Quando Maria Beraldo e Zélia Duncan revivem Tom Jobim

Confesso que não havia entendido quando Maria Beraldo e Zélia Duncan escolheram o disco ao vivo Antônio Carlos Jobim em Minas para ser recriado em apresentação dupla neste fim de semana, no Sesc 14 Bis. O show de 1981, lançado apenas em 2004 como o primeiro lançamento em parceria da gravadora carioca Biscoito Fino e da família do maestro, reúne vários de seus clássicos, mas como o próprio Tom fala durante o concerto, realizado no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, ele não era muito afeito a apresentar-se ao vivo e vários de seus discos em estúdio são trabalhos muito mais emblemáticos de sua carreira do que aquele registro ao vivo, embora menos memoráveis. Levando em conta que o show é temperado por longas – e ótimas – falas de Tom entre as músicas e que o único instrumento tocado – o piano – não é o instrumento-base de nenhuma das duas cantoras, restava a expectativa sobre como aquele registro seria recriado em outro palco. O resultado veio numa bela apresentação que equilibrava música e teatro com ambas encarnando Tom sem precisar estar no piano de cauda – ou melhor, nos pianos, ambos pilotados por Chicão Montorfano (parceiro de Maria no Quartabê) e Julia Toledo, tocando de frente um para o outro. Beraldo e Duncan, vestidas por Simone Mina, ocupavam todo o resto do palco, repetindo as falas de Tom Jobim na íntegra ao mesmo tempo em que intercalavam suas belas vozes complementares em clássicos da música brasileira como “Desafinado”, “Corcovado”, “Se Todos Fossem Iguais A Você”, “Dindi”, “Retrato Em Branco e Preto”, “Eu Sei Que Vou Te Amar”, “Samba De Uma Nota Só”, “Lígia”, “Por Causa De Você”, “Chega De Saudade” e várias outras, tocadas na ordem do disco. Além das falas decoradas naturalmente, as duas movimentavam-se pelo palco e pelo público, girando ao redor do piano, trocando cadeiras de lugar, jogando bolinhas de pingue-pongue uma na outra e fazendo caminhadas sincronizadas pelo palco em um ótimo exercício cênico, dirigido por Vinicius Calderoni. A luz soberba de Olívia Munhoz – quase sempre monocromática e valorizando o contraste claro-escuro – amarrava toda a condução de palco numa apresentação magistral, que abriu exceção ao discos em dois momentos, quando as duas, apresentaram-se individualmente com suas guitarras, cantando músicas que as conectaram à notícia da morte de Tom, em 1994: Zélia cantando “Sem Você” (lembrada por Chico Buarque naquele fatídico dia) e Maria cantando “Eu Te Amo” (gravada por ela em seu primeiro disco, Cavala). A apresentação de sábado terminou com as duas desconstruindo “Águas de Março” – e aproveitando o 28 de junho do Dia do Orgulho LGBT – para fazer breves alterações na letra original. Quando “um sapo e uma rã” tornam-se “uma sapa e uma rã” e o “resto de mato” vira “resto de matagal”, em referência à música que as duas gravaram juntas no disco mais recente de Beraldo, Colinho. Emendaram o bis vindo para a beira do palco com suas guitarras e cantando “Garota de Ipanema”, deixando o clássico chapéu panamá branco de Tom sozinho no centro do palco. Bem bonito.

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Delicadeza e sofisticação

Mais uma vez Juçara Marçal mostrou toda sua majestade ao visitar o clássico Elizeth Sobe o Morro em um espetáculo idealizado e dirigido pelo jornalista e pesquisador Lucas Nobile, que pinçou o disco em que Elizeth Cardoso investiga uma cena sambista carioca que incluía nomes consagrados como Nelson Cavaquinho (registrado pela primeira vez em disco neste álbum), Zé Kéti, Cartola e Nelson Sargento, além dos então novatos Paulinho da Viola e Elton Medeiros. Para recriar o álbum, Lucas reuniu um time precioso para acompanhar Juçara por duas noites no Sesc 14 Bis, que recebeu Kiko Dinucci, Rodrigo Campos, Marcelo Cabral, Fumaça e Xeina Barros com lotação esgotada. Além do repertório do disco, o grupo ainda pinçou canções que se encaixavam no espírito do disco, sejam músicas da época, como “Vazio” de Elton Medeiros, “Século do Progresso” de Noel Rosa, “Mas Quem Disse Que Eu Te Esqueço” de Dona Yvonne Lara e “Mascarada” de Zé Keti, e contemporâneas, como “Pavio de Felicidade” de Rodrigo Campos, “João Carranca” Kiko Dinucci e “Gurufim”, parceria dos dois, que fechou o show deste domingo. Um espetáculo maravilhoso, delicado e sofisticado, banhado pelas luzes hipnotizantes de Olívia Munhoz, que rendeu momentos mágicos, como as versões para “Rosa de Ouro” (de Paulinho e Elton), “Sim” (de Cartola, num dueto entre Juçara e Kiko) e “Minhas Madrugadas” (de Paulinho e Candeia) em que Juçara avisou que tentaria “encarnar” a Divina, o que fez com maestria, num dos shows mais bonitos do ano até aqui.

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