Entre fronteiras


(Foto: Julia Milward/Divulgação)

“Esse disco é a impossibilidade de dar uma resposta em palavras”, me explica a produtora e multiartista Sue, falando sobre seu segundo álbum, que chega às plataformas digitais nesta quinta-feira, mas que ela antecipa em primeira mão para o Trabalho Sujo. O disco sucede seu disco de estreia, Soundtracks for Photographs, lançado em 2019, pouco antes da pandemia, em que ela usava a desculpa de compor, como o título entrega, trilhas sonoras para fotografias, como uma forma de mostrar como vinha sendo sua adaptação ao Brasil, uma vez que nasceu na França e mora aqui desde 2013. O período pandêmico acelerou o fim de sua banda anterior, o grupo de trip hop Ozu, e logo ela viu-se imersa em novas produções instrumentais que começavam a ditar o rumo de seu novo trabalho solo, que finalmente vem à tona. O disco é batizado de Quando Vc Volta?, pergunta que ela cansou de ouvir de seus conterrâneos sobre sua estada em nosso país. O resultado é um hipnótico conjunto de transes instrumentais que passeia tanto pelo trip hop quanto pelo hip hop instrumental quanto por variações ambient, num disco ao mesmo tempo experimental e reconfortante, que conta com participações de Desirée Marantes, com quem dividiu a instigante temporada Mil Fitas, no Centro da Terra em junho do ano passado, e Dharma Jhaz em faixas com títulos em diversos idiomas: de sua língua-pátria (“Je Fais Ce Que Je Peux”) a títulos em inglês (“Morning Tears”, “Pulse” e “First Steps”), português (“Colo”, “Araucária”, “Vida Morte Vide”, “Gigantesca”, “Complemento”) e palavras no meio do caminho (como “Anton” e “Alias”). Quando perguntei para ela sobre o porquê de um disco que discorre sobre essa impermanência territorial não ter texto, ela responde sucinta: “Diante da falha das palavras, seja em francês ou em português, quem fala é o som.”

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Uma viagem para dentro

A produtora e musicista Lorena Hollander conduziu o público que foi ao Centro da Terra nesta terça-feira em uma jornada interior. Apesar de apontar para o satélite natural do planeta ao batizar o espetáculo de seu projeto Ushan como Ao Redor da Lua, ela mergulhou em uma jornada interior dividida em três partes. Na primeira delas, entre apitos e um kotô, ela foi acompanhada pelo baixo de Samuel Bueno e pela bateria de Martin Simon e apresentou a paisagem sideral no cenário ao mesmo tempo em que conduzia o público para uma introspecção lisérgica que misturava baixo e bateria de rock psicodélico a beats, distorções digitais e mantras vocais ao timbre peculiar do instrumento asiático. Depois entrou numa viagem de improviso ao lado da convidada da noite, Sue, que trouxe sua guitarra e seus processadores sonoros para duelar com o kotô e os processadores de Lorena, em um improviso intenso. A terceira e última parte trouxe Samuel e Martin de volta ao palco, quando a líder da noite nos conduziu pelo momento mais expansivo e intenso da noite, entre efeitos e uma cimitarra na cabeça. De deixar todos perplexos.

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Transe infinito

Partes iguais de jazz funk e rock psicodélico diluídas em brumas de dreampop com pitadas de música erudita, beats eletrônicos, indie rock e noise e o resultado foi um pós-rock tão doce quanto intempestivo, uma apresentação ao vivo ao mesmo tempo improvisada e familiar, que convertia a estranheza do que era inventado instantaneamente numa sensação de sonho, tirando nossa noção de tempo enquanto nos mergulhavam no transe infinito. Assim foi a última noite da temporada Mil Fitas que Sue e Desirée Marantes fizeram no Centro da Terra nesta segunda-feira, quando reuniram o trio instrumental Ema Stoned, a produtora e musicista gaúcha Saskia e o guitarrista goiano Dinho Almeida. Estas almas se convertiam em música ao trocar de instrumentos para explorar novas fronteiras e assim Desirée revezava-se entre o violino, teclados e o piano, também explorado pela guitarrista do Ema Stoned Al Duarte e pela gaúcha Saskia, que também aventurou-se pelos vocais e com o baixo, enquanto a baterista Theo Charbel assumiu os vocais em certa passagem, enquanto a baixista de sua banda, Elke Lamers, experimentava nos teclados e synths enquanto Dinho cantava e tocava guitarra, como Sue, que também disparava beats e samples de vozes faladas. Foi a primeira vez que os seis tocaram juntos e parecia que se conheciam há anos de palco. Uma apresentação mágica, pronta para circular pelos palcos do Brasil – e que fechou lindamente a safra de shows conduzida pelas duas produtoras.

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Ordem e caos

Especial esta terceira apresentação da temporada Mil Fitas que Sue e Desirée Marantes estão fazendo no Centro da Terra, pois foi quando elas puderam materializar uma das mais intensas versões da Mudas de Marte Improvise Orquestra, projeto de Sue que, como o nome entrega, abraça a regência de músicos tocando livremente. A técnica de condução do improviso livre é uma bandeira artística levantada pelo maestro e músico Guilherme Peluci, que criou a Ad Hoc Orquestra, que esteve na formação montada pelas duas e regeu uma das três partes da noite, além de explicar o conceito para o público. Além de Peluci, que foi para o clarone quando deixou a batuta de lado, o time reunido por Sue e Desi contava com a voz e a percussão de Paola Ribeiro, o saxofone de Sarine, os beats de Ricardo Pereira, o violino Gylez, a percussão de Melifona, a guitarra de Luiz Galvão, o trompete de Rômulo Alexis, a bateria de Rafael Cab e o contrabaixo acústico de Vanessa Ferreira (além do violino de Desirée e da guitarra de Sue, anfitriãs da noite). Além de Peluci, Alexis e Sue também puderam reger outros dois atos, cada um deles conduzindo a massa sonora para um lugar que, apesar de nascido no improviso livre, está muito mais próximo ao que nosso inconsciente classifica por música, mesmo que num processo individual nascido coletivamente e conduzido por uma única pessoa. Esse equilíbrio entre ordem e caos transforma o que poderia tornar-se apenas em uma maçaroca sonora, numa onda fluida de melodias, ritmos e harmonias espontâneas, num espetáculo mágico e envolvente. Na lateral do palco, Kiko Dinucci também esteve presente mas não fez música, desenhando os músicos enquanto a apresentação se desenvolvia e tendo suas ilustrações projetadas no fundo da apresentação. “Na próxima eu toco!”, ele desabafou no final. Uma noite única.

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Só um semitom

Na segunda noite da temporada Mil Fitas que Sue e Desirée Amarantes estão fazendo às segundas-feiras no Centro da Terra, a violinista e produtora Desi tomou conta do palco ao recriar no Centro da Terra o clima de sua garagem estúdio, onde toca com o casal vizinho Carabobina – Raphael Vaz nos synths e vocais e Alejandra Luciani nos synths, efeitos e guitarra-, convidando a violoncelista Fer Koppe para uma hora de imersão em camadas de dream pop com sensações camerísticas. E no espírito de experimentação da temporada, Desi não só tem matado saudade dos palcos com suas próprias músicas, de onde estava distante há tempos, quanto arriscou-se a cantar, puxando um transe a partir de um metamantra: “Parece o Thom Yorke, mas é só um semitom”, cantou repetidas vezes ao piano antes de entrar na parte final da apresentação deste início de semana. A contribuição de Sue desta vez não foi musical e a produtora projetou imagens sobre os quatro músicos no palco, amarrando ainda mais o clima psicodélico e onírico da apresentação.

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Envoltos por uma sensação

Bem bonita a primeira apresentação que Desirée Marantes e Sue fizeram na abertura de sua temporada no Centro da Terra. As duas tocaram temas de suas respectivas autorias revezando-se entre os instrumentos que dominam – Desi disparando efeitos, tocando violino, synths eletrônicos e piano; Sue entre os beats e a guitarra elétrica – e abrindo espaço para as intervenções de suas convidadas de hoje: Dharma Jhaz trocando diferentes instrumentos de sopro (flautas e sax), além de rimar, e Carol Costa com suas texturas visuais projetadas enquanto elas construíam, sempre juntas, paisagens musicais que nos envolviam em uma sensação, ao mesmo tempo acolhedora e incômoda (com as estátuas de gesso que espalharam pelo teatro), com temas se entrelaçando quase sempre em longas incursões instrumentais.

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Sue + Desirée Marantes: Mil Fitas

Que beleza poder juntar dois talentos que acompanho há um tempo para desenvolver uma temporada autoral conjunta. As produtoras e multiinstrumentistas Sue e Desirée Marantes começam sua temporada Mil Fitas nesta segunda-feira no Centro da Terra, sempre reunindo artistas para criar paisagens sonoras a partir de diferentes abordagens. Nesta primeira segunda, dia 5, as duas mostram suas composições solo ao lado das também multiartistas Dharma Jhaz e Carol Costa. Na próxima, dia 12, elas recriam a garagem da Desirée, que também é um estúdio, com as participações dos vizinhos Carabobina (o casal Alejandra Luciani e Rafael Vaz) e de Fer Koppe, quando Sue assume as projeções da noite. Na terceira segunda mês, elas reúnem a Mudas de Marte Improvise Orquestra trabalhando o conceito de improviso conduzido com uma galera da pesada Ricardo Pereira, Romulo Alexis, Bernardo Pacheco, Natasha Xavier, Guilherme Peluci, Kiko Dinucci, Paola Ribeiro, Sarine, Gylez, entre outros a confirmar. A temporada termina dia 26, quando as duas tocam ao lado da banda Ema Stoned, da produtora e musicista Saskia e o do guitarrista dos Boogarins Dinho Almeida. As apresentações começam pontualmente às 20h e os ingressos podem ser comprados por este link.

Centro da Terra: Junho de 2023

Estamos entrando na terceira parte do mês de maio, então é hora de anunciar as atrações do mês de junho no Centro da Terra. A temporada das segundas-feiras fica na mão de duas produtoras, compositoras e multiinstrumentistas que cogitei reunir pensando nos pontos em comuns de seus trabalhos e Sue e Desirée Marantes me apresentaram uma proposta incrível chamada Mil Fitas, em que reúnem-se com diferentes artistas para criar paisagens sonoras em camadas. Na primeira segunda, dia 5, elas recebem as artistas Dharma Jhaz e Carol Costa. No dia 12, é a vez de tocarem ao lado do duo Carabobina (composto por Alejandra Luciani e Rafael Vaz) e de Fer Koppe. Na outra segunda, elas reúnem uma cabeçada: Kiko Dinucci, Ricardo Pereira, Romulo Alexis, Guilherme Peluci, Paola Ribeiro, Sarine, Gylez, Bernardo Pacheco, Natasha Xavier e outros nomes a confirmar, encerrando a temporada dia 26, quando reúnem a banda Ema Stoned, a produtora Saskia e o boogarinho Dinho Almeida. As terças de junho começam com uma minitemporada, Notas e Sílabas, em que o trio instrumental Atønito se aventura pelo mundo das palavras, com um novo convidado a cada apresentação – no dia 6 eles recebem o guitarrista Lucio Maia e no dia 13 a cantora e compositora Luiza Lian. As outras terças trazem dois shows solos de dois artistas distintos iniciando novas fases em suas carreiras: no dia dia 20 a cantora e instrumentista paulista Tika apresenta Marca de Nascença, quando toca ao lado de uma banda composta só por mulheres e antecipa seu próximo trabalho, enquanto no dia 27 o paulistano Bruno Bruni começa a encerrar sua trilogia de jazz funk Broovin’ apresentando as faixas do próximo disco em primeira mão no palco do Centro da Terra. Como junho é o mês do festival In Edit, nossa parceria traz o documentário Manguebit, dirigido por Jura Capela no ano passado, ma primeira quarta-feira do mês, dia 7, antes da programação oficial do evento, que terá atividades no Centro da Terra, anunciadas em breve. Os espetáculos começam sempre às 20h e os ingressos podem ser comprados antecipadamente neste link.

Uma viagem ambient delicada

Linda a apresentação que a produtora Sue fez no Centro da Terra ao lado de Eddu Ferrira e Paula Rebellato em mais um capítulo da temporada Choque Térmico. Projetando suas fotos e vídeos em cima dos músicos, ela nos convidou a uma viagem ambient delicada e com uma tensão milimétrica, abrindo espaço para improvisos e solos sutis e beats precisos.

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Choque Térmico

O calor humano e a frieza das máquinas são criações culturais. Claro que a mudança de temperatura nestes dois corpos distintos podem por fim em suas atividades nativas, mas a frieza orgânica e o calor mecânico ou digital também são realidades possíveis e não significam que um meio deixa de existir a partir desta mudança de temperatura. Durante as segundas-feiras de julho reunimos artistas que transpõem estas duas linguagens em quatro apresentações distintas. A primeira delas acontece excepcionalmente numa terça-feira, quando o Taxidermia dos baianos Jadsa faz e João Millet Meirelles conta com a presença do músico Pedro Bienemann. As segundas seguintes recebem formações distintas. No dia 11 Bernardo Pacheco abre mais um capítulo de seu projeto de improviso livre Formação, quando realiza o Reforma #4 ao lado de nomes tão distintos quanto Juçara Marçal, Rayani Sinara, Yusef Saif e Mau Schramm. Na segunda seguinte, dia 18, é a vez da instrumentista Sue mostrar suas composições com dois convidados distintos, Eddu Ferreira e Paula Rebellato. E na última segunda-feira, Theo Charbel mostra suas canções misturando as diferentes linguagens ao lado dos músicos Guilherme D’Almeida e Vinícius Rodrigues. Os espetáculos no Centro da Terra começam sempre pontualmente às às 20h e quem quiser comprar os ingressos antes, é só acessar este link.