As árias tropeiras de Elomar

O sertanista erudito Elomar apresentou-se neste fim de semana no Sesc Consolação ao lado de sua Tropa Encantada e pude assistir à primeira apresentação, em que a produção do artista exigiu que não houvesse registro – talvez pelo fato de, debilitado por ter contraído covid, não tocar mais violão nem ter o alcance vocal que tinha, além de, talvez pelo mesmo motivo, não ficar no palco o tempo todo, sendo constantemente tirado de cena e deixando apenas sua ótima Tropa em cena. Esta era conduzida pelo filho de Elomar, o violonista João Omar ao violão, que era acompanhada perlo violoncelo de Daniel Silva e pela flauta de João Liberato, além de contar com as vozes das sopranos Luciana Monteiro e Gabriela Almeida, esta última filha do violonista, e, portanto, neta do autor. A apresentação preservou o tom de câmara romântica para as dramáticas árias tiradas das óperas de Elomar, numa noite de rigor e beleza. Só achei estranho quando ele veio com um papo que era monarquista e saudou um herdeiro de Dom Pedro II que estava na plateia. Eu hein…

Assista a um trecho aqui.

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“O amor não nos explica e nada basta”

Enquanto a chuva desabava sobre São Paulo neste sábado, Arrigo Barnabé reuniu-se mais uma vez com seu Trisca – o trio formado por três ex-integrantes do grupo Isca de Polícia, o guitarrista Jean Trad, o baixista Paulo Lepetit e o baterista Marco da Costa – para celebrar seu saudoso compadre Itamar Assumpção no Sesc Consolação. O show Tristes Trópicos costura clássicos do velho Ita com outros de outros sambistas dantanho, como Nelson Cavaquinho (cuja eterna “Quando Eu Me Chamar Saudade” abriu a noite) e Ataulfo Alves (presente em “Errei… Erramos” e “Na Cadência do Samba”) e convulsão entre funk, blues e samba que pairava sobre a obra de Assumpção dava o tom da apresentação, que começou com Arrigo em máquina de escrever, conversando com Itamar ao mesmo tempo em que sua voz regravada repetia-se no palco (em uma possível referência a Walter Franco). E entre hinos como “Fico Louco”, “Noite Torta”, “Oh! Maldição”, “Mal menor” e “Já Deu pra Sentir”, Arrigo ainda embrenhou duas canções próprias que conversam com a obra – e a vida – de Itamar: “Cidade Oculta” e “Clara Crocodilo”, que misturou com “Nego Dito”. Mas um dos grandes momentos da apresentação foi quando contrabandeou o “Relógio do Rosário” de Carlos Drummond de Andrade no meio da clássica “Dor Elegante”: “O amor não nos explica. E nada basta, nada é de natureza assim tão casta que não macule ou perca sua essênci ao contato furioso da existência”, puxou Arrigo de improviso, “Nem existir é mais que um exercício de pesquisar de vida um vago indício, a provar a nós mesmos que, vivendo, estamos para doer, estamos doendo.”

Assista aqui:  

Só 2

A minha Virada Cultural de 2023 ficou reduzida a um único show, um dos três que a Céu fez no Sesc Consolação, finalmente levando aos palcos seu disco acústico, lançado no segundo ano da pandemia “com a intenção de trabalhar, de ver um horizonte, de voltar a cantar e fazer música”, como ela explicou ao público da segunda sessão de suas apresentações. Gravado em um único dia ao lado de seu velho compadre Lucas Martins (que a acompanha desde a adolescência – e que para este projeto deixou o baixo de lado para abraçar o violão acústico), o disco preparou a chegada de seu disco de intérprete Um Gosto de Sol, lançado no final daquele 2021, indo para o caminho oposto: só músicas autorais da cantora paulistana em arranjos enxutos e precisos, com o violão de Lucas partindo de lugares menos óbvios para o formato voz e violão do que o samba ou a bossa nova. Retomado no palco, o disco funciona como uma versão minimalistas para o novo show da cantora, Fênix do Amor, em que prefere dedicar-se ao seu próprio repertório do que a um disco mais específico, com o agravante de deixar Céu ainda mais à vontade para contar histórias e causos e brincar com a longa amizade com o amigo músico. No meio do caminho, lembrou que fez “Coreto” para Gal Costa cantar, mas tomou-a de volta quando percebeu que o refrão (que canta “Alpha by night” em homenagem à versão clássica rádio de sala de espera paulistana) a conectava com o universo do karaokê, que é adepta, rindo sem graça quando lembrou que cantou uma música sua num destes estabelecimentos e ganhou a pior pontuação. Lembrou também de Rita Lee, quando tocou “Menino Bonito” logo após tocar sua “Malemolência”, cujo refrão repete o título da clássica da rainha do rock brasileiro com o grupo Tutti Frutti. Um domingo maravilha.

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