “Me sinto real quando ando como uma mulher e falo como um homem das cavernas”, ele dá de cara, sem rodeios. E explica que sua atração é pela atração ( “Me sinto real como um homem gosta de uma mulher, como uma mulher gosta de um homem”, num verso perfeito, em inglês – “like a man like a woman, like a woman like a man”) e que ele precisa dela, porque, como berra no refrão “cantar não é suficiente”.
Mesmo a baladaça “Everything Will Flow”, melancólica e épica, e a bela, tímida e dramática “Down” não deixam o groove parar. Mesmo tirando o protagonista das canções das festas e colocando-o debruçado na janela, observando a cidade à noite, as duas mantém o ritmo do disco. Em “Down” é possível sentir o dedo do produtor Steve Osbourne (que trabalhou com o Happy Mondays), que casa eletrônica com cordas sem cair na pieguice. Steve entrou no lugar do velho produtor Ed Buller, que trabalhou com a banda nos três primeiros discos, porque o grupo procurava novas sonoridades. Ambas músicas falam de como a cidade oprime as pessoas (a primeira reza que “tudo passa” sem muita esperança, a segunda ouve todos dizerem como ele está mal) e que a única forma de curtir à vida é entregar-se aos seus prazeres. “Down” nos consola ao dizer que a vida é só uma canção de ninar, à espera do sono, então vamos nos deixar levar por ela e pensar nos sonhos que queremos ter quando dormirmos.
Depois das baladas, três pérolas. A belíssima “She’s in Fashion”, com cordas derretidas de fazer Marvin Gaye ficar com inveja, vem cambaleando e dançando ao mesmo tempo, enquanto Brett investe mais uma de suas cantadas em forma de música. A insinuante “Asbestos” com sua guitarra seca e bluesy e um insistente Moog ao fundo é um convite à dança do acasalamento, um hino à descoberto do sexo à flor da puberdade. “Head Music” é feita para dançar apenas com os ombros, o tipo de dança que só se dança quando se está muito próximo da outra pessoa.
“Elephant Man”, a primeira composição não-Brett (é de Neil) da nova fase da banda, é uma tola tentativa de casar glam rock com a psicodelia de Syd Barrett solo, mais ingênua do que ruim. “Hi-Fi” desacelera o disco num groove biônico que passa a filtrar as últimas faixas. E tanto “Indian Strings” quanto “He’s Gone” eliminam completamente o suíngue glam do disco – esta última, uma bela balada tradicional. “Crack in the Union Jack” fecha o disco de forma abrupta, numa balada pseudo-política ao violão (com seu refrão de roda de bicho-grilo, “há uma racha enorme na bandeira britânica” – a Union Jack).
Mas se as últimas faixas baixam a bola de Head Music, entre “Savoir-Faire” e a faixa-título, o Suede manda e desmanda. Sete músicas que valem o preço do disco e consagra o grupo entre os grandes nomes ingleses desta década. Como compositor e vocalista, Brett Anderson se equilibra com estilo entre o excesso de sarcasmo de Jarvis Cocker, do Pulp, e as colagens visuais de Thom Yorke, do Radiohead. E como banda de rock, o Suede não apenas convence como bate no peito pra mostrar quem é quem nessa brincadeira.