A volta do Algumas Pessoas Tentam Te Fuder

algumaspessoas

Era inevitável: depois que a mudança para São Paulo permitiu que seu selo Midsummer Madness, um pilar do indie carioca, continuasse existindo, o pioneiro Rodrigo Lariú lança, neste sábado, a versão paulistana de seu festival Algumas Pessoas Tentam Te Fuder, que por oito anos funcionou como vitrine tanto para a cena brasileira no Rio de Janeiro quanto para as bandas do selo. Lariú vem pelas beiradas – e ao transformar o festival em “mini fest”, colocando três bandas para tocar no Z Carniceria (mais informações aqui), ele consegue não só ressuscitar seu histórico festival como reafirmar a postura estética do selo, com muita guitarra, microfonia e músicas em inglês. Loomer, Lava Divers e Second Come – tocando, na íntegra, o clássico disco You – são todas bandas do Midsummer Madness, que ainda comparece na discotecagem com as presenças do próprio Lariú e do Rodrigo Genu, da banda carioca PELVs, também do selo. Conversei com o Lariú sobre a história do festival, a versão paulistana do evento e o que ele pretende lançar até o fim do ano.

O que foi o festival Algumas Pessoas Tentam Te Fuder

A volta do Algumas Pessoas Tentam Te Fuder

Em escala menor

Desde 1989

Merchandising indie

Mais Midsummer Madness em 2016

De volta ao Juntatribo

Culpa do Facebook, que agora tem uma página em homenagem ao clássico festival campineiro. Um resumo bem 3 x 4 na matéria abaixo, da EPTV.

Traduzindo: foi o início do rock alternativo no Brasil de fato, quando o movimento paralelo às gravadoras e rádios começou a se tornar nacional a partir de um festival realizado fora de uma grande capital. O Junta foi imaginado pelo Marcelão, que na época tocava com o Waterball, e executado pela dupla Sérgio Vanalli e Thiago Mello, que editavam o fanzine Broken Strings. O festival teve duas edições, ambas na Unicamp: na primeira, em 93, mais guitar e hardcore, a principal revelação foi os Raimundos, mas a banda de Brasília já estava no radar do jornalismo musical brasileiro há alguns meses e o show no Juntatribo (marcado em cima da hora) foi quase que a explosão de uma banda relógio. A principal atração da primeira edição foi reunir a primeiríssima geração daquele novo rock independente brasileiro (que cantava em inglês e existia basicamente entre o Rio e São Paulo) num mesmo evento: Mickey Junkies, Killing Chainsaw, Pin Ups, Second Come, Safari Hamburgers e Low Dream (a outra representante de Brasília). Os Raimundos funcionaram quase como um brinde para o festival. Assisti à maioria dos shows sem nenhum distanciamento crítico: era apenas estudante da Unicamp e a realização de um festival daqueles, feito na raça por pessoas que eu conhecia pessoalmente, era exatamente o que eu esperava da vida na universidade.

No ano seguinte, já estava trabalhando em jornal (no Diário do Povo) e ajudei a pensar a edição especial que cobriria a segunda edição do evento, que já ampliou seu leque musical e cuja principal atração era um grupo de rap novíssimo do Rio de Janeiro, um certo Planet Hemp. A edição de 94 foi marcada pela desorganização em alta escala, uma vez que a popularidade posterior do primeiro Junta trouxe dezenas de carros cheios de malucos da capital e de todo o interior de São Paulo para o festival. Já no primeiro dia, o palco desabou. O que transformou o segundo dia em uma maratona que começou ao meio-dia e terminou às cinco da manhã do dia seguinte, algumas horas antes dos shows do último dia começarem.

Foi um festival importante pra muita gente, que passou a aprender o que era rock alternativo, cultura independente e a lógica do faça-você-mesmo na prática e que cultivou sementes que brotariam no decorrer da década e que até hoje estão aí. E isso num tempo sem internet, sem MP3, sem blog, sem rede social, sem podcast, sem YouTube. Era tudo na base da carta, do xerox, do VHS, da fita cassete e do flyer. Parece que se passaram uns cinquenta anos.

A página do Feice do festival é essa. Curte lá.

Fábio L. (1963-2009)

Lariú acabou de forwardear o seguinte email do Francisco Kraus, ex-baixista do Second Come, sobre a morte de um dos fundadores da banda que, no Rio de Janeiro, ajudou essa tal “cena indie” que hoje habitamos a começar a andar. No assunto do email, o título da música que abre o disco-chave da banda, You, “I Feel Like I Don’t Know What I’m Doing”:

Estranho isso, mas neste momento, realmente não sei o que faço.

Acabei de receber uma notícia extremamente triste e a única frase que me veio foi o nome desta música.

Hoje, lá pelas três da tarde, faleceu o Fábio Leopoldino. Fábio L., como na época do Second.
Segundo informações de um amigo comum, que foi avisado pela mãe do Fábio, ele teve um infarto e não chegou sequer a receber socorro. Apenas pediu a mãe que ficasse com ele. Poético, como foram suas composições.

Durante alguns anos, após o final do Second Come, fiquei sem falar com ele.
Vários foram os “motivos” que me levaram a acreditar que eu estava certo.
E vários foram os motivos que me levaram a acreditar, depois, que estava errado.
Quando voltamos a conversar foi ótimo. E libertador.

Mas agora não valem mais as palavras.

Apenas peço que os que o conheciam, pessoalmente ou por suas músicas, desenhos, contos, etc. lembrem dele agora de uma forma boa, com aquele pensamento bom que poucas vezes temos na vida. E que essa luz o ajude nesta passagem.


F. Kraus

Era uma época em que bandas covers que tocavam fantasiadas como os artistas que imitavam eram levadas a sério e quando o rock dos anos 80 começou a dar sinais de velhice precoce. Passada a lambada, três gêneros que dominariam os anos 90 (pagode, axé e sertanejo) começavam a por as manguinhas de fora e fagocitar todo o espaço conquistado pela música pop da década anterior. A MPB já se autocelebrava e a MTV Brasil ainda estava tateando rumo ao rock alternativo quando o Second Come existia. Era a versão carioca de um movimento que, em São Paulo, era encabeçado pelo Pin Ups, Killing Chainsaw e Mickey Junkies, mas que aos poucos encontraria eco em todo o Brasil. Cantando em inglês quase como provocação (depois de um tempo, o gênero tornaria-se bilíngüe), essas bandas abriram, na marra, o caminho que depois foi pavimentado pela geração Raimundos, Pato Fu, Chico Science & Nação Zumbi, Skank, Planet Hemp e Graforréia Xilarmônica, e plantaram a semente deste mesmo indie brasileiro que levou o Cansei de Ser Sexy ao estrelato no exterior, criou a Abrafin, alimenta a TramaVirtual e o MySpace Brasil e movimenta discussões sobre o futuro da indústria da música. Tudo era muito adolescente, impulsivo e intuitivo, mas nem por isso menos importante. Claro que não vai ter matéria no Jornal Hoje, nem um espaço maior do que uma notinha num caderno de cultura, embora pudesse render. Mas Fábio não estava preocupado com esse tipo de repercussão.

Pra quem quiser conhecer mais o trabalho dos caras, o Lariú está colocando toda discografia do grupo em MP3 na página deles do Midsummer Madness.


Second Come – “I Feel Like I Don’t Know What I’m Doing

Indie 25

Lista complicada, o critério definido para determinar o que é ou o que não é rock independente é curto e grosso: se tem dinheiro de empresa grande, não é indie. Assim, os altos e baixos do rock nacional no mercado de discos dão a tônica da produção independente nos últimos vinte anos. Até o começo dos anos 80, ser independente era uma atitude, um manifesto – como foram os discos da fase Racional de Tim Maia e a idéia original do selo de Luís Carlos Calanca, a Baratos Afins. Mas a explosão do rock na década de 80 praticamente extinguiu a produção indie, tamanha era a demanda das grandes gravadoras – e grupos independentes por definição musical tiveram seus discos lançados por majors. A estréia de Lobão, Cena de Cinema, de 1982, por exemplo é uma demo gravada em vinil. Nos anos 90, a chegada da MTV e o sucesso do Sepultura no exterior impulsionam o faça-você-mesmo e o rock independente vive o nascimento de um mercado que começaria a se organizar nos anos seguintes. O sucesso do plano Real, em 94, determina o futuro deste mercado: se por um lado abre a possibilidade de se adquirir tecnologia graças à paridade com o dólar, por outro exclui o elitismo musical do mercado de discos, voltado apenas para classes populares. Isto aumenta a produção caseira e equipa uma primeira geração de computadores que, graças à internet, passa a se comunicar com mais agilidade e para um público específico. Chegamos ao século 21 com uma produção madura e plural, disposta a conquistar o Brasil e o planeta.

Os 25 discos abaixo são as pedras fundamentais na formação de um mercado independente, tanto do ponto de vista comercial como artístico. Cada um deles marca uma etapa concluída, um novo patamar e uma novidade no complexo jogo do rock brasileiro indie, cada vez menos abaixo e mais ao lado do pop endossado por patrões abonados, mesmo aqueles lançados sob uma chancela “indie” (como o selo Plug da BMG, o Banguela da Warner, a Tinitus que era distribuída pela PolyGram ou o Chaos da Sony). Para facilitar a compreensão e não confundir a história, o foco fica apenas no formato rock, excluindo outros agentes cruciais para a formação do mercado independente (como hip hop, heavy metal, eletrônico e hardcore). Se não, era assunto para páginas e mais páginas…


1) Singin’ Alone – Arnaldo Baptista (1982)
Marco zero da produção independente como nós conhecemos, é o primeiro lançamento da Baratos Afins e o alerta “o sonho acabou” para a geração que cresceu à sombra dos Mutantes. Um novo rock estava começando a tomar conta do Brasil (à base do chopp e batata frita) e Arnaldo Baptista chorava as próprias mágoas ao piano, atormentado emocionalmente, com baladas cruas e muito rock’n’roll. Bem distante do sol carioca que começava a bronzear o rádio.


2) 3 Lugares Diferentes – Fellini (1987)
MPB maldita, cool wave, pós-punk, bossa nova, África, cult band, art rock… Conceitos que fervilhavam no underground oitentista se encontraram numa mesma banda. Formada pelos jornalistas Cadão Volpato e Thomas Pappon, o Fellini contava com a participação de Ricardo Salvagni para gravar seu álbum menos enigmático e mais, er, pop. Entre o rock europeu e a melancolia brasileira, eles sintetizavam sentimentos que anos depois seriam traduzidos em um único adjetivo: indie.


3) O Ápice – Vzyadoq Moe (1988)
Na Sorocaba pré-Wry, o clima europeu era mais alemão do que inglês. Culpa do noise dada do Vzyadoq Moe, performáticos orgânicos que partiam pra cima do público. Menores de idade e fartos de punk rock, abraçavam o drone, o cabecismo, o ritmo kraut e o industrial desplugado, especialmente na percussão ferro-velho. O Ápice vale seu título por optar pela independência, enquanto irmãos de sonoridade do grupo (o mineiro Sexo Explícito, os cariocas Black Future e Picassos Falsos) fecharam com a certeza do contrato com grandes patrões.


4) Cascavelettes (1988)
Antes de serem banalizados por um hit na novela Top Model, pelos mimos do superstarismo e muito antes do forróck boca-suja dos Raimundos, os Cascavelettes inauguraram a fase moderna do pop gaúcho, separando os contemporâneos do Liverpool e a geração Rock Grande do Sul como farinha do mesmo saco. Usando o palavrão com motivos rock’n’roll (o rock brasileiro só os usava com motivos punk, ressaca da Censura), o grupo era um misto de Ramones pornográficos com New York Dolls machistas e seu primeiro disco (lançado um ano antes do sucesso de “Nega Bom-Bom”) mostra a disposição para injetar algo mais do que energia no indie nacional. As demos da época, todas batizadas com o nome da banda, mantém o “nível”.


5) You – Second Come (1991)
Este é o único disco do selo Rockit!, do guitarrista da Legião Dado Villa-Lobos, que pode ser considerado independente – já que o sucesso underground que fez esgotar a tiragem inicial de 3 mil discos fez crescer o olho da inglesa EMI-Odeon, que abduziu a marca. A estréia do Second Come, influenciada diretamente pelo sussurrado rock inglês pós-Madchester e pelas convulsões noise pré-grunge do underground americano, abre a segunda fase do indie brasileiro que, devido à onipresença do instrumento, começa a ser definido, anglofonamente, de “guitar” (as duas pronúncias são permitidas).


6) Little Quail and the Mad Birds (1992)
Depois de tentar seguir os passos da geração Legião-Plebe-Capital (em vão, culminando na geração do seminal Rock na Rampa, em 1987), o rock de Brasília volta-se para dentro e a capital do Brasil começa a ebulir culturalmente. Disputando cabeça-a-cabeça o título de melhor banda com o Low Dream e o de melhor demo com o Oz (a excelente Trés Bien Mon Ami), o Little Quail ganha por não soar derivativo de ninguém (nem de My Bloody Valentine, nem de Pixies). A fita é uma ótima desculpa para caçar os registros sonoros do rock candango do começo da década, que vão da fase rock do Pravda aos primórdios dos Raimundos, passando pelas excelentes, e esquecidas, Succulent Fly e Sunburst.


7) Killing Chainsaw (1992)
São os piracicabanos do KC que colocam o rock do interior de São Paulo no mapa da década de 90. O LP homônimo, lançado pela loja de discos Zoyd e sampleando o anime Akira na capa, é o ponto inicial de uma geração que deu ao Brasil instituições célebres do underground, como a casa noturna Hitchcock (em Santa Bárbara d’Oeste), o zine Broken Strings, o festival Juntatribo, a rádio Muda e o estúdio Arenna (todos estes em Campinas), além de bandas que iam do punk pop do No Class ao samba-noise do Linguachula e o industrial nerd dos Concreteness. Além de iniciar a fase caipira do indie nacional, o Killing ainda se orgulhava de seu inglês brasileiro, com sotaque “tchu” em vez de “to” e sem brit-frescuras. O rock aqui é ligado na tomada e na distorção, de pai Sonic Youth e mãe J&MC.


8) Rotomusic de Liquidificapum – Pato Fu (1993)
O disco mais esquisito da gravadora mineira Cogumelo (que já contava com esquisitices como o disco sub-Red Hot do DeFalla ou o caos sônico do Holocausto) também é o disco de estréia do Kid Abelha dos anos 90. Estranho, não? Que nada. Estranho é ouvir a versão speed para “Sítio do Picapau Amarelo” ou um hino mosh baptchura cuja citação da Unimed levou o grupo a tocar no comercial do plano de saúde. E que tal o medley esquizofônico que batiza o disco, que cita, sem pudor, os Flintstones, Kiss, baião, funk metal e beats eletrônicos? Muito mais John do que Fernanda Takai, é o disco do trio mineiro que os fãs de Mike Patton mais gostam. Com razão.


9) Scrabby? – Pin Ups (1993)
Lançado pela Devil e produzido por João Gordo, o terceiro (ou segundo, se não contarmos o LP do projeto Gash) disco dos pais do indie 90 é também seu disco mais sombrio e pesado. Fora as referências inglesas, entra o lado mais caótico e, hm, “visceral” da banda. Gravado com sua formação clássica, é uma mistura de Funhouse (dos Stooges) com Berlin (do Bowie). É o ápice das guitarras de Zé Antônio. “Acho que esse foi o disco que mais teve briga no estúdio”, lembraria o vocalista Luís Gustavo anos depois”, eu nunca vi tanta gente chorando, berrando, a Alê chorando num canto, o Marquinhos no outro”.


10) Mod – Relespública (1993)
Curitiba tem a péssima reputação de não produzir registros sonoros à altura das apresentações ao vivo de suas bandas. Discos e fitas funcionam mais como “guias” sobre o que esperar de determinado grupo do que reproduções in vitro de suas performances instantâneas. Da mesma forma, a cidade não possui rock de laboratório, aquele feito para viver em estúdio. Talvez isto explique o paradoxo fundamental da capital do Paraná: quanto mais bandas a cidade produz, menos elas se destacam em nível nacional. O primeiro compacto da Relespública (ainda com o enfant terrible Daniel Fagundes, vocalista, morto aos 16 anos) pertence à primeira safra do indie rock da cidade, custeado pela gravadora Bloody que pertencia ao mesmo JR que é dono do lendário club 92 Degrees. Com três faixas (“Capaz de Tudo”, “Preciso Pensar” e “Quem é Que Entende o Mundo?”), o vinil fala mais do rock de Curitiba do que todas compilações lançadas em seu nome.


11) Nunca Mais Vai Passar o Que Eu Quero Ver – Doiseu Mimdoisema (1994)
A influência que a Graforréia Xilarmônica, uma das dissidências dos Cascavelettes, teve sobre o rock gaúcho é muito maior que o séquito de fãs que o grupo preserva até hoje. Graças ao improvável gosto musical de seus líderes, Frank Jorge e Marcelo Birck, despertou-se no pop riograndense o prazer em redescobrir a Jovem Guarda, encravada na memória genética do estado. Esta redescoberta trombou irresistivelmente com os prazeres de uma recém-descoberta paixão gaúcha, o experimentalismo no estúdio em tempos de gravação caseira. Diego Medina fez a fita para um amigo de farra, mas a contagiante “Epilético” pulou do som da sala de estar para as ondas do rádio e virou hit local instantâneo. Medina continuaria suas experiências pop no futuro (Grupo Musical Jerusalém, Video Hits, Senador Medinha), mas sem conseguir reencontrar a ingenuidade da primeira fita, que está para o rock gaúcho atual como Angel Dust, do Faith No More, está para o novo metal.


12) Uh-La-La – Dash (1995)
Antes de provocar suspiros com seu baixo Danelectro a bordo dos Autoramas (e ao lado do ex-Little Quail Gabriel Thomaz), Simone do Vale era a líder de um supergrupo indie carioca. Gritalhona e com jeito de moleque, ela era uma das guitarrista do grupo, ao lado de Diba Valadão (na outra guitarra), Formigão (que depois entrou para o Planet Hemp, no baixo) e Kadu (ex-Second Come, na bateria). O hit “Sexy Lenore” transformou a demo Sex and the College Girl num hit do underground do Rio e fez com que o grupo fosse sondado pela misteriosa gravadora Polvo, que lançou o único CD da banda, pra ninguém. Com a capa desenhada por David Mazzuchelli, o disco passou por uma série de empecilhos que o tornaram item de colecionador. O ano era 1995, as grandes gravadoras tinham dado as costas para o rock, as pequenas perdiam ilusões de vendagens altas e vários picaretas apareceram no meio da história. O disco do Dash é apenas um dos muitos exemplos de uma geração pega com as calças na mão.


13) 100 Km c/ 1 Sapato – Lacertae (1995)
Ao mesmo tempo, o Lacertae, no Sergipe, abria uma em muitas possibilidades. Depois da seca de 1995, o mercado independente passou por uma brusca horizontalização, e sua pluralidade tornava-se sua principal qualidade. Assim, bandas de lugares sem tradição passavam a ganhar espaço no cenário, quebrando o eixo Rio-SP-BH-Brasília-PoA-Recife que já havia quebrado o RJ-SP original no começo da década. A cena começa a fragmentar-se não apenas em lugares diferentes (cidades como Goiânia, Londrina, Salvador, Fortaleza, Florianópolis, Vitória e Maceió reivindicam na marra seu próprio espaço, nos anos seguintes) mas em gêneros improváveis. Se a MTV e o Sepultura criaram um hiato noise/guitar/heavy com bandas cantando em inglês e tentando, sem sorte, o mercado exterior, a fita de estréia do Lacertae é o elo perdido entre o pop dos anos 90 e o experimentalismo dos dias do Vzyadoq Moe. Hendrix, discursos concretos e uma bateria com berimbau também mostravam que o Nordeste estava em plena ebulição artística depois do mangue beat.


14) Carbônicos – The Charts (1996)
Com a fragmentação da cena independente, São Paulo entrou numa onda retrô semelhante à gaúcha, disposta a resgatar valores sessentistas a um pop perdido entre a rádio e o anonimato. Antecipando a onda kitsch que veio com Austin Powers e o box-set do disco Nuggets, a cena paulistana passou por uma estilização visual e sonora que mais tarde seria referida, de forma irônica, como a cena “churly”. Os responsáveis pela popularização desta nova fase seria o grupo comandado por Sandro Garcia, que teve seu único disco lançado pela loja Suck My Discs dos jornalistas/músicos Alex Antunes e Celso Pucci (outra ponte dos anos 90 com o cult rock dos 80). Garcia, dono do famoso estúdio Quadrophenia, mais tarde fundaria o Momento 68 com o vocalista da banda gaúcha Lovecraft, Plato Divorack, selando assim a paixão de São Paulo e Porto Alegre pelos anos 60. (Plato aliás é a grande ausência desta lista, talvez por nenhum disco sintetizar toda a complexidade do artista).


15) Learn Alone Or Read The User’s Manual – Sleepwalkers (1996)
Aqui vamos ter motivos de sobra para reclamações. Afinal, muitos vão falar dos tempos do baterista Farmácia ou da clássica Sick Brain in Sue’s Coffee, gravada um ano antes, quando muitos sequer reconhecerão a presença da banda. O fato é que os Sleepwalkers foram a melhor banda de indie rock, em todos os sentidos, que o Brasil já teve, deixando para trás concorrentes de peso como os goianos Grape Storms, a carioca PELVs e o Grenade de Londrina. A sonoridade lo-fi, o tratamento de guitarras, o senso melódico, os refrões, o apelo pop – as qualidades do grupo catarinense podem encher parágrafos e mais parágrafos. Mas além de sua qualidade, sua importância se dá por tirar o pop catarina da vibração riponga de bandas como Phunky Buddha e Dazaranhas. Depois deles, vieram o Feedback Club (da ex-sleepwalker Sabrina), o Superbug, os Pistoleiros, o Pipodélica e as gravadoras Low Tech e Migué Records, dando força à cena ilhéu de Floripa.


16) Baladas Sangrentas – Wander Wildner (1997)
Luminar do punk brasileiro para as massas dos anos 80, o ex-vocalista dos Replicantes seguiu os passos da primeira safra dos anos 90 (comprada pelas majors) e o moldou para o underground. Como os Raimundos tinham o forró, o Planet Hemp tinha a maconha e o mangue beat, os caranguejos; Wander inventou uma máscara para facilitar sua absorção pelo mercado – e com o rótulo “punk-brega” vendeu-se para uma nova geração ao mesmo tempo em que amadurecia sua personalidade pública. Mas, mais importante, a carreira solo do velho WW era uma prova cabal que o rock independente pouco tem a ver com juventude ou faixa etária.


17) Menorme – Zumbi do Mato (1997)
O Zumbi do Mato é o som que Fausto Fawcett e Arrigo (ou Paulo) Barnabé fariam juntos se tivessem alguma afinidade. Mas, mais do que isso, é o ponto de convergência de diversos aspectos do pop carioca, representados por diversas instituições. Há o humor doentio do Gangrena Gasosa, a explosão cênica de Piu-Piu & Sua Banda, a podreira das primeiras fitas do Pólux, as gravadoras Tamborete (do jason Leonardo Panço) e Qualé Maluco (dos planet hemp B-Negão e Formigão), a repetição do Stellar, o choque de Rogério Skylab e o som metal da segunda vinda do Second Come. Além disso, o grupo continua o legado experimental retomado pelo Lacertae que resultou na safra de vanguarda da virada do século, com nomes como Objeto Amarelo, os Jersssons (São Paulo), Os Legais (SC) e Vermes do Limbo (Londrina).


18) A Sétima Efervescência – Júpiter Maçã (1998)
O disco de estréia do ex-cascavelette Flávio Basso é um passo adiante nos conceitos vendidos pelos Charts e por Wander Wildner. Rock adulto, retrô e psicodélico, A Sétima Efervescência sagrava a maturidade da mesma geração que havia tomado a porta-na-cara das gravadoras depois da efervescência do biênio 93/94 e a independência do formato perseguido pelas gravadoras, sem deixar de soar pop, brasileiro e cantando em português e inglês. É o primeiro blip no radar de um mercado que viria, em menos de um ano, a galinha de ouros do trio sertanejo-axé-pagode começar a dar com os burros n’água.


19) Chora – Los Hermanos (1999)
A segunda fita do quinteto Los Hermanos escancarava um pop estritamente radiofônico que foi forjado longe do universo do mercado fonográfico. O grupo liderado por Marcelo Camelo era a continuação do trabalho de uma geração de bandas cariocas que misturavam ska, funk, reggae e samba (nomes como Los Djangos, Acabou La Tequila e, mais tarde, Pedro Luís & A Parede). Mas o grupo ia além e se alinhava ao ecletismo chique de bandas de sua geração, como 4-Track Valsa, Vibrossensores, Vulgue Tostoi, entre outros. Fora os maneirismos apaixonados (que levaram a banda receber rótulos como romanticore e pop brega), a fita mostrava que as possibilidades cogitadas por Júpiter Maçã poderiam ser exploradas a fundo, tanto artística quanto comercialmente. Mas o mercado, acostumado com seu próprio toque de Midas, comprou a banda e forçou “Anna Júlia” a fazer sucesso, overdosando o público do que poderia se tornar os Paralamas do século 21 (e ainda pode, apesar de tudo).


20) Astromato (1999)
Continuação dos experimentos noise e industrial da época do Waterball (92-95), o Astromato era filho direto do Weed, banda de pop guitarreiro britânico que, brincando com as palavras, passou a compor em português e se deu bem. Sua primeira fita era mais um degrau na escalada que o indie brasileiro dava rumo à sua auto-suficiência artística. Se gaúchos e cariocas ajudavam o rock a perder o jeito de moleque, os campineiros explicavam que algumas qualidades (como sensibilidade e timidez) não pertenciam à adolescência. Além disso, a dupla de guitarras Armando e Pedro tramavam texturas sônicas à moda das bandas inglesas que tanto influenciaram o indie no começo dos anos 90 (e que ainda repercutiam, graças a bandas como os mineiros Vellocet, o carioca Cigarettes e os catarinenses Madeixas). Aos poucos, o ciclo vai se fechando.


21) De Luxe 2000 – Thee Butchers’ Orchestra (1999)
Cru e direto, o TBO é a melhor banda de rock’n’roll brasileira na ativa e sua existência se deve à dissidência garageira que rompeu com o indie no meio dos anos 90. Seu núcleo central era o trio da gravadora Ordinary (a produtora Deborah Cassano, seu marido Marco Butcher, ex-Pin Ups, e o guitarrista e produtor Adriano Cintra), que, além dos Butchers’ foi responsável pelo lançamento de bandas como Ultrasom (de Adriano), Red Meat, Spots, Grenade, entre outras. Mais do que agitar o underground com duas guitarras e uma bateria, o Butchers’ está ligado à fase de ouro do indie anos 90, quando o rock brasileiro começou a conversar com os gringos, sem passar pelos veículos oficiais.


22) It’s An Out of Body Experience – Grenade (1999)
O Grenade era o próximo patamar. Fruto dos experimentos lo-fi do ex-Killing Chainsaw Rodrigo Guedes, o grupo nascia em Londrina e logo se tornava um dos maiores nomes do indie nacional. A repercussão se dava graças à sensibilidade de Rodrigo, pai de riffs memoráveis, melodias pop ao extremo e pirações em estúdio. O som ia do rock clássico ao hardcore, passando por folk e indie rock. Lançado no exterior, Out of Body Experience poderia é a conclusão lógica do longo passeio que o rock independente fez durante a década de 90.


23) Brincando de Deus (2000)
O terceiro disco destes baianos deveria ter o título que Experience, do Grenade, levou. Afinal, seria lançado um ano antes e produzido por Dave Friedmann (Flaming Lips, Mercury Rev, Mogwai) caso todo seu equipamento e pré-produções não fossem perdidos num incêndio. O grupo se refez e, ao lado do talentoso produtor e tecladista André T. (responsável pela sonoridade de novos baianos como Rebeca Matta e a banda Crac!), gravou seu álbum definitivo, imbatível. Um disco que poderia ser lançado no mercado exterior sem dificuldades e que, apesar da anglofilia, é essencialmente brasileiro.


24) Peninsula – PELVs (2000)
Completando dez anos de banda e dez anos do selo carioca Midsummer Madness, a PELVs faz um disco igualmente robusto como o do Brincando de Deus, mas cheio de ganchos pop e melódicos. Uma obra-prima do indie nacional, Peninsula soa como todos os independentes querem soar: profissa, autêntico, despreocupado e livre, como se o mercado de discos brasileiro permitisse isto. Se ele não permite, a deixa fica para o indie.


25) O Manifesto da Arte Periférica – Wado (2001)
Além de coroar a recente produção de Maceió (a saber, Varnan, Mopho e Sonic Junior), o disco de estréia do ex-Ball Oswaldo Schlickmann é o auge da produção independente brasileira dos últimos 20 anos. Tem todas as qualidades dos discos citados nesta lista, além de falar em português, compor letras certeiras e experimentar à vontade no estúdio. Se chegamos até aqui com este nível, daqui pra frente é só crescer.

Não lembro pra quem eu escrevi esse texto… Acho que foi pra Zero.