África-São Paulo


Juçara, Décio, Kiko, Maurício, Thiago e Cris

Participei da entrevista que o Douglas e o Renan fizeram no especial África em São Paulo, capa do Divirta-se dessa sexta, que pega o gancho da Festa Fela (neste sábado) para falar sobre com o continente negro vem influenciando pesadamente a nova música paulistana. Conversamos com três integrantes do Bixiga 70 (Maurício, Décio e Cris), que lança seu primeiro disco na festa de homenagem ao aniversário de Fela Kuti, e os três autores do disco Metá Metá (Thiago, Kiko e Juçara) sobre o que está acontecendo em São Paulo, enquanto passeávamos pelo Museu Afro Brasileiro, no Ibirapuera.

Todo mundo vai dançar
Músicos dos bons foram buscar no afrobeat e em outros ritmos africanos a receita para pôr São Paulo inteira para balançar. Você não vai ficar de fora, vai?

A noite de São Paulo está ficando com cara de baile e a frase ‘sair para dançar’ passa a fazer (ainda mais) sentido. Não é por acaso. Pode ser que você não tenha se dado conta, mas a influência africana no trabalho de artistas presentes nas festas paulistanas está cada vez mais nítida. Seja nas excelentes composições de Kiko Dinucci; no saxofone inspirado de Thiago França em bandas como Sambanzo e MarginalS; no festejado disco ‘Nó na Orelha’, de Criolo; no trabalho de cantoras como Juçara Marçal, Anelis Assumpção e Céu, entre muitos outros.

E, não, não esquecemos da banda Bixiga 70, que lança amanhã (15) seu primeiro EP, ‘di Malaika’, na 5ª edição da Festa Fela – que, veja bem, foi criada para comemorar o aniversário do lendário pai do afrobeat, Fela Kuti.

Para entender como a cidade começou a ser tomada pelo suingue vindo da África, convidamos seis músicos importantes neste processo para um encontro com cara de papo de bar, mas no Parque do Ibirapuera, dentro do Museu Afro Brasil – que, vale lembrar, faz sete anos no próximo dia 23. Douglas Vieira

UMA ÁFRICA PARA CADA UM
Thiago França: “A África para a gente é meio a história do disco do Rodrigo Campos. É uma África fantástica. São impressões que a gente tem e traz para o nosso contexto, que não deixa de ser São Paulo em nenhum momento. A gente nunca foi lá. É YouTube, Wikipédia… Foi a internet. A gente foi sacar Fela Kuti vendo essas coisas, vídeos de shows… Foi o YouTube.”
Cris Scabello: “A internet foi muito importante. Potencializou muito esse encontro, essa conexão com o público. Mas tem de tudo, não é só o povo da internet.”
Décio 7: “Quando a gente começou com o dub, as pistas esvaziavam. Hoje está em tudo. Eu acho legal ter uma pesquisa e as pessoas estarem a fim de ouvir. O momento é outro. Na época não tinha internet forte. O (produtor musical) Ganjaman falou outro dia que afrobeat é o novo dub. E está em tudo, desde o Chico Science até a Céu, o Curumim… O público sabe dançar e sabe o nome. Isso muda tudo.”
Thiago: “Acho que é consequência do momento histórico que a gente está. Aqui em São Paulo tem gente com a cabeça muito aberta para som, que vai ver o Bixiga, o Metá Metá, o Criolo, ouve música eletrônica e vai na Sala São Paulo também.”

MAIS BANDAS, MAIS PÚBLICO
Cris: “É um fato. Tem mais bandas, mais público, mais mídia, mais tudo de uns dois ou três anos para cá. E é meio ‘porque eu não pensei nisso antes?’ Estão fazendo isso desde os anos 60. Por que não existia uma banda de afrobeat em São Paulo? E existe uma procura maior pelo assunto agora.”
Kiko Dinucci: “A maioria dos músicos da nossa geração têm algum namoro com a África. Seja no ritmo, na linha melódica… Não acho que existem grupos de música africana e nem tem que ter. Está bom assim. Cada um fazendo seu som e a gente vai parar na África ou no Japão. Ou em qualquer lugar que a gente queira, porque a gente tem internet e pode ouvir músicas do mundo inteiro.”
Mauricio Fleury: “E a gente é músico. Então a gente se encontra, toca um com o outro.
Tem uma troca. Cada um vai colocando seu elementinho no disco do outro.”
Thiago: “Mas se você for fazer um show em uma balada na Vila Olímpia já não vai rolar.”
Décio 7: “Não tem mais as tribos, mas São Paulo ainda tem uns recortes bem definidos.”
Juçara Marçal: “Por isso não dá para falar em movimento. Não é uma cena. São muitas.”
Cris: “A gente quer muito sair desse circuito Sesc, Vila Madalena, Augusta. Quer fazer essa movimentação. Mas a gente sabe que não vai ser simples.”

NOVOS RITMOS, SEM MESMICE
Juçara Marçal: “Quando se pensa em música africana, muitas vezes se pensa em um tipo de ritmo. Mas a riqueza da música africana é justamente a polirritmia, que não pode ser enjaulada no samba, como vinha sendo feito. É muito mais rico e muito mais variado.”
Kiko: “Me incomodava todo mundo tocando como um velho de 80 anos. Padronizou muito a batida. O pandeiro tem que ser assim, o tamborim, assado… Comecei a achar o samba sem suingue. A África estava escondida. Comecei a prestar atenção em samba de bumbo, jongo, batuque, terreiros… Fui fazer o filme sobre Exu e, quando vi, já estava compondo usando a estrutura dos tambores.”
Cris: “Para mim, o afrobeat veio mais travestido pelo Gilberto Gil, pelo Chico Science, pelos ‘Afro-Sambas’ (disco de Baden Powell e Vinicius de Moraes) – mesmo sendo anterior ao Fela.”
Kiko: “Tem coincidências no Brasil.”
Mauricio: “Tem a música ‘Saudação a Toco Preto’, do Candeia.”
Kiko: “Essa música é um ponto de terreiro.”
Mauricio: “Mas tem arranjo de afrobeat, com metais. A gente começou com sonoridades afro. Mas quando a banda começou a andar, e a gente sempre buscou um trabalho autoral, a galera foi voltando para o que já tinha. É sempre falar da gente. Não é ficar tentando reproduzir o Fela. Isso não passa nem perto da gente. São 10 caras, cada um com um background diferente. Todos procuravam esse suingue e todo mundo está feliz de colocar isso no Bixiga.”

DEIXA TOCAR
Thiago: “Eu sempre procurei uma coisa mais suingada. Estava em busca de alguma coisa que só fui saber o que era muito tempo depois. E, em 2007, comecei a ter uma vivência em terreiros e caiu uma ficha do lance de ficar tocando e deixar o pessoal dançar. O afrobeat no Sambanzo não é estudado. É deixar tocar.”
Juçara: “Na Barca, que começou em 1998, percebemos a riqueza da cultura popular. Isso levou a gente até cantigas, doutrinas e tradições de cerimônias afro-brasileiras. Tinha muita presença africana.”
Kiko: “O Bixiga é afrobeat, mas se toca alguma coisa mais latina, sai da Nigéria e entra em outros países da África. E eu fico atento para acontecer isso com a gente. Se alastrar mais. Não ficar restrito a um país. Tem Senegal, África do Sul… ”
Décio 7: “A galera está a fim de dançar. Você percebe nas festas. E o Bixiga é instrumental. As pessoas nem ficam olhando para o palco. É baile mesmo.”
Décio 7: “Tem essa cultura vintage, de procurar coisas antigas. As pessoas querem ouvir isso. E o Bixiga é muito orgânico. É 1, 2, 3 e sonzera. Olho no olho.”
Décio 7: “Tem muita gente.”
Juçara: “Tem o Siba, com um disco muito forte. Tem o Rodrigo Caçapa, grande referência. Douglas Germano.”
Décio: “O Afro Electro, que está há tempos tocando. A Céu e a Anelis Assumpção.”
Mauricio: “Vai sair um compacto do Bruno Morais com a gente de um lado e o Kiko do outro.”
Cris: “E acho que vai crescer exponencialmente.”
Thiago: “Tudo sinaliza para isso.”
Kiko: “Espero que sim.”

Quem é quem
Cris Scabello: dedicado ao groove desde os tempos do grupo de percussão Olho da Rua, foi precursor do dub na noite paulistana.
Décio 7: também do Olho da Rua, o baterista tem longa história no reggae e no dub, estilos que o ‘levaram’ à África.
Juçara Marçal: dona de uma voz suave e bela, que se encaixa perfeitamente nas composições do amigo Kiko Dinucci.
Kiko Dinucci: no Bando Afromacarrônico, no Metá Metá, ou em outros projetos, usa com classe as referências afrorreligiosas.
Mauricio Fleury: dono de um piano elétrico cheio de groove, é do Bixiga 70 e do coletivo de DJs Veneno Soundsystem.
Thiago França: um saxofonista que cai perfeitamente no jazz, no afrobeat, no samba e em qualquer outra coisa com groove.

Trabalho Sujo + Veneno na Trackers – de novo!

Sem muito alarde, de uma hora pra outra, véspera de feriado, lua cheia, Venenos + Psycho na pista analógica, Gente Bonita + Camilo Rocha + Awe Mariah (é, Helô e as amigas estreando nas pistas) no lado digital. O lugar é aquele de sempre, a Trackers. Vai ser HISTÓRICO.

“You’re Lebowski, I’m the dude”

E a festa Lebowski deu tão certo que já apareceu mais gente disposta a sediá-la, olhaê na Folha de ontem. Vamo conversar aê!

Higher than the Sun: Primal Scream e o Screamadelica ao vivo em São Paulo

Que show incrível esse de sábado, hein… Fácil fácil um dos melhores shows do ano.


Primal Scream – “Higher than the Sun”

Tu foi? Que achou?

 

Cronenberg, corpo e tecnologia

Eis a íntegra da entrevista que fiz com o Tadeu Capistrano, curador da mostra Carne Viva, sobre o mestre David Cronenberg – que saiu na última edição do Divirta-se.

 

Cinco anos de Gente Bonita!

Há cinco anos desmereciam o mashup como moda passada, nicho geek ou um jeito fácil de remixar uma música, quando começamos a erguer a bandeira do gênero no Brasil. Em setembro de 2006, no falecido Bar Treze, em frente à Faap, tinha início uma nova era da noite paulistana, quando os brasilienses Luciano Kalatalo e Alexandre Matias juntaram suas forças para mudar o jeito de se fazer festa. Era um tempo em que indies só ouviam new rock e indie rock, manos só ouviam hip hop, dance music era coisa de playboy e roqueiros dançavam fazendo air guitar. A norma da noite era a cara fechada, o ar blasé, virar o rosto se alguém tivesse tirando foto. Em nossas jornadas noturnas por aquela São Paulo pré-Vegas, reclamávamos dessa segregação, um jeito xiita de olhar pra música.

Crescemos em Brasília, nascemos em 1975 e fizemos parte de uma geração que descobriu rock clássico ao mesmo tempo em que o rock brasileiro, a MPB, o indie rock (“guitar”, era como nos referíamos na época), a soul music, a música eletrônica e o hip hop. Estávamos lá quando o Technotronic, o New Order, os Beastie Boys e o Nirvana destruíram as barreiras entre gêneros e hierarquias entre músicos, não-músicos,
produtores e popstars. Essa bagagem cultural não nos permitia viver em uma cidade que não se permitia a troca de músicas.durante a noite.

Foi por isso que erguemos a bandeira do mashup. Se dois gêneros conviviam na mesma música, óbvio que conviveriam numa mesma festa. E aos poucos a noite de São Paulo foi sendo mudada. A começar pelo nome da festa, Gente Bonita Clima de Paquera, que ia de encontro a todos os nomes em inglês e metidos a sério que existiam nas festas da época.

Fora a experimentações sonoras: fomos palco para a primeira discotecagem séria de muita gente boa que hoje seguiu seu próprio rumo, como Dani Arrais, do Don’t Touch My Moleskine, o DJ Goos além dos primeiros nomes do mashup brasileiro, que tocaram pela primeira vez em São Paulo em duas Gente Bonita: João Brasil e André Paste.

Cinco anos depois, a noite de São Paulo é outra. As pessoas sorriem quando dançam, o carão acabou, flashes pipocam na frente de meninas fazendo gracinhas pra câmera, indie rock, hip hop, música brasileira e techno convivem em pistas de danças espalhadas pela cidade, as festas assumiram a diversão, os DJs abriram a cara, a noite de São Paulo ganhou o toque de frescor das velhas festas na Asbac no início dos anos 90.

Mas seguimos mudando e a primeira novidade dos 5 anos de Gente Bonita, é a festa OK Pop, que engloba um novo gênero – o K-Pop, pop produzido na Coreia que mashup tudo que a gente conhece com tudo que eles conhecem do outro lado do mundo. E pra mostrar que distâncias não são barreiras, trazemos para a primeira festa o DJ Masa, principal DJ brasileiro de K-Pop, que mora em Belém (!) mas já tocou mais de uma vez para coreanos. Engrossando o caldo da noite, a Gente Bonita ainda recebe o mestre Camilo Rocha e os compadres da Hang the DJ – ampliando os horizontes da GB sem perder suas principais características: as melhores músicas do mundo e as melhores músicas pra dançar. Venha se acabar conosco nessa sexta, no Lab, na Augusta. E ver o início da nova fase de perto.

Todo o show: Chico Science & Nação Zumbi no Hollywood Rock, 1996

I was there.

A feira Inception


Eis a feira, olha como ela é torta. A foto também é do meu Flickr velho e eu tinha tirado no meu aniversário do ano passado

Toda quarta tem feira aqui do lado de casa e toda quarta desço pra comer um pastel (tenho a sorte de ter uma filial do pastel da Maria bem no início da feira). E entre devaneios sobre como o ambiente feira funciona como uma droga lisérgica pra mulheres de todas as idades (repare, algumas são objetivas, a maioria caminha como se estivesse chapada ou como se fosse zumbi), do inevitável encontro entre a roda do carrinho e o dedinho do pé na sandália e o leque de aromas aleatórios típicos de qualquer feira, o que mais me aflige nessa perto aqui de casa é seu aspecto Inception. Não que ela pareça um sonho dentro de um sonho (tem horas que sim, mas não é esse caso), mas, como quase tudo que envolve rua e o bairro do Sumaré, onde moro, lembrao aspecto antigravitacional do filme do Nolan.

Explico melhor: nasci em Brasília, terra plana, reta, sem declive, mas quis o destino que eu viesse morar em uma cidade construída sobre morros, dona de ladeiras terríveis, escaladas tristes para quem tem que subi-las a pé. E, mais especificamente, em um dos bairros com mais ladeiras da cidade, o Sumaré. Me dói a alma. Na infância, tais ladeiras seriam sonhos dentro de sonhos – imagino que a rua Paris seja o Six Flags do rolimã -, mas hoje em dia, basta apenas vê-las para me estristecer. E a feira aqui perto de casa fica num cruzamento de duas ladeiras. Nem são tão drásticas – mas o chão é torto o suficiente pra que você perca a noção da gravidade e passe por alguns segundos de labirintite involuntária.

Sempre um bom passeio – e o chão torto ajuda.


A feira hoje

O fim da comida de rua?


Foto: Parque da Água Branca, do meu largado Flickr

O declínio da civilização ocidental frente ao politicamente correto, capítulo 2914. Helô conta como a prefeitura do Kassab está, aos poucos, acabando com os vendedores de comida de rua, e na marra:

Atenção, muita atenção, caros leitores: um dos principais patrimônios paulistanos está sendo perseguido. Perseguido literalmente. Pela polícia.

Estou falando do milho cozido, da pipoca, do café da manhã de carrinho, com bolo de nada e pingado de garrafa térmica, do vendedor de fatia de abacaxi docinho, do coco caramelizado, do tapioqueiro. Meu Deus, o tapioqueiro…

De uns dias para cá, todo taxista me fala disso. Da Guarda Civil Metropolitana perseguindo os ambulantes de comida. “Eles pegam a comida e colocam tudo num saco e jogam fora”, me disse o Márcio, taxista amigo e grande conhecedor de comida de rua. (É claro que isso vem na esteira de outras reclamações sobre o Kassab. Quanto tempo falta para acabar esse pesadelo mesmo?)

O Aristenes, taxista “mineiro de nome grego, vê-se-pode?”, chorou de verdade, chorou de fungar e diminuir a velocidade para enxugar o rosto, ao contar a história de um casal de aposentados que vendia milho cozido, pamonha e curau no Bom Retiro. A Guarda Civil levou tudo embora, carrinho, milho e curau. E os dois ficaram ali, sem rumo. Segundo o Nenê, apelido do Aristenes, “a polícia depois vende tudo, os carrinhos, e aí depois vão lá e tomam de novo e vendem de novo”.

(…)

Blindada ou sensível, nossa pança não pode ser alijada do carinho que vem do carrinho.

O Rodrigo Oliveira, do Mocotó, disse, em palestra no evento Paladar Cozinha do Brasil (em que ele apresentou um café da manhã sertanejo de fazer núvem-de-lágrimas-sobre-meus-olhos de tanta delícia):

“O Alex Atala fala que a boa cozinha coloca o ingrediente no seu melhor momento. O cara do carrinho de tapioca, que faz tapioca todos os dias há 20 anos, coloca a tapioca em seu melhor momento. Ele deve ter alguma coisa para ensinar pra gente. É esse cara que eu quero ouvir”.

Pois é, a Guarda Civil Metropolitana nem ouve, já vem tirando a tapioca do tapioqueiro e, de lambuja, tirando de nós o direito ao lanche rueiro.

Claro que a prefeitura tem de cuidar para que regras sejam cumpridas, para que seja limpo, para que não contamine. Mas eliminar a comida de rua não pode ser a solução. Quer dizer, poder pode, mas é a solução mais burra.

E se você acha que isso não tem nada a ver com você, então não venha dizer que o cachorro-quente de Nova York é incrível. Não poste no Instagram sua foto comendo salsicha incrível nas ruas de Berlim. Nem me venha falar que o crepe da esquina da rue tal com a rue tal em Paris é incrível.

Porque, sim, eles são de fato incríveis. O cachorro-quente é patrimônio de NY. O crepe é a cara de Paris. E a salsicha alemã é a alma berlinense. Assim como o chincharrón e o taco mexicano, o choripán argentino, as sardinhas portuguesas e quantos tantos outros exemplos maravilhosos (me ajudem a lembrar, deu branco).

Esse papo todo me deu vontade de comer um pastel. Já volto.

Todo o show: Radiohead ao vivo em São Paulo em 2009

“Alexandre, como é que o profissional…” no final de “National Anthem” – que noite foi aquela!