Fim de semana começou com o reencontro da banda Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo com seu farol artístico, Ana Frango Elétrico, que originalmente aconteceria no início de março mas que, por questões pessoais (Theo Ceccato, o baterista, havia quebrado o pé!), só aconteceu dois meses depois, no mesmo Sesc Bom Retiro em que o primeiro show aconteceria. Era também o primeiro show da Enorme em uma unidade do Sesc após o lançamento de seu segundo álbum e acontecer no Bom Retiro ainda lhes garantiu um ótimo som para mostrar seu Música de Esquecimento na primeira parte do show – que ainda teve o próprio baterista vindo para frente cantar sua ótima balada “O Último Sexo” quase às lágrimas. Mas depois que Ana subiu ao palco, a banda voltou no tempo e Sophia puxou o flashback pra julho de 2019, quando eu havia juntado aquelas duas jovens forças no palco do Centro Cultural São Paulo, fazendo-os voltar ao primeiro disco de Ana, Mormaço Queima, que a vocalista não mediu elogios ao comparar com a lenda urbana do primeiro disco do Velvet Underground, que não vendeu muito, mas todo mundo que o comprou montou uma banda. E assim voltaram ao passado para tocar juntos músicas de seus primeiros discos como “Debaixo do Pano”, “Picles”, “Loteria” e “Delícia Luxúria”, mas também puxaram duas de seus discos recentes, como “Segredo” e “Quem Vai Apagar A Luz?”, em que Ana assumiu a voz do coautor da música, Negro Leo, e o momento mais bonito da noite, a versão que fizeram juntos para “Insista em Mim”. “Não vai embora nunca”, disse Sophia, antes de emendar, quase chorando que, “você é meu melhor amigo, cara”. Foi demais.
Fui mais uma vez reencontrar o mestre Jards Macalé, desta vez no Sesc Bom Retiro, onde ele está mostra, durante o fim de semana, seu ótimo Coração Bifurcado, que produziu no ano passado ao lado de Rômulo Froes, Rodrigo Campos, Guilherme Held, Pedro Dantas e Thomas Harres, que no palco surge com uma superbanda formada apenas por mulheres: a gigantesca Maíra Freitas, a guitar heroine Navalha Carrera (que toca na banda da Letrux), Lelena Anhaia (eterna parceira de Anelis Assumpção), a espoleta Victoria dos Santos, Aline Gonçalves e Flavia Belchior. Mas Jards também quis seu momento solo e com seu instrumento passou por três do disco mais recente (“Mistérios do Nosso Amor”, cantada no disco por Bethania, “Grãos de Açúcar” e “Simples Assim”, acompanhada pela voz e pelo piano de Maíra) e pela maravilhosa instrumental “Um Abraço do João”, em que saúda o mestre João Gilberto com um causo incluído em todos seus shows depois da pandemia. Com a banda completa, que além de repassar quase todo o repertório do disco do ano passado, ainda desbravou seus clássicos “Mal Secreto” (emendada, como vem fazendo, com “Corcovado”), “Hotel das Estrelas”, “Soluços” e “Meu Amor, Meu Cansaço”, esta última mais recente mas que já chegou a esse status – foi quando ele apresentou as musicistas que o acompanhavam uma a uma. Foi demais.
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Juçara Marçal fez aniversário dia 27 (essa data mágica que também viu o nascimento de Alessandra Leão) e puxou sua comemoração trazendo o melhor show do ano passado para o ano novo neste domingo, no Sesc Bom Retiro. A parede pós-moderna erguida pelo choque inexorável da linguagem eletrônica com a energia pós-punk segue ainda mais sólida, à medida em que cada vez mais o som da apresentação ganha mais volume. Assim, a nuvem de pulsos elétricos conduzida por Kiko Dinucci, Alana Ananias e Marcelo Cabral – todos percorrendo timbres analógicos e eletrônicos, às vezes na mesma música – coloca Juçara no topo do céu, cavalgando o peso atmosférico como uma entidade sobrenatural: impiedosa e implacável ainda que atenta e clemente. Aliada às canções de seu Delta Estácio Blues, ela eletrifica o público enquanto o conquista com sua voz inabalável, crua ou distorcida por efeitos ou encorpada pelo soco sonoro de seus três amigos. Agora sim dá pra dizer que 2023 começou.
A primeira sexta-feira do ano começou maravilhosamente bem, com o mestre cearense Don L se afirmando cada vez mais como um dos maiores nomes da música brasileira atual. Sempre escudado pelo trio DJ Roger, Terra Preta e Alt Niss (esses dois tão cantando cada vez mais!), o guerrilheiro da voz apresentou-se no Sesc Bom Retiro, quando desfilou seus clássicos mais recentes e ainda anunciou, como quem não quer nada, o volume 2 de seu Caro Vapor, que completa dez anos neste ano que começa. 2023 promete!
Tocando apenas com o violão e pedais, Lee Ranaldo passou pelo repertório de seus três discos solo nesta quinta-feira, no Sesc Bom Retiro, mas não deixou de desconstruir o instrumento acústico como fazia com a guitarra nos tempos do Sonic Youth, tocando-o com um arco, efeitos, ecos e distorções. No centro de tudo estavam as canções, guiadas por sua voz, cada vez mais firme, bem como sua intimidade, agora sozinho, com o palco e com seu novo instrumento, nitidamente setentista mas obviamente pós-punk. E a beleza de suas composições, realçadas pelo violão, dão o tom de toda a noite. A única vez que fugiu desse tom foi quando tocou “Thrown Over the Wall”, comentando sobre a política nos EUA, no Brasil e no mundo antes de começar a tocar a música. “Não é onde eu vivo, nem onde você vive, está em todo o lugar”, ele falou, “a ideia é olhar para frente – é isso que eu tenho frisado. Vamos olhar para daqui a cinquenta anos, setenta e cinco anos, não vamos ficar olhando pra trás, setenta cinco anos pra trás, para 1950, 1920 ou 1939…”