Sou Eu
Tem duas materinhas minhas nessa edição da Simples que acabou de chegar na banca, mas vou começar postando a coluna de música, que também leva minha signatura. As outras eu posto depois:
Especialização já foi gueto. A pessoa que se enfurnava em um determinado gênero musical tendia a se fechar em certas referências que lhe aproximavam de outros iguais ao mesmo em que se isolava de todas as outras pessoas. Podia ser bancário de dia é gótico de noite, office-boy no expediente e punk fora dele, redator de publicidade que nas horas vagas faz vídeo. Eram os hoje redivivos anos 80. Eram as tribos.
A década seguinte assistiu à queda dos muros que separavam estes grupos. Em algum momento do início dos 90, diferentes híbridos musicais surgiram após a aproximação de gêneros e, por conseqüência, tribos. Punk pop, hippie hop, forrócore, folk rap, funk metal, MPB indie, axé music – a Nova Ordem Mundial, pós-Muro de Berlim, americanizava tudo e ao mesmo tempo linkava tudo a todos. Tribos se fundindo, mistos musicais: assim podemos resumir a história dos anos 90.
Crucial para esta dissolução em massa foi a apropriação da internet pelos consumidores de música, que puxaram e continuam puxando as principais fronteiras da melhor metáfora para a vida offline (que é a vida online). Em rede, começamos a nos expor e nos fuçar, o que tem gerado frutos e filtros úteis para a vida em carne e osso. O processo é lento, mas a imagem está se assumindo como farsa ao mesmo tempo em que a estética sonora ganha o corpo do que antes estava preso ao conteúdo desta. Fazer-se soar é mais eficaz e mais fácil do que fazer-se ver, e a cada novo DJ surgido em festas de aniversário dos amigos, mais uma célula percebe que o que chamamos de realidade é apenas um remix das referências mais frequentes em nosso dia-a-dia.
Hoje, todo mundo é uma tribo. A individualidade egoísta cede aos poucos ao deslumbre egocêntrico que, com o tempo, descambará no hedonismo ególatra. A diferença pode ser risível para a maioria, mas quem vive este processo percebe os ganhos desde sua própria reconstrução de sua realidade. “Sou eu” é um processo de afirmação e poder, que, ainda que autocelebratório e de aparente efemeridade, retoma a evolução da raça humana após pouco mais de um século de estagnação criativa sob os grilhões de uma indústria cultural. Sabemos como a indústria funciona e ela disfarça (mal) sua própria falência. A chave agora é outra e você sabe qual é.
Depois eu falo mais disso.