Por mais que o Brasil já tenha cantado suas canções em outras épocas, Joyce Moreno amadureceu como um segredo para iniciados na exuberante árvore genealógica da música brasileira, uma orquídea que abre-se cada vez mais que aguça-se os sentidos em sua direção. Sua discrição pessoal, o canto doce e a persona suave deixam suas melhores qualidades à distância do mercado massificador que transforma qualquer artista em um produto em promoção e nada melhor que uma apresentação ao vivo para reconhecer a força de sua arte, a reverência que faz a seus mestres e parceiros e seu vigor instrumental, seja no violão ou na voz.
Na segunda de suas apresentações no Sesc Belenzinho neste fim de semana, ela mostrou o disco que compôs durante a pandemia, Brasileiras Canções, que reconheceu ter um tom mais triste do que o que vivemos hoje e aproveitou este clima para mostrar “Chuva Sem Gal”, parceria que fez com Marcos Valle após a passagem Gal Costa, no ano passado, logo após tocar a “Mistérios” que deu ao segundo disco do Clube da Esquina e que gravou com a própria cantora em seu álbum Revendo Amigos, lançado há quase 30 anos.
Temperou a tristeza destes temas com versões desafiadoras de clássicos do cânone que ajudou a erguer, o da canção brasileira. Em seu violão Joyce desfila autores e intérpretes clássicos como João Gilberto, Tom Jobim, Elis Regina, Edu Lobo, Vinícius de Moraes e Baden Powell num rosário que praticamente resume sua formação e nossa memória afetiva: “O Morro Não Tem Vez”, “Águas de Março”, “É Preciso Perdoar”, “Berimbau/Consolação”, “Desafinado” e “Upa Neguinho”.
Acompanhada de um trio de tirar o fôlego, ela não fica pequena ao lado dos virtuoses discretos que a acompanham – o baixo de Rodolfo Stroeter, o piano de Tiago Costa e a bateria de Tutty Moreno, se entrelaçam com seu violão de acordes dissonantes e marcação precisa, ao mesmo tempo em que afia sua voz sem exibicionismo, seja desconstruindo a métrica das próprias canções ou abrindo vocais improvisados sobre clássicos de nosso cancioneiro.
Sua relação com o baterista marido é um espetáculo à parte: a troca de sorrisos e olhares entre este casal que está prestes a completar meio século de parceria musical e de vida é uma conversa tão fluida e deliciosa quanto a troca musical da cantora com este que é um dos pilares do edifício que chamamos de MPB (Tutty é baterista em obras fundamentais como Transa, Expresso 2222, Cantar, o disco de estreia de Jards Macalé, Sinal Fechado e Álibi, só pra citar as joias de sua coroa).
E como se não bastasse o gigantismo deste evento de jazz brasileiro, Joyce ainda reforça seu papel de cantora e mulher, em hinos pessoais como “Samba da Mulher”, “Essa Mulher”, “Mulheres do Brasil” e, claro, “Feminina”. Uma noite maravilhosa. Viva Joyce!
Domingo para reencontrar o mestre Jards Macalé com seu já clássico Besta Fera ao lado de uma banda formada por Guilherme Held, Marcelo Callado, Victoria dos Santos, Pedro Dantas e Allan Abadia, no Sesc Belenzinho. Mas quando o velho Macau fica sozinho com o violão e suas histórias, a apresentação vai para outro plano – e ao mostrar a música que fez depois de um telefonema póstumo para João Gilberto, ele só permitiu que a lágrima caísse. Que momento ❤️
A dupla fluminense Gorduratrans lançou seu novo disco Zera nesta sexta-feira no Sesc Belenzinho num show que finalmente fez o público do local ficar de pé. Transformado em quarteto nesta nova fase, o grupo ergueu uma doce parede de microfonia que fazia o show soar hipnótico e pesado na mesma medida. Showzaço.
Posso assistir mil vezes ao show que Juçara Marçal armou para transmutar para o palco seu projeto fonográfico Delta Estácio Blues que nunca vou cansar. A energia concentrada pelo quarteto formado por Juçara, Marcelo Cabral, Alana Ananias e Kiko Dinucci acerta o ouvinte sem dó numa convulsão meticulosa entre o samba, o pós-punk, o noise e a música eletrônica, neste que talvez seja o grande momento da música ao vivo no Brasil hoje. Quatro indivíduos que mal conversam com quem os assistem – só Juçara fala – mas que acertam todos os sentidos do público com a contundência que só a música pode fazer (aquele papo do Bob que dizia que “quando acerta não dói”). E não foi diferente neste sábado no Sesc Belenzinho – que bordoada boa!
Depois de um semestre agitado no exterior, quando ganhou prêmios e fez shows pela Europa, Lia Paris faz mais um show de seu segundo disco MultiVerso, que faço a direção artística, neste domingo, às 18h, no teatro do Sesc Belenzinho (mais informações aqui).
Neste sábado, Paula Santisteban lança a versão física de seu álbum de estreia no Sesc Belenzinho, a partir das 21h. Um trabalho incrível e sensível que me foi passado pelo mestre Miranda, produtor do disco, que me colocou no mundo mágico e lúdico das canções de Paula e Edu Bologna fazendo a direção artística deste lançamento, um universo tão específico e especial que só tenho a agradecer por fazer parte disso tudo.
Paula Santisteban
Sábado, 9 de março de 2019
Teatro, às 21h
Sesc Belenzinho
Rua Padre Adelino, 1000. São Paulo
(11) 2076-9700
R$ 6 a R$ 20
Uma sensação de paz intensa tomou conta do pequeno teatro do Sesc Belenzinho, quando poucos puderam submeter-se ao volume sonoro do sexteto instrumental Ruído/mm, em mais uma apresentação de lançamento de seu ótimo Rasura, um dos grandes discos brasileiros do ano passado. Impassíveis no palco, os seis músicos curitibanos conduzem o público a um transe coletivo a partir de camadas de microfonia que vão superpondo-se e retraindo-se à medida em que oscilam entre o silêncio e o volume ensurdecedor, transitando entre estes em solos dedilhados, acordes expansivos, melodias ao teclado, gritos, galopes de baixo e bateria.
É o jardim elétrico cultivado pelo My Bloody Valentine e pelo Sonic Youth nos anos 80 que ergueu-se sem voz com o codinome de pós-rock na década seguinte, aglomerando influências vindas do free jazz, da música eletrônica, de trilhas sonoras de filmes, do pós-punk e da música erudita contemporânea. A massa viva de som habitada pelo Ruído/mm é uma densa floresta de improvisos musicais em que o grupo extrai recortes específicos de uma musicalidade que quase sempre recaem naquele universo instrumental de ruído branco do que preguiçosamente convencionamos chamar de indie rock: a psicodelia estática branca que une os devaneios instrumentais do Cure, o lado contemplativo do Low de David Bowie, as extensas incursões instrumentais do Yo La Tengo, os espasmos de guitarra do Radiohead e do Built to Spill, os longos caminhos percorridos pelo Spiritualized e pelo Galaxie 500.
No palco, o grupo encarna essas diferentes personalidades. Os três guitarristas quase que de forma didática dividem suas influências no vestuário casual, cada um levemente pendendo para um lado. À esquerda, André Ramiro de camisa xadrez e boné equilibra-se entre espasmos de eletricidade e solos cortantes que entregam influências do shoegaze, hardcore e do noise; ao centro, Ricardo Oliveira, de camisa e cabelos compridos, burila seu instrumento conduzindo-o para planetas musicais tão diferentes quanto National, Radiohead e Sigur Rós; à direita, o recém-regresso Felipe Aires, vestindo uma camiseta do Lost, vai da psicodelia tradicional dos solos de David Gilmour no Pink Floyd a climas de filmes de velho oeste. Os três na linha de frente quase sempre sentam-se no palco entre as canções para ajustar pedais e brincar com a microfonia. Na linha de trás, o tecladista Alexandre Liblik conversa com o baixista Rafael Panke e o baterista Giva Farina criando camas de timbres ou ritmos intensos propícios para cada diferente incursão. A formação mudou poucas vezes, apenas com Felipe assumindo um theremin digital para contrapor ao canto em falsete de Ricardo em “Penhascos, Desfiladeiros e Outros Sonhos de Fuga”, ou André e Alexandre tocando chocalhos ao final de “Bandon”.
Arquitetos conscientes de pequenas catedrais de som, eles poderiam esticar cada uma de suas músicas por mais de dez minutos, mas quando muito elas ultrapassavam os cinco (uma ou outra quase chegou nos dez). O grupo explora bem silêncios e estica temas instrumentais o suficiente para serem memorizados pelo público sem repeti-los à exaustão, como se enfatizassem a eficácia matemática explícita no “por mílimetro” de seu nome. Tocando a íntegra do novo disco e apenas uma canção de seus discos anteriores, o sexteto de Curitiba fez uma apresentação impecável que apenas reforça sua reputação, que já tem mais de uma década.
Filmei o show inteiro abaixo – ponha os fones e aperte o play.
Autores de um dos melhores discos nacionais de 2014 – o excepcional Rasura -, os curitibanos do Ruído/mm se apresentam nesta sexta em São Paulo no Sesc Belenzinho e me descolaram um par de ingressos pra quem quiser assisti-los no teatro da unidade. Basta responder nos comentários abaixo (sem esquecer de incluir o seu email) que outra banda brasileira faria um bom show ao lado do Ruído/mm? Quem ganhar a promoção retira os ingressos no próprio Sesc e ainda ganha uma das últimas cópias físicas do CD, que está quase esgotado. E pra quem não conhece a banda, eles descolaram uma versão inédita pra música “Pop”, que lançaram no EP Série Cinza, de 2004. A versão foi gravada no programa curitibano Último Volume, da Rádio Lúmen.
Uma escolha improvável? O projeto Álbum, do Sesc Belenzinho, criou fama por levar ao palco a íntegra de clássicos da música brasileira interpretados por seus próprios autores – nomes como João Donato (tocando A Bad Donato), Tom Zé (Todos os Olhos), Walter Franco (Revolver), Sepultura (Chaos A.D.), Ave Sangria (o disco homônimo), Pato Fu (Gol de Quem?) e Titãs (Cabeça Dinossauro) já passaram pelo palco da unidade tocando seus discos. Mas o show deste sábado é dedicado a um disco tão específico e pouco ouvido que sua simples lembrança é uma grata surpresa: o grupo curitibano pós-punk Beijo AA Força, um dos pilares da cena musical da capital paranaense desde os anos 90, apresentará hoje seu mítico Sem Suingue, de 1995, o disco que consolidou sua mudança estética de banda punk rumo ao autorreferido retropicalismo “polaco-nagô”, que propunham ao realçar as contradições entre a identidade cultural de Curitiba e à onipresente exuberância da brasilidade pós-Vargas, aquela da linha evolutiva que começa na semana de 22, passa pela bossa nova e pelo tropicalismo para descambar na Blitz e nos Paralamas (para quem não conhece, o disco pode ser ouvido e baixado aqui). Conversei com o Luiz Ferreira, vocalista e líder do BAAF, sobre o show deste sábado (que acontece às 21h30, na comedoria do Sesc Belenzinho):
Por que vocês escolheram o Sem Suingue para tocar na íntegra?
Foi um convite do Sesc, eles têm um projeto, o Álbum, em que convidam músicos para fazer o show de seus álbuns mais significativos. Este é o nosso álbum mais conceitual, com referências musicais mais diversas, o que mais elaboramos e ano que vem fará 20 anos, todos os músicos estavam disponíveis. Juntar e tocar com esses caras é sempre divertido.
O que significa esse disco para a carreira do BAAF?
Seguramente é o nosso disco mais importante, é onde estão nossas referências mais fortes. Tem tudo ali, ousamos e chegamos a um resultado nunca alcançado até então. Foi nosso primeiro trabalho com Antonio Saraiva, que é um grande arranjador, enfim, é o nosso trabalho mais elaborado.
A formação que toca em SP é a mesma que gravou o disco? Há alguma surpresa no show?
Tivemos que substituir somente o tecladista Therciano Albuquerque, que não pode participar devido à sua agenda, convidamos Cesar Reis, um velho amigo.
O que mudou na Curitiba dos anos 90 para a atual?
Curitiba hoje é uma grande cidade com muitos bares, cafés e casas de show, naquela época eram muito poucos os locais para se apresentar. Hoje é uma cidade com muitas bandas e existe por lá uma grande efervescência cultural, os jovens artistas de hoje têm mais expectativas.
Por que Curitiba não conseguiu emplacar um artista de dimensão nacional?
Curitiba mostrou ao mundo Paulo Leminski, herói da cultura local e somos todos muito fãs de Dalton Trevisan. Curitiba é assim, meio vampira mesmo. Conhece a Teoria da Invisibilidade do Jamil Snege? O curitibano gosta mesmo é da invisibilidade.
Como anda o BAAF em 2014?
O BAAF na verdade acabou em um show em 2007 lançando um DVD e CD gravado ao vivo com nossos punk rocks que esgotou naquela noite – fizemos só 400. Ficamos um tempão sem fazer show, mas não nos deixaram descansar, vieram convites e provocações, a partir de 2011 aceitamos os desafios, hoje temos uma agenda até junho. O BAAF na verdade são várias bandas, tem o Sem Suingue, que é esse show com uma formação e o foco mais pro samba e pra música brega, com o punk rock mais ofuscado. Temos outra formação, mais punk rock mesmo, o quarteto da formação clássica, de antes e depois do Sem Suingue. Talvez façamos algo em dupla, é que eu e o Rodrigão fizemos muitas músicas para trilhas de teatro e cinema, nosso estúdio chamava Chefatura – por causa de um armário que lembrava arquivos de delegacia, com várias gavetinhas…. Aí será mais um Beijo AA Força, o BAAF Chefatura.
O quinteto de Chicago volta a dar o ar de sua graça no Brasil, em quatro datas em São Paulo, no Sesc Belenzinho. O Tortoise toca seu Beacons of Ancestorship, de 2009, ao vivo, entre os dias 12 e 15 de dezembro. Os ingressos começam a ser vendidos no próximo dia 2.
Dica do pessoal do Norópolis.