Não gostei de Cavalo. Ouvi a primeira vez com cuidado, a segunda com descrença e na terceira larguei no meio. Tem boas letras (nada excepcional) e bons momentos (três, sendo que “Maná” destoa muito do resto do disco, e pro bem), mas como disco, ele é morno, frouxo, preguiçoso, frágil. Mas vai que é o disco? Vai que funciona ao vivo? E foi com vários desses “vai que” coçando atrás da orelha que encarei o show de Amarante na quinta-feira da semana passada no Sesc Pompéia.
Quase dormi. De tédio. O show é sonolento e esparso – é o disco encarnado no palco. Não é por falta de talento: Amarante é bom músico, compõe bem, tem presença de palco e está com uma boa banda (metade do Do Amor – Gabriel Bubu e Gustavo Benjão -, um hermano, Rodrigo Barba, na bateria e o Lucas Vasconcellos no teclado), mas há uma timidez forçada, uma vontade de não aparecer, que é oposta às suas qualidades. Tanto que o show só foi engrenar lá pelo final, quando emendou uma versão para um clássico de Tom Zé (“Augusta, Angélica, Consolação”, que teve trecho da letra puxado para o século 21 de Steve Jobs, citando iPods e iPads entre as “outras bobagens” de seu extenso refrão) e atingiu a catarse sonora na ótima “Maná” – a primeira música do disco a dar as caras, ainda no semestre passado, e que driblou as expectativas de quem esperava um disco com mais chacundum.
Antes disso, músicas lentas e arrastadas, contemplativas e vazias, convidavam o público – surpreendentemente morno para um show de um ex-Los Hermanos – a entrar em alfa – mas, no meu caso, só me deu sono. A sensação de relaxamento piora quando Amarante deixa o violão, instrumento que já domina, para assumir sozinho os teclados, dando a impressão de que aprendeu a tocar na semana anterior ao show e que estava satisfeito com qualquer balbucio que cantarolasse sobre determinada seqüência de acordes. Há uma espécie de autodeslumbre que nega admitir-se, o que torna plausível as comparações com a fase Londres de Caetano Veloso, embora sem motivo real além do puramente estético. Caetano ao menos tinha saudade de casa…
Cavalo consagra o primeiro disco de um ex-Los Hermanos como fuga de um populismo natural que sempre incomodou a banda. Resolver não tocar “Anna Julia” nos shows, a estética samba-indie do Bloco do Eu Sozinho e radicalizada no indie-MPB do quarto disco do grupo foram passos diferentes desta negação, que pouco aflige seus pares de geração. Sou, o primeiro de Camelo, afirmou-se propositadamente distante, qualidade felizmente esquecida no segundo disco, Toque Dela. Amarante fez um caminho torto: juntou-se a uma trupe de gringos brasilianistas para lançar-se fora da banda dentro de outra, com o ótimo Little Joy. Mas ao aparecer sozinho, repete o nervosismo do primeiro disco de Camelo e refuga logo à saída – é parecido quando ele pede pra quase que tirar a luz do palco, para não aparecer. Atenção Amarante, você é um artista e está no palco, deixe-se iluminar. O disco – e o show, portanto – isola-se demais em si mesmo e perde-se em rascunhos de canções que até poderiam brilhar com menos falsa modéstia.
Entendo, é o primeiro disco solo, há um peso considerável. Mas é preciso assumir a responsa de ser um artista. Se o caso não for esse, melhor voltar a ser aquele cara que, depois de jantares nos apartamentos dos amigos, sempre assume o violão, canta umas versões e outras músicas próprias, que alguns acham fofo e outros acham chato. Estou no segundo time.
Abaixo, alguns vídeos que fiz do show.
O Bixiga 70 lançou seu segundo disco na semana passada no Sesc Pompéia – e pude comparecer à segunda noite (que o tecladista e arranjador Maurício Fleury arriscou dizer que estava melhor do que a primeira). Não há dúvida: a banda é uma das melhores coisas que aconteceram à música instrumental brasileira nesta década e é nítido que já deixaram a primeira fase – em que eram apenas a única banda de afrobeat de São Paulo – para trás. É claro que o caldeirão de grooves temperado pelo Bixiga ainda tem sabor inevitavelmente afro – culpa da percussão e time de metais -, mas agora eles estão rumo aos afluentes do fluxo principal, quando a Mãe África começa a parir a música caribenha, a cúmbia sulamericana, os ritmos jamaicanos, a black music dos EUA e o tapeçaria de referências de nossa música brasileira – há ecos de Tom Jobim, João Donato e Eumir Deodato na mesma medida em que pitadas de carimbó e guitarradas. A proeminência das guitarras chama atenção principalmente quando Maurício deixa os teclados e assume o dueto elétrico com o guitarrista Cris Scabelo, deixando os arpejos highlife conversarem com guitarras caribenhas e dedilhados paraenses. A mobilidade dos metais pelo palco – que ora vêm à frente para solar, ora agem como grupo e cercam determinados integrantes da banda – é contagiante e o público deixa-se levar. O amálgama de gêneros ferve num calor em que até Luiz Gonzaga soa psicodélico sem parecer alheio àquela poção que borbulha no palco. Um show de purificação que funciona como um santo remédio. Veja uns vídeos que fiz aí embaixo:
Mundo Livre S/A e Nação Zumbi subiram juntos durante essa semana para apresentar o disco em que tocam músicas uns dos outros no palco do Sesc Pompéia. Foi a oportunidade que o Radiola Urbana encontrou para inaugurar seu canal no YouTube, fazendo os dois vídeos abaixo no show de terça-feira (a foto acima, da Piky, é do show de quarta). Sugiro que você se inscreva no canal porque semana que vem tem o 73 Rotações e é inevitável que eles subam vídeos relacionados aos shows…
Mundo Livre S/A – “A Praieira”
Nação Zumbi – “Pastilhas Coloridas”
Outro teaser do disco novo, que será lançado no próximo sábado no Rio de Janeiro, com show no Circo Voador, e no fim de semana que vem, no Sesc Pompéia.
Eis as datas de mais um showzaço que vem pro Brasil esse ano – e no palco do Sesc Pompéia, melhor dos mundos!
Os ingressos dos shows em São Paulo começam a ser vendidos pelo final de setembro, lá pelo dia 20. Aviso por aqui na época.
Cassandra Wilson, Roscoe Mitchell, Dr. Lonnie Smith, Ibrahim Maalouf, Sun Rooms, Raul de Souza, João Donato e Eliane Elias, Ivo Perlman, Macy Gray, Richard Bona e David Murray são algumas das atrações que passam pelos palcos da choperia do Sesc Pompéia no mês de agosto, quando acontece a terceira edição do Jazz na Fábrica, o maior festival de jazz da cidade que se consolida aos poucos como uma grande vitrine mundial do gênero. O mês de atividades começou nesta quinta-feira passada, quando o grande McCoy Tyner deu início aos trabalhos, e segue até o primeiro dia do mês seguinte. Bati um papo com o Thiago Freire, sobre o festival e sua importância cada vez mais em alta para o gênero e para a cidade.
O que é o Jazz na Fábrica?
O Jazz na Fábrica é um festival de caráter panorâmico. Foi assim nas duas primeiras edições e assim deve permanecer. Desse modo, ele é calcado na ideia de pluralidade: gêneros, origens culturais e geográficas, formações e timbres. A terceira edição aposta ainda na ideia de “contaminações mútuas” – ao longo do século vinte o jazz se esparramou pelo globo, influenciando a produção musical de diversas regiões e carregando, em contrapartida, influências também diversas. Isso fica evidente na programação de artistas brasileiros, extremamente respeitados no cenário internacional como João Donato e Raul de Souza. Procuramos contemplar gostos diversos, as sonoridades mais tradicionais, as sonoridades mais jovens e os experimentalismos.
São Paulo é carente de jazz?
Pergunta difícil. São Paulo está inserida num circuito bastante interessante e recebe anualmente uma programação artística bastante rica em todas as linguagens. Há ainda uma proliferação de jovens grupos e diversos artistas com carreira longa tocando por aí em bares e casas de espetáculo. Desse ponto de vista, eu diria que não, não temos essa carência.
Contudo, acho importante considerarmos as questões da acessibilidade e das condições técnicas em geral. Se considerarmos que existe sim em São Paulo uma razoável oferta de apresentações jazzísticas e festivais, precisamos nos perguntar se, em geral, elas são acessíveis ao público do ponto de vista dos valores dos ingressos. Muitas vezes não são. No caso das casas voltadas ao público mais jovem, as condições de escuta nem sempre são as mais adequadas por diversos fatores, o que de modo algum compromete o seu importante papel. Mas nem sempre, ouvir a música é o foco da oferta, e mesmo, da procura. Desse ponto de vista, talvez não sejamos carentes de jazz, mais sem dúvida alguma quanto mais iniciativas tivermos, quanto melhores forem as condições propostas ao público e quanto mais claras forem as intenções de apresentar ao público um conteúdo relevante, melhor.
Quais as maiores dificuldades para escalar um evento como esse?
Eu diria que, por um lado, há uma abundância de propostas. Por outro, os nossos limites de natureza diversa – financeira, espaços, duração e prazos. Artistas estrangeiros lidam com o calendário de maneira diferente de nós e temos muito a aprender com isso. Mas sobretudo, o desafio reside no conteúdo: compor um todo bem arranjado, que levante questões com relação ao universo do jazz e que dê conta de passar por essas mesmas questões ao propor uma grade de programação.
Quais são seus maiores orgulhos nesta edição?
A programação foi construída a muitas mãos. A equipe de programação do Sesc Pompeia e os colegas da administração central. Isso garantiu a pluralidade e a articulação do festival e do resultado da curadoria. Por conta disso, o todo me deixa orgulhoso. E aos demais, creio, também.
O que deve surpreender o público?
Considerando “supreender” como “ser pego positivamente pelo desconhecido”, o trompetista Ibrahim Maalouf – ainda pouco conhecido no Brasil e que é um acontecimento na Europa – certamente deve surpreender. Eliane Elias, que toca pouco no Brasil, cantora e pianíssima habílissima, também. Todos os artistas brasileiros do recorte Café com Leite – que reúne mineiros e paulistas – certamente surpreenderão e comprovarão que se temos alguma carência quanto ao jazz, não é de talento!
Depois de dois shows com o pé na música pop, o sonic youth Lee Ranaldo mostrou seu lado artsy ao se apresentar na semana passada no mesmo Sesc Pompéia em que mostrou seu disco solo mais recente, só que atravessando o lado da rua, no Teatro da unidade, e não mais na Choperia. Sozinho no palco do teatro, ele desbravou o terreno da microfonia e do barulho sem as muletas da melodia, do refrão ou de letras. Dedicou sua apresentação ao puro ruído elétrico, transformando sua guitarra em uma antena reverberadora de sons muito mais do que um instrumento musical. Mexendo nos botões dos pedais e de dois amplificadores espalhados pelo palco, ele usava um arco de violoncelo e baquetas para vibrar a eletricidade sonora pelas cordas da guitarra, além de arrastá-la no chão, pendurá-la numa corda no palco e girá-la sobre a própria cabeça. O teatro só tinha uma das metades abertas pois a apresentação – chamada “Sight Unseen” contava com uma apresentação em vídeo, feito pela esposa Leah Singer, projetada num telão atrás de Lee. O filme intercalava cenas de árvores ao vento a cenas de diferentes platéias em situações distintas, colando as imagens com sons de diálogos, ruídos de multidão e palavras repetidas. Na primeira performance, na terça-feira passada, ele ficou sozinho no palco e não sentou em momento algum. No dia seguinte, empunhou seu instrumento como guitarra por poucas vezes, convidou um grupo de percussionistas brasileiros (Maurício Takara entre eles) para tocar aleatoriamente ampliando o próprio caos elétrico, além de passear pelo público. Dois shows distintos e bem diferentes do que ele fez na semana anterior. Em comum, apenas o entusiasmo em conversar com o público ao final e, claro, paredes de microfonia, marca registrada do sujeito. Fiz uns vídeos aí embaixo, olha só:
O fim do Sonic Youth parece ter liberado seus integrantes do ruído e da microfonia – pelo menos foi isso que deu para entender a partir dos primeiros trabalhos que dois de seus fundadores lançaram. Demolished Thoughts, o segundo disco solo de Thurston Moore, lançado em 2011, era quase todo composto ao violão e a produção do Beck enfatizava o lado bucólico e solitário das canções. O de Lee Ranaldo, Between the Times and the Tides, também segundo disco, lançado no ano passado, também tinha maior foco em canções quase sessentistas de tão perfeitinhas. Mas os shows dos dois guitarristas no Brasil mostrou que o que eles gostam mesmo é de barulho. Thurston, em abril do ano passado, trouxe uma banda de apoio que meses depois se tornaria o Chelsea Light Moving, uma banda elétrica o suficiente para não ter nada a ver com o disco que a reuniu. Agora é a vez de Lee Ranaldo, que se apresenta no Brasil em quatro datas – duas no formato rock e a banda The Dust, e duas no formato arte, ao lado da esposa Leah Singer.
Na tradição do Sonic Youth, Lee Ranaldo era o cientista maluco, o desbravador das fronteiras da eletricidade sonora, enquanto Thurston era o maníaco do punk rock, o autor de “Teen Age Riot”. E por mais que seu disco mais recente soasse domesticado e pop, quando ele o trouxe para o palco da choperia do Sesc Pompéia, abria espaços entre refrões, introduções e letras para espasmos sonoros descontrolados e eufóricos, sendo acompanhado por músicos na mesmíssima sintonia de sua antiga banda – um deles, o mestre baterista Steve Shelley, eterno baterista do SY. O guitarrista Alan Licht ia da microfonia e ao discreto apoio ao líder da banda, enquanto o baixista Tim Luntzel criava contrapontos musicais impensáveis na formação do Sonic Youth, com um dedo no jazz e outro no rock clássico. Mas por mais que brilhassem como músicos, o holofote caía sempre em Lee Ranaldo.
Muito à vontade, ele não apelou para o populismo de tentar falar em português e assumiu que seu público entendia o inglês que falava – e não parava de falar. A cada nova música, conversava com a platéia explicando a origem da música (“Xtina as I Knew Her” era sobre sua colega adolescente mais promissora, uma pessoa que ninguém nunca mais sobre dela; “Shouts” foi composta a partir do movimento Occupy Wall Street, etc.) e todos reagiam como se estivessem assistindo a um velho conhecido contar o que fez da vida o tempo todo que esteve fora. Além das músicas do disco do ano passado, emendou algumas que ainda não existem em disco, como “Lecce”, “Keyhole”, “Fire Island (Phases)” e “Last Night on Earth”.
E matou a vontade do público brasileiro de ouvir suas faixas no Sonic Youth mesmo sem tocar nenhuma música da banda há mais de ano em seus shows. Na sexta-feira foi de “Genetic” e no sábado foi de “Karen Revisited (Karenology)”. No mesmo sábado ainda brincou com o público, anunciando “Teen Age Riot” antes de rir dizendo que era uma piada. E além do Sonic Youth, discorreu por outras versões, ao lembrar que, quando tinha apenas as músicas do primeiro álbum, gostava de tocar músicas que o influenciou – e para não perder a oportunidade, tocou “She Cracked” dos Modern Lovers na sexta-feira e outras três – “Everybody’s Been Burned” dos Byrds, “Thank You for Sending Me an Angel” dos Talking Heads e “Revolution Blues” do Neil Young – no sábado.
Ao final dos dois shows, correu para falar com os fãs. No primeiro dia, estava conversando com um amigo quando Lee Ranaldo, seguido de Steve Shelley, saiu correndo dos bastidores para o público, perguntando “cadê as pessoas?”. Conversou, tirou fotos e autografou discos – demorou tanto tempo que, no sábado, a casa de shows achou melhor organizar o encontro do lado de fora. E, mais uma vez, cruzei com ele quando estava saindo, ele fazendo a mesma pergunta (“cadê as pessoas?”) com os olhos esbugalhados e ar impaciente. Era ainda o mesmo cientista louco que tornou o Sonic Youth uma das bandas mais importantes de sua geração.
Agora é a vez de seus shows performáticos. Vamos ver o que acontece.
Fiz uns vídeos aí embaixo, saca só:
Wado apresentou seu Vazio Tropical ao vivo esta semana em São Paulo, no Sesc Pompéia, e recebeu Cícero, Camelo e Marcelo Frota, do Momo (e Fafá de Belém!), em canções que foram registradas em vídeo abaixo, pelo Mac:
E já já o mestre Lee Ranaldo se apresenta sozinho pela primeira vez em São Paulo, no Sesc Pompéia. Hoje e amanhã ele toca na choperia com a banda The Dust (que ainda conta com o também sonic youth Steve Shelley na bateria) e apresenta as músicas do ótimo primeiro disco solo após o fim da banda, no ano passado. Terça e quarta, ele se apresenta com sua mulher Leah Singer em uma performance no teatro da mesma unidade do Sesc. Vou nos quatro dias. E ele tem tocado músicas do Neil Young, dos Byrds e do Talking Heads, tão sabendo?
Lee Ranaldo – “Revolution Blues”
Lee Ranaldo – “Thank You For Sending Me An Angel”
A do Byrds (“Everybody’s Been Burned”) eu não achei no YouTube. Mas será que rola alguma do Sonic Youth?