O curso, ministrado por Fernando Rosa, do site Senhor F, conta a trajetória do gênero musical no Brasil desde a Tropicália até os dias de hoje. Ele acontece nesta terça-feira, dia 3 de novembro, às 20h, e para garantir sua vaga gratuita basta acessar este link, escolher o número de ingressos e na hora de realizar o pagamento, incluir o código promocional “unibescultural” (sem as aspas, claro) para reservar sua vaga na aula. As inscrições podem ser feitas através do email inscricao@unibescultural.org.br. Dá para se inscrever na hora do curso, mas como as vagas são limitadas, é melhor garantir com antecedência.
Conheci pessoalmente Fernando Rosa no dia em que conheci Rogério Duprat – nós dois nos conhecíamos apenas online e a apresentação ao vivo aconteceu aos pés do pequeno predinho em que o maestro tropicalista morava, quando fomos entrevistá-lo para a falecida Bizz em uma edição dedicada à psicodelia em 1999 (quando, sob a batuta do velho compadre Emerson “Tomate” Gasperin, pela primeira vez uma revista pôs os Mutantes na capa, trinta anos depois do grupo nascer). De lá pra cá, o respeito e a admiração pelo trabalho de Fernando só aumentam e não é exagero dizer que ele é ponto-chave tanto no resgate pela psicodelia brasileira (um dos estandartes da linha editorial de seu site, o já tradicional Senhor F) quanto pela revitalização da cena brasiliense a partir dos anos 2000, quando mudou-se para a cidade e passou a organizar o festival de integração latina El Mapa de Todos.
Tanto que ele foi um dos primeiros nomes que cogitei quando comecei a rascunhar esta série de aulas que se tornaram o curso O Outro Lado da Música, que acontece como parte das comemorações dos 20 anos do Trabalho Sujo. Além do curso ministrado por Fernando ainda teremos, neste mês, aulas sobre hip hop e black music no Brasil (com Ramiro Zweistch do Radiola Urbana e o mestre KL Jay) e sobre Rita Lee (com a fundadora do bloco de carnaval sobre a cantora, Alessa).
Para se inscrever na aula sobre psicodelia brasileira, basta acessar este link, escolher o número de ingressos e na hora de realizar o pagamento, incluir o código promocional “unibescultural” (sem as aspas, claro) para reservar sua vaga na aula. A aula acontece às 20h desta terça-feira e eu conversei com Fernando sobre o tema de sua apresentação e como andamo seus outros projetos pessoais.
O que podemos esperar da aula que você dará sobre psicodelia no Brasil?
Inicialmente, uma contextualização histórica de como surgem as primeiras manifestações do “gênero”, a partir das influências inglesas, em um primeiro momento, e depois americanas. As bandas de garagem, o Tropicalismo, Mutantes, o maestro Rogério Duprat, o guitarrista Lanny Gordin, a psicodelia regional do Liverpool, o Festival Ibirastock – que não houve – etc. Desse período em diante, as manifestações posteriores ao longo das décadas, como a psicodelia nordestina dos anos 70, especialmente com Paebiru, depois Violeta de Outono nos anos 80, Júpiter Maçã e Chico Science & Nação Zumbi nos anos 90. E. por fim, o que rolou nos anos 2000, em vários estados do Brasil, de Mopho a Boogarins, passando por StereoVitrola, Pipodélica e Efervescing Elephant, entre dezenas de outros.
Desde quando você se interessa pelo tema?
Desde sempre. Sempre tive um ouvido “torto”, mesmo quando ouvia música pop, nos anos sessenta, os detalhes, as pequenas variações dos arranjos, me chamavam a atenção. Na adolescência, o meu mundo, e dos meus amigos, tinha forte presença das bandas psicodélicas, como 13th Floor Elevators – para mim, o marco zero -, Jefferson Airplane, Grateful Dead, Pink Floyd – ainda dos anos sessenta. No Brasil, claro, o despertar foi com Mutantes, com sua sonoridade fora dos padrões, aquelas capas doidonas dos últimos discos. Outro momento importante foi a curiosidade despertada com o disco Avohay, de Zé Ramalho, que me levou até a psicodelia nordestina que originou aquele e outros discos. Ainda os shows do Liverpool, que assisti várias vezes ao vivo.
É difícil achar discos de psicodelia brasileira clássica hoje em dia?
Olha, a maioria dos discos mais importantes foi relançado de alguma forma, em vinil ou CD, no Brasil ou no exterior. Para quem quer apenas ouvir e conhecer, também praticamente a totalidade deles está “full album” no YouTube. Mas, claro, encontrar os discos originais, os compactos, os LPs, com capas, encartes da época, se tornou mais difícil com o “hype” criando em torno do gênero a partir de algumas histórias e discos. Por exemplo, os discos do Ronnie Von (1968) rolavam nas lojas nos noventa a preço de banana, o que atualmente não acontece mais. Em compensação, as reedições em vinil são uma boa saída para quem quiser ouvir no formato original, mesmo que relançado atualmente.
Na sua opinião, quais as bandas psicodélicas mais importantes do Brasil?
Bem, vou fazer um esforço para não cometer injustiças, pois são vários os critérios para chegar a um ou outro nome. Mas, vamos lá então, considerando as várias décadas em que o gênero se desenvolveu, com mais ou menos visibilidade. Mutantes, Liverpool, Spectrum, Módulo 1000, Ave Sangria, A Barca do Sol, Violeta de Outono, Chico Science & Nação Zumbi, Júpiter Maçã, Mopho. Além das bandas, tem artistas importantes que eventualmente, ou de forma aleatória, errática, produziram temas e/ou discos clássicos do gênero, como Lula Cortes & Zé Ramalho, Ronnie Von, Erasmo Carlos, Serguei, Damião Experiência.
E a psicodelia brasileira hoje em dia, como anda?
Da mesma forma que o rock, sem espaço claro no cenário musical, mas persistindo com algumas bandas importantes, inclusive com projeção mundial, como é o caso dos Boogarins, de Goiânia. Existem grupos interessantes surgindo em vários pontos do país, como Baby Budas em Porto Alegre, Almirante Shiva em Brasília, entre outros. Apesar disso, existe uma produção dos anos 2000 que ainda merece uma maior atenção histórica. Muitas bandas deixaram registros importantes do gênero, que aos poucos vão sendo incorporadas na discografia da psicodelia brasileira. Grupos como Mopho, Plástico Lunar, Supercordas, Skywalkers, Pipodélica, StereoVitrola, Laranja Freak deixaram obras que merecem uma audição mais atenta.
Queria que você falasse do Senhor F – como o site foi criado, como evoluiu e como ele funciona atualmente.
Bem, a história da Senhor F começa no final dos anos noventa, em 1998, quando a conexão era basicamente discada, o site de busca top era o Alta Vista, o software de edição era o Front Page e não existia Facebook, nem Twitter. Surgiu com uma cara de zine, baseada em um tripé editorial, que garantiu um crescimento muito rápido em torno dos anos dois mil até meados da década. De um lado, o resgate da história do rock brasileiro, principalmente seu lado B, por outro uma conexão muito estreita com a emergente cena independente, suas bandas, novos selos, festivais. E no terceiro ponto, uma abordagem ainda inicial da música latino-americana, tratando especialmente das cenas sessentistas nos vários países. A partir da criação do Festival El Mapa de Todos, a publicação cresceu a cobertura editorial latina, que passou a ser principal a partir de 2013, com um novo formato visual e de navegação. Atualmente, o portal investe prioritariamente nos temas latinos, mas aos poucos começa a retomar o acompanhamento da cena nacional.
Aproveitando, fale sobre o Mapa de Todos. A quantas anda o festival?
Em sua sexta edição neste ano, dias 12, 13 e 14 de novembro, em Porto Alegre, o Festival El Mapa de Todos, afirmou-se como uma referência para a conexão Brasil – América Latina no terreno da música. Já participaram do festival artistas do porte de Babasónicos, Bomba Estéreo, Xoel López, La Vela Puerca, Los Mentas, Juan Cirerol e Bareto, entre outros. O festival tornou-se conhecido, respeitado, em boa parte pela curadoria ousada, pela manutenção do conceito artístico-cultural-político (no sentido da busca da integração) e pela organização e infra-estrutura de qualidade. Neste ano, o festival passou a ser realizado integralmente em teatros, para nós um facilitador da melhor relação entre artistas e público. Nesse período, contamos com o patrocínio-master da Petrobras, exigente em seus critérios de seleção, o que também demonstra o acerto do trabalho realizado. Neste ano, uma das noites do festival – Milongas Extremas + Vitor Ramil + Onda Vaga – teve “sold out” trinta dias antes.
O Porão do Rock desse ano também deu motivo para o Pinduca escrever um pouco sobre o estado das coisas no rock de Brasília. Vi lá no Senhor F:
“Cheguei a Brasília em 1989, época em que existia uma verdadeira idolatria em relação às bandas da Capital. Lembro de, em minhas primeiras idas ao shopping Conjunto Nacional com a minha mãe, ver vários estandes com camisas que estampavam o nome de bandas brasilienses à venda. Além disso, era comum ter amigos de escola ou de quadra que tinham bandas, numa proporção bem maior do que em outros estados onde havia morado. O rock era uma espécie de orgulho e hábito locais, principalmente para uma cidade nova como Brasília, que ainda buscava a sua identidade cultural.
Viver minha adolescência aqui me fez adquirir uma “alma brasiliense”. E, de uma hora para outra, me vi fazendo parte dessa turma que produzia rock na capital federal. Para a minha geração, dos anos 90, essa história de ser uma banda brasiliense ainda tinha algum valor e rendia até espaço em jornais de outros estados. De certa forma, o estouro nacional da geração anterior (Plebe, Capital e Legião) fazia brotar uma curiosidade por parte tanto do público e crítica brasilienses quanto de outros estados pelo que estava sendo produzido por aqui.”
Sou desta mesma geração do Pinduca, estudamos juntos no Maristão, quando ele ainda tocava no Cravo Rastafari (ou era só o Txotxa e eu tou confundindo?) e zarpei de Brasília rumo à Campinas na mesma época em que a safra Little Quail, Raimundos, Low Dream, Oz e Maskavo começavam a aparecer pelo então ainda decisivo eixo Rio-São Paulo. Pude assistir como cada uma dessas bandas conseguiu sua brecha de sucesso (vi, por exemplo, os Raimundos abrirem para o DeFalla e para o Ratos de Porão no Gran Circo Lar menos de dois meses de fazer o show no Juntatribo que revelou a banda para a crítica paulistana) para, logo depois, perder – cada uma por seu motivo.
Hoje é fácil localizar essa geração de bandas como a segunda onda do rock de Brasília – na época, nos referiamos como sendo a terceira, pois contava-se uma fase de bandas do final dos anos 80, grupos com nomes bizarros como 5 Generais, Marciano Sodomita e Beta Pictoris, completamente desconhecidos no resto do país, mas que por uma faísca de orgulho local disparada pelo trio Legião-Capital-Plebe eram pequenos ídolos locais – tocavam até no rádio. Dessa segunda safra, engolida pelo tempo, só o Finnis Africae e o Detrito Federal conseguiram alguma exposição fora de Brasília. Pra quem era da cidade, qualquer aparição em programa da Cultura em São Paulo (retransmitida para o DF pela TV Nacional) era motivo para celebração.
Mas a geração dos anos 90, no fim das contas, ensina uma nova lição à cidade – a de que é importante fazer música. As três bandas da cidade que conseguiram colocá-la no mapa nos anos 80 definharam na década seguinte e quase todos largaram a música – o Legião acabou após a morte de Renato e sobreviveu em relançamentos e biografias, o Capital tentou resistir na marra e viu até a transformação de Dinho num MPBista eletrônico (enquanto os irmãos Lemos convocavam o vocalista de uma banda chamada Rúcula para o seu lugar) e a Plebe simplesmente acabou. Já a geração dos anos 90 segue firme na música. Os Raimundos continuam na ativa mesmo que apenas como uma paródia de si mesmos. Os três Little Quail ainda mantém-se no ramo – Gabriel é dono do Autoramas, Bacalhau tocou no Rumbora e hoje toca no Ultraje e Zé Ovo segue roadie de bandas. O ex-Marcelo Bighead do Oz virou o Nego Moçambique e até o Giulliano do Low Dream mantém-se DJ. Foram esses caras – junto com mais algumas outras bandas – que criaram a tal cena descrita por Pinduca em seu blog e que fizeram com que Brasília se tornasse uma das cidades com mais tradição em rock do Brasil. O resto do texto segue falando da importância desta percepção até mesmo para a continuação dessa tradição, uma das poucas de uma cidade que não tem nem 50 anos de vida. Vale muito a leitura (a foto eu peguei de uma entrevista que ele deu ao blog Rock Pará).