Desbravando o deserto

As paisagens musicais desenhadas pela música são entendidas de formas diferentes por cada um dos ouvintes, mas é impressionante como o quarteto de rock tuaregue Etrain de L’Air consegue fazer todo o público sintonizar numa mesma frequência, que desenha horizontes desérticos e caravanas em movimento ao mesmo tempo em que põe todos para dançar. O fato de subirem ao palco vestidos com suas túnicas, taguelmustes e lithams inevitavelmente aciona o inconsciente coletivo que nos leva ao norte da África, em que povos nômades cruzam o Saara em longas e pacientes travessias. Mas a junção de duas guitarras, baixo elétrico e bateria inevitavelmente nos leva para o território do rock, o que ajuda a traçar conexões tão distintas entre rockabilly, surf music e heavy metal buscando origens que podem estar mais perto do Equador do que se pensa. O quarteto do Níger foi uma das atrações do último fim de semana do Sesc Jazz e manteve o alto nível que pode ter tornar esta a melhor edição do festival. E não teve dificuldades de envolver o público em uma dança que, apesar de movida a guitarradas, era essencialmente impulsionada pelo ritmo e pelo groove dos quatro instrumentos atacando em uníssono. Um longo transe elétrico de mais de uma hora e meia transformou a comedoria do Sesc Pompeia em um bailão intenso, suor pingando do teto e o público completamente entregue ao grupo. Delírio.

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Evinha esplendorosa

Que delícia poder ouvir Evinha anos depois de sua fase mais popular (nos anos 70) e perceber que, mesmo aos 74 anos, ela segue com a mesma voz angelical e igualmente esplendorosa, cheia de suíngue brasileiro, como podemos ver nas duas apresentações que ela fez dentro da programação do Sesc Jazz neste fim de semana. Vi o show que ela fez no domingo, quando, além de ter a participação já planejada de Marcos Valle, também pode contar com o mestre Dom Salvador no público, uma honra tanto para a dona da noite quanto para seu convidado. Acompanhada de uma banda composta por seu marido, o francês Gérard Gambus, nos teclados e vários sobrinhos tocando guitarra, baixo, violão e bateria, ela passeou por alguns de seus sucessos para aquecer a noite, abrindo com “Olha Eu Aqui” e “Ilha Deserta”, antes de cantar sua “Só Quero”, que foi sampleada pelo rapper carioca BK’ (transformando a canção em “Só Quero Ver”), quando ela lembrou como foi o convite para aparecer na música do então desconhecido (dela). Depois ela deslizou sua voz única por “Virou Lágrimas” e “Teletema”, antes de fazer uma dobradinha de Guilherme Arantes (“A Cidade e a Neblina” e “Deixa Chover”) e deixar o palco para um momento solo do convidado da noite. Marcos Valle, que tem 84 anos mas parece que é 20 anos mais novo, começou puxando “Água de Coco”, acompanhado apenas pelos sobrinhos de Evinha, uma vez que Gambus também deixou o palco (afinal, Marcos Valle é tecladista), e depois emendou suas “Mentira” e “Parabéns” para chamar a dona da noite de volta, quando cantaram dois números do próprio Valle (“Pigmalião” e “Que Bandeira”). Depois ele despediu-se do palco, Gambus reassumiu as teclas e finalizaram o show com a dobradinha “Casaco Marrom” e a imortal “Esperar Pra Ver”. Mas é claro que todos queriam bis e Marcos Valle voltou ao palco para juntos repetirem “Que Bandeira”. Foi lindaço.

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Vendo Luedji subir…

E no domingo ainda deu pra pegar a parte final do show da Luedji Luna no Sesc Pompeia, também dentro da programação do Sesc Jazz ,que estava acontecendo na antiga Choperia da unidade. Não pude ver o encontro dela com a maravilhosa Alaíde Costa, que subiu para dividir algumas canções com ela no palco, mas deu gosto ver Luedji liderando uma banda da pesada, com naipe de metais e vocais de apoio dentro da programação de um dos melhores festivais de jazz do Brasil (ainda mais à luz dos discos que ela lançou esse ano, dando passos para além do neo-soul em que habitava). E ainda citando D’Angelo no finzinho… Foi demais.

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Alma lavada por uma orquestra de percussão

Outro delírio do Sesc Jazz nesse fim de semana foi a oportunidade de ver, mais uma vez, o impressionante grupo Aguidavi do Jêje, orquestra percussiva liderada pelo mestre Luizinho do Jêje que, regendo atabaques, chocalhos, tambores e outros instrumentos de couro com seu violão mântrico, transformou o teatro do Sesc Pompeia em uma enorme celebração do candomblé de tradição jêje mahi, diretamente do terreiro do Bogum, no bairro do Engenho Velho da Federação, de Salvador. É a terceira vez que vejo esse acontecimento musical e espiritual pessoalmente e sempre vem a sensação de limpeza total que o grupo provoca no público. Haja axé!

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Saiu a programação do Sesc Jazz 2025!

Um dos eventos do Sesc mais esperados do ano, o Sesc Jazz acaba de revelar sua impressionante escalação de sua sexta edição, que acontece entre os dias 14 de outubro e 2 de novembro e traz uma seleção absurda de shows e atividades formativas em quatro unidades em São Paulo (Sesc 14 Bis e Pompeia com os principais shows, além de ter outras atividades no Sesc Vila Mariana e no Consolação) e outras cidades do estado, como Franca, São José do Rio Preto, Guarulhos e São José dos Campos. As atrações são amplas e louváveis, como o encontro de Dom Salvador com Amaro Freitas, duas celebrações à Lenny Andrade, o encontro de Evinha com Marcos Valle e o de Luedji Luna com Alaíde Costa, Allan Abbadia misturando Moacir Santos com John Coltrane, o Aláfia revisitando o clássico Mothership Connection, do grupo Parliament-Funkadelic, o Trio Mocotó voltando ao clássico Força Bruta, que gravou com Jorge Ben, Virgínia Rodrigues voltando ao seu disco de estreia, Sol Negro, com Tinganá Santana, além de apresentações do grupo Aguidavi do Jêje, do ganês Alogte Oho, do grupo colombiano De Mar y Río, o percussionista uruguaio Hugo Fattoruso e seu grupo Barrio Sur, a colombiana Lido Pimienta, o colombiano Fruko e a haitiana Moonlight Benjamin, entre muitos outros (mais informações neste link). Confira a programação completa abaixo: