Steve Jobs (1955-2011)
Assim que soube da morte de Jobs, propus o texto abaixo, que saiu no especial sobre a morte do pai da Apple publicada no caderno de Economia de hoje do Estadão, que ainda traz análises do Cruz e do Filipe (que agora também tem blog, mas disso eu falo melhor depois).
Morte de Jobs marca o início do século digital
Eu tive a sorte de ver Steve Jobs em ação, quando ele apresentou o Macbook Air. O laptop finíssimo foi lançado um ano depois de a foto de Steve Jobs ser publicada apenas por cadernos de tecnologia. Agora ela frequentava também as capas dos jornais e revistas, ele sempre mostrando seu irresistível iPhone.
No início de 2008, todos os olhos do mundo estavam voltados para o Moscone Center, o centro de convenções transformado em circo da Apple durante a feira Macworld, realizada sempre em janeiro, na cidade de São Francisco.
O clima na plateia era de culto. Mesmo antes da entrada de Jobs no palco-altar, o burburinho e a expectativa apenas em relação à presença do criador da Apple já era motivo de excitação.
Fãs da empresa se cumprimentavam e comemoravam poder assistir, pela primeira vez, a uma performance de Jobs. A adrenalina quase tátil dos presentes ficava entre a aparição em público de uma boy band e a espera antes de um show de rock.
Mas ninguém estava ali para cantar junto. Todos esperavam o inesperado. Ouvir as hipérboles e adjetivos do sujeito que popularizou o computador pessoal, a computação gráfica, o MP3 player, o comércio de música digital e o smartphone.
E era impressionante ver como Jobs conduzia essa expectativa. Cada pausa, cada frase de efeito e número destacado parecia ao mesmo tempo ensaiado e natural. Jobs já estava magro, mas não estava abatido como nos últimos anos. E isso não tirava seu entusiasmo. Ele realmente parecia acreditar em cada novo slide apresentado em seu show particular, transformando uma reunião pública de negócios num evento de mídia. Ele havia nascido para o holofote. E nisso concordam tanto seus fãs quanto detratores.
Pode-se ir contra a lógica fechada e protecionista da Apple, uma empresa que, por exemplo, censura obras que vende. Pode-se reclamar da ideologia vazia que é o culto a uma marca. Mas é impossível reconhecer seu talento como showman e como ele sabia que conteúdo e forma eram tão importantes.
Um CEO popstar. É o sonho de toda empresa. O CEO que consegue transformar seus produtos em símbolos de status e sua estratégia de marketing em um estilo de vida autoajuda.
Nesse sentido, Jobs é o último grande nome do século 20, centenário marcado pela ascensão de líderes carismáticos que saíram do nada e mudaram gerações inteiras. Mantenho o que disse no texto que escrevi para a capa do Link quando Steve Jobs deixou o cargo na empresa que criou, no final do último mês de agosto. Na ocasião, eu definia Jobs como o irmão caçula e temporão de um cânone que une Henry Ford, Alexander Graham Bell, Levi Strauss, Thomas Edison e Bill Gates. E, ao morrer, ele nos deixa num mundo que passou sua vida inteira imaginando: o mundo digital.
Às 10h da noite desta quarta-feira, nove dos dez trending topics do Twitter no mundo faziam referência à morte de Steve Jobs. No Brasil, sete dos dez trending topics faziam referência a ele.
Os tweets de Barack Obama e de Bill Gates já haviam sido intensamente retwittados. O mesmo acontecia com as condolências de Mark Zuckerberg, dadas através de sua própria rede social, o Facebook. Páginas e mais páginas contendo retrospectivas, biografias, links para galerias de fotos e vídeos no YouTube.
É um tanto irônico que o último grande líder do século 20 tenha morrido poucos dias após deixar o cargo principal de uma corporação que hoje é a segunda mais valiosa do mundo.
Com sua morte, finalmente entramos num século de vez num mundo completamente diferente – horizontal, sem líderes, sem rosto. Em que as pessoas descobrem ou destroem reputações aos bandos, que governos são derrubados após manifestações coletivas planejadas via rede. Com a morte de Jobs, entramos finalmente no século digital.
Tags: apple, quem morreu 2011, steve jobs