No final dos anos 90, os Beastie Boys resolveram tirar uma onda com os Beatles, que encerravam seu Anthology, projeto que consolidou a reputação da banda de Liverpool no final do século passado, e eles mesmos lançaram sua coletânea dupla, batizando-a com o mesmo nome. Beastie Boys Anthology: The Sounds of Science vasculhava a discografia da banda até 1999, cobrindo seus cinco primeiros discos, remixes, sobras de estúdio, lados B e os quinze primeiros anos da banda. Ninguém tinha como saber que eles já haviam passado a metade de suas carreiras e que não teriam mais outros quinze anos pela frente, uma vez que o integrante que botou pilha nos outros dois para que eles se tornassem uma banda, Adam Yauch, partiria para o outro plano em 2012.
Oito anos após a morte de Yauch, os dois beastie boys remanescentes – Adam Horovitz e Michael Diamond – se juntam ao amigo e diretor Spike Jonze para finalmente ter seu Anthology propriamente dito. Beastie Boys Story, que estreou nesta sexta-feira no streaming da Apple, é a versão oficial da história do grupo e um tributo a um amigo que por toda a história da banda, também era um mentor. O documentário devia ter estreado na edição deste ano do SXSW e poderia ir para os cinemas, mas como o coronavírus mudou a cara de 2020, o lançamento ficou apenas no formato digital e, por enquanto, exclusivo para a plataforma da Apple, produtora do documentário, o que restringe bastante seu alcance.
O formato “documentário ao vivo”, que podia transgredir parâmetros cinematográficos uma vez que foi proposto por um diretor com esta afinidade, é apenas o registro dos melhores momentos das três apresentações que Ad-Rock e Mike D fizeram entre 8 e 10 de abril do ano passado no Kings Theatre, no Brooklyn, em Nova York. E o filme da história dos Beastie Boys contada por eles mesmos, talvez a parte final de um processo que começou com o livro de mesmo nome que foi lançado em 2018 e seguiu nas citadas apresentações ao vivo de 2019, não é o documentário definitivo sobre a história da banda – e sim a versão que os dois integrantes querem passar de sua saga para o público, além de ter altas doses de auto-ajuda, ao mesmo tempo em que Adam e Mike explicam como se tornaram gigantescos, quebraram a cara e amadureceram neste processo.
A química entre os dois beasties sobreviventes é impecável. O filme de quase duas horas é uma longa apresentação dos dois em formato stand-up, contando suas próprias histórias ao mesmo tempo em que vão ilustrando-a com fotos e vídeos disparados por Spike Jonze. A forma como um passam o microfone para o outro e seu inevitável domínio sobre a plateia nos faz esperar por um momento musical a qualquer instante, como se eles pudessem começar a rimar em cima de alguma base instrumental de surpresa, mas isso nunca acontece. Em vez disso, os dois trocam olhares cúmplices, piadas internas e tiram sarro um do outro como os conhecemos há décadas. Mas nunca voltam a ser uma dupla de MCs – são apenas amigos lembrando de histórias.
Os registros do passado, claro, são deslumbrantes. Especialmente os primeiros anos da banda, quando ainda tocavam hardcore com quinze anos de idade, apresentando-se em programas de TV local e falando de suas raízes punk. Eram literalmente moleques e a simples visão daquelas tenras imagens da inocência de uma juventude que mal sabia o que era ter uma banda de rock já valem o documentário, bem como sua brusca transformação em um trio de rap no momento em que o gênero começava a ensaiar voos mais altos.
Mas, principalmente, Beastie Boys Story é uma carta de amor a MCA. A imagem de Adam Yauch paira por toda a extensão do filme mais do que a lembrança de um saudoso amigo, mas como se ele mesmo fosse a encarnação do espírito beastie boy. São os momentos mais tocantes e introspectivos do documentário e talvez seja o ponto de desequilíbrio que não o torne perfeito. É como se o Anthology dos Beatles fosse feito para engrandecer a figura de John Lennon. Por mais que, como Lennon nos Beatles, Yauch fosse o ponto de parte e a força-motriz na parte de criação do grupo, ele não era mais importante que os outros dois. Como nos Beatles, não havia um melhor – quando muito, há um preferido. A magia vem do equilíbrio de seus integrantes – e para celebrar o amigo, Ad-Rock e Mike D dão passos para trás, deixando de falar de sua própria importância. A banda não acabou porque seu fundador morreu – caso qualquer um deles tivesse morrido antes, é impossível imaginar que Yauch quisesse seguir o grupo com o outro sobrevivendo.
Os Beastie Boys eram três, o número mágico, e ao enxugar sua importância em si mesmos – a autonomia que conseguiram a partir dos anos 90, depois que se recuperaram do tombo comercial que foi o lançamento do Paul’s Boutique, em 1989 – mudaram a história de seu tempo. Como as principais memórias oficiais de quaisquer artistas, o documentário Beastie Boys Story peca por não ter um olhar externo que se aprofunde na influência e importância do grupo, inclusive para além do rap, e prefere um olhar cândido e tenro sobre o passado e um respeito profundo pelo amigo morto. É uma história pessoal: feridas são expostas e mea culpas são feitos, o que deixa o ar sentimental ainda mais carregado. E mesmo que traga lágrimas aos olhos em vários momentos, é um documento divertido e nostálgico, trazendo surpresas e gargalhadas que temperam o tom emotivo com o melhor gosto que lembramos do grupo. Uma viagem!
Mais um trailer para Beastie Boys Story, o “documentário ao vivo”, que Spike Jonze irá lançar sobre os Beastie Boys que meio que revela o formato ao trazer os dois beastie boys remanescentes – Ad-Rock e Mike D – para lembrar suas histórias num teatro com um telão enorme que vai contando a história da banda. O filme também mostra como o falecido MCA era uma das forças-motrizes do trio, o que torna o trailer ainda mais emocionante – é de chorar.
O filme seria lançado agora em março no SXSW, que foi cancelado devido à epidemia do coronavírus, e deve chegar a algumas salas de cinema por lá no início do mês para chegar ao serviço de streaming da Apple menos de um mês depois.
Os últimos anos foram puxados para os dois Beastie Boys sobreviventes. Depois de lançar sua autobiografia em 2018 e transformá-la em um espetáculo dirigido por Spike Jonze, Mike D e Ad-Rock levam sua Beastie Boys Story para um outro nível e anunciam o lançamento da versão em vídeo de sua história. O “documentário ao vivo”, seja lá o que isso signifique, que será exibido primeiro no SXSW, em março, para depois ir para os cinemas (por enquanto apenas nos EUA) e no serviço de streaming da Apple no final de abril. Sente o trailer:
Spike Jonze, que trabalhou com o trio desde o memorável clipe de “Sabotage”, também anunciou há pouco que iria lançar um livro de fotos que fez com o grupo quando trabalharam juntos. O livro já está em pré-venda e tem essa capa maravilhosa abaixo:
Eis a íntegra do papo que tive com a Joyce na penúltima sessão da primeira temporada do Cine Doppelgänger, quando discutimos Autoria em Xeque a partir dos filmes 8 e 1/2 do Fellini e Adaptação do Spike Jonze.
Lembrando que já estamos em plena segunda temporada da sessão de cinema na Casa Guilherme de Almeida e com um novo formato (sem a exibição dos filmes na íntegra e com mais debates): a próxima acontece no dia 23 de fevereiro e o tema é O Comum Bizarro, reunindo os filmes Faster, Pussycat! Kill! Kill! (1965), de Russ Meyer, e Pink Flamingos (1972), de John Waters. As inscrições podem ser feitas no site da Casa Guilherme e há mais informações aqui.
Neste sábado temos a quinta sessão do Cine Doppelgänger, que faço junto com a Joyce Pais do Cinemascope, na Casa Guilherme de Almeida: uma sessão dupla de cinema de graça seguida de um debate sobre os pontos em comum entre os dois filmes. Desta vez reunimos os filmes 8 ½ (1963), de Fellini, e Adaptação (2002), de Spike Jonze, que lidam com o tema da autoria em xeque. O primeiro filme, 8 ½, começa às 11h em ponto e o segundo, Adaptação, às 14h, para que o debate comece perto das 16h30. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas no site da Casa Guilherme (e tem mais informações sobre a sessão aqui). Vamos lá?
Vamos conversar sobre cinema? Finalmente materializo um velho projeto que venho acalentando há anos com a minha querida amiga Joyce Pais, do site Cinemascope, e juntos temos o prazer de apresentar a sessão de debates sobre cinema Cine Doppelgänger, que acontece mensalmente entre julho e dezembro, todo terceiro sábado do mês, na Sala Cinematographos, que fica no Museu Casa Guilherme de Almeida (Rua Cardoso de Almeida, 1943 – Sumaré, São Paulo). A ideia é exibir sempre dois filmes – um escolhido por mim e outro pela Joy – e, no final da exibição, conversar sobre a relação entre os dois. A estreia do Cine Doppelgänger acontece neste sábado com a sessão Los Angeles, Cidade Permitida em que exibimos O Grande Lebowski (às 11h), dos irmãos Coen, e Cidade dos Sonhos (às 14h), de David Lynch, para depois conversar sobre pontos em comum e divergentes sobre a temática dos dois filmes. A inscrição é gratuita, basta entra no site da Casa Guilherme de Almeida.
Segue abaixo a programação completa do Cine Doppelgänger até o final do ano:
Dia 21 de julho: Los Angeles, Cidade Permitida
Os irmãos Coen e David Lynch comentam sobre o mundo de ilusões criado a partir de Hollywood em dois novos clássicos da virada do milênio. Enquanto Cidade dos sonhos mergulha na dicotomia entre a dura realidade e a sétima arte, borrando os limites entre estes dois universos, O grande Lebowski escancara a fábrica de mentiras do mundo do entretenimento da costa oeste norte-americana.
18 de agosto: A Paranoia por Dentro
O último filme de Stanley Kubrick e a obra-prima de Sidney Lumet vão às entranhas das sociedades secretas e dos sistemas de poder para mostrar sua abrangência e escopo, contrapondo-se à pequenez da individualidade humana.
15 de setembro: O Diabo Mora ao Lado
Dois filmes de terror que lidam com o aspecto corriqueiro da maldade, as obras de Polanski e Peele refletem a época de suas produções, levantando questionamentos sobre feminismo e racismo, além de aprofundarem-se no estudo da vileza humana.
20 de outubro: Realidade de Mentira
Em dois documentários falsos, Woody Allen e Orson Welles escancaram a fábrica de ficções que é a sétima arte em duas obras seminais, que já lidavam com os conceitos de pós-verdade e fake news muito antes do século 21.
17 de novembro: Autoria em Xeque
Dois cineastas confrontados por suas obras começam a colocar em questão suas próprias existências como autores. O mitológico 8 e 1/2 de Fellini e o complexo Adaptação de Spike Jonze contrapõem duas crises criativas inversas – a primeira, as motivações por trás do início da criação artística; a segunda, o dilema autoral de trazer uma obra alheia para seu próprio reino criativo.
15 de dezembro: Brasil aos Pedaços
Dois filmes nacionais contemporâneos jogam luzes sinistras sobre este país dividido que nos acostumamos a se referir como um só. Enquanto o primeiro longa de ficção de Kleber Mendonça Filho, O Som ao Redor, espatifa a noção de normalidade ao revelar a rotina complexa e movida pela culpa de um bairro rico no Recife, o primeiro longa da dupla Juliana Rojas e Marco Dutra, Trabalhar Cansa, entra em um microcosmo profissional para se aprofundar nas entranhas de um Brasil farsesco – de modo apavorante.
O impressionante novo disco do Arcade Fire melhora a cada audição (em especial seu segundo disco), mas além da obra estritamente musical, Reflektor vem ganhando uma camada de superinterpretação graças a vídeos que apareceram online pouco após seu lançamento. Veja abaixo e desfrute como uma obra pode se desdobrar em formatos tão diferentes:
Her, o novo filme de Spike Jonze, nos propõe um dilema contemporâneo – nossas relações com máquina programadas para nos agradar.
Uma certa livraria parisiense, o amor pelos livros, stop-motion e uma paixão arrebatadora nesse delicioso curta mórbido que Spike Jonze fez em 2011.
Vi na Carol, que também viu há pouco tempo.
A introdução do Fully Flared, vídeo da Lakai dirigido pelo Spike Jonze junto com o Ty Evans e o Cory Weincheque em 2007, com trilha do M83…
…e como ela foi feita.