Jardim Sonoro 2024: A primeira edição do primeiro festival de música de Inhotim aponta novas possibilidades para o formato

Desde que a curadoria de música do parque Inhotim, um dos grandes templos à arte contemporânea brasileira, no interior de Minas Gerais, foi criada, em abril do ano passado, o primeiro titular do cargo, o maestro carioca Leandro Oliveira vislumbra a possibilidade de realizar um grande festival que mostrasse a que veio este novo pilar do museu-parque. Importante frisar que o superlativo não necessariamente se traduziria em números – a ideia nunca foi reunir nomes pop ou grandes para gerar números para atrair possíveis patrocinadores e sim fazer jus à grandiosidade a céu aberto do jardim que fica do lado da cidade de Brumadinho. O evento aconteceu no fim de semana passada e seu título, Jardim Sonoro, acertou em cheio ao contemplar nomes radicalmente modernos e amplamente populares, reunindo artistas de diferentes nacionalidades, mas com principais atrações brasileiras. Fui convidado pela organização do evento e voltei apaixonado pelo festival.

Leia mais abaixo:  

Os 50 melhores discos de 2022 segundo o júri de música popular da APCA

Eis a lista com os 50 melhores álbuns de 2022 de acordo com o júri de música popular da Associação Paulista dos Críticos de Arte, do qual faço parte. A seleção reflete o quanto a produção musical brasileira ficou represada nos últimos anos e esta seleção saiu de uma lista de mais de 300 discos mencionados por mim e pelos integrantes do júri, Adriana de Barros (editora do site da TV Cultura e colunista do Terra), José Norberto Flesch (que tem seu canal no YouTube), Marcelo Costa (do site Scream & Yell), Pedro Antunes (do vlog Tem Um Gato na Minha Vitrola) e Roberta Martinelli (dos programas Sol a Pino e Cultura Livre). Eis a lista completa abaixo:

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Sambas do Absurdo em modo remoto

O segundo volume dos Sambas do Absurdo que reuniu Juçara Marçal, Rodrigo Campos e Gui Amabis num trio tão preciso já estava em processo de composição de forma remota mesmo antes da pandemia começar. “Rodrigo apresentou os sambas no início de 2019. Via whatsapp!”, ri Juçara. “Estávamos os três com agenda muito corrida e, durante o ano, nas brechas de tempo, Gui foi armando com Rodrigo os arranjos, que a gente só conseguiu sentar pra ouvir juntos em fevereiro de 2020.” Mas a partir da quarentena eterna que começou em março do ano passado, o trio seguiu o trabalho de forma ainda mais remota e finalmente começa a mostrar o novo disco, que deve ser lançado ainda neste ano, com o belo single “Ladeira”, que ainda conta com o baixo do Regis Damasceno.

Ouça aqui.  

Os melhores discos de 2017: 58) Rodrigo Campos – Sambas do Absurdo

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“Porque eu fugi, nem tento”

Sambas do Absurdo e Nabase de graça no CCSP

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Mais uma atração do Bicho de Quatro Cabeças de graça nesta quinta-feira, no CCSP. De um lado, Juçara Marçal, do Metá Metá, chama seus Sambas do Absurdo, projeto ao lado de Rodrigo Campos e Gui Amabis; do outro, Décio 7, do Bixiga 70, estreia o projeto Nabase, montado ao lado dos guitarristas Guilherme Held e Pipo Pegoraro, do baixista Fábio Sá, do percussionista Rômulo Nardes e dos diretores de clima Gustavo Lagarto e Junior Zorato. O show começa às 21h e há mais informações sobre o evento aqui.

Tudo Tanto #33: Você samba de que lado?

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Escrevi sobre a onipresença do samba, este fator de unificação nacional, na minha coluna Tudo Tanto na edição de julho da revista Caros Amigos.

Você samba de que lado?
Cem anos depois, o gênero que ajudou a disfarçar o racismo brasileiro e a unificar o país como nação sobrevive à espreita

Alexandre Matias

Essa cena: “Por volta das nove da noite, cerca de 150 homens, funcionários da prefeitura municipal, municiados de marretas, alavancas e pé de cabra, obedeceram à voz de comando e arremeteram contra o alvo. O bruxulear dos archotes usados para iluminar a operação militar conferia maior dramaticidade à cena. Uma multidão, contida ao largo pelo contingente armado, assistia à distância, como um espetáculo sinistro, a destruição madrugada adentro. O elemento surpresa impediu possíveis reações organizadas por parte dos desalojados. Em meio à barulhenta penumbra, homens, mulheres e crianças, antes encafuados nos desvãos dos pequenos imóveis, corriam atônitos pelas ruelas tentando salvar um ou outro pertence tido como mais valioso: colchões, alguns poucos móveis, trouxas de roupa, tralhas de cozinha. Na manhã seguinte, no entanto, sob o sol do verão carioca, foi possível constatar o tamanho do estrago: nada escapara à demolição. Resto, no local, apenas uma montanha poeirenta de entulho.

‘Foi um espetáculo bonito’, definiu um dos jornais de maior circulação à época, O Paiz. ‘A impressão moral daquele feito era como se aos golpes ruidosos, em vez de rolarem pedras, rolassem crenças, ruíssem tradições’, analisou o matutino. Outra publicação, O Tempo, foi mais explícita: ‘Metemos uma lança em África, espostejando a Cabeça de Porco’. A imprensa foi unânime em glorificar a ‘medida civilizatória’ imposta à paisagem da cidade pelo primeiro prefeito da história do Rio de Janeiro, Cândido Barata Ribeiro, médico e intelectual baixinho, magricela e míope, de testa larga e barbas longas, um dos nomes mais proeminentes do movimento republicano brasileiro.

Essa cena aconteceu no dia 26 de janeiro de 1893 e foi recriada pelo escritor cearense Lira Neto, biógrafo de Getúlio Vargas e do Padre Cícero em dois grandes épicos (os três volumes de Getúlio e o tomo único Padre Cícero – Poder, Fé e Gueera no Sertão), como um dos momentos iniciais de seu novo desafio, contar “a história do samba moderno urbano”. O livro Uma História do Samba – As Origens foi publicado no início do ano pela Companhia das Letras (editora dos outros livros do autor) é o início de uma nova trilogia, que pretende mostrar como o gênero, que antes ser estilo musical era sinônimo de festa, barulho e confusão no final do século 19, firmou-se entre a elite e as classes populares brasileiras, saiu do submundo onde era tratado como fora da lei e tornou-se popular a ponto de se tornar um fator de unificação nacional.

Lira Neto na verdade joga uma lupa sobre o tal “mistério do samba”, iluminado pelo antropólogo Hermano Vianna no livro de mesmo nome, lançado em 1995 pela editora carioca Jorge Zahar. Neste volume, Hermano parte de um “noite de violão” em 1926 que reuniu, sob o mesmo teto, os sociólogos Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda (ambos já matutando ideias que paririam os dois livros que os tornam clássicos da cultura brasileira, respectivamente Casa Grande e Senzala, de 1933, e Raízes do Brasil, de 1933), o músico Heitor Villa-Lobos e os sambistas Pixinguinha, Patrício Teixeira e Donga. “O encontro”, título do primeiro capítulo da publicação, é o ponto de partida para entender como o samba deixou de ser criminoso e maldito para se tornar aceito, amado e entrado na textura da noção de nacionalidade brasileira.

Pois o samba era vil, visto como sendo de mau gosto, chulo, fora da lei – “eufemismos” dados para o ponto central da questão: o samba era negro. A recente abolição dos escravos obrigou a elite brasileira a conviver com os ex-escravos sem a hierarquia do regime escravocrata e a solução para continuar esta ascendência era enquadrá-lo em outra lei – a da vadiagem. Sambistas eram negros, negros eram sambistas: o samba, portanto, era diagnóstico de que algo não estava bem – para a elite, essencialmente racista.

A cena descrita no início do texto não é apenas pesada – ela é atual. Fora a iluminação policial (embora lanternas no escuro deem tanta dramaticidade quanto archotes), a destruição do enorme cortiço conhecido como Cabeça de Porco ou Pequena África no Rio de Janeiro é das inúmeras “reintegrações de posse”, neologismo orwelliano para aplacar o impacto real da situação, em que famílias inteiras veem seus lares sendo devastados pela truculenta força militar para que abram-se alas para o progresso. Quantos morros, favelas e quebradas não sucumbiram a esse trator racista durante todo o século passado – até hoje?

Mas impressiona mesmo a reação aberta contra as origens africanas de uma nova cultura popular. Vianna descreve a chamada “belle époque carioca, período no qual muitos autores identificavam uma total separação entre a cultura das elites e a cultura popular no Rio de Janeiro”, em seu Mistério do Samba. “Essa é, por exemplo, a opinião de Jeffrey Needell, para quem na belle époque ‘tropical’, que vai de 1898 a 1914, a tendência dominante era de ‘pôr um fim ao Brasil antigo, ao Brasil ‘africano’, que ameaçava suas pretensões à sofisticação, apesar de se tratar de uma África bem familiar à elite’ (Needell, 1993: 77). Essa também é a opinião de Mônica Velloso, que escreve em As Tradições Populares na Belle Époque Carioca: ‘o endeusamento do modelo civilizatório parisiense é concomitante ao desprestígio das nossas tradições (…) Mais do que nunca, a cultura popular é identificada com negativismo, na medida em que não compactuaria com os valores da modernidade’ (Velloso, 1988: 8/9). E continua: ‘Nos salões da moda, nos cafés e conferências literárias, a referência ao nativo atinge o máximo de desqualificação’ (Velloso, 1988: 17).”

Um país racista que disfarçou seu racismo glorificando uma música (e uma cultura) antes tida como pobre e negra. O racismo brasileiro não pode ser dito – afinal, todos sambam.

E mais de um século depois o samba persiste, seja como trilha sonora de comercial de cerveja, no palco globa do carnaval e em nichos como o novo disco de Criolo (Espiral de Ilusão, dedicado ao gênero), no novo de Rodrigo Campos (Sambas do Absurdo, ao lado de Juçara Marçal e Gui Amabis), o heróico reconhecimento póstumo de Almir Guineto na Folha de S. Paulo (descrito pelo Bernardo Oliveira, do selo Quintavant) ou na celebração dos vinte anos do disco Afrociberdelia, da Nação Zumbi, que repete insistente a pergunta sobre “de que lado você samba?”. Ele sobrevive matreiro, à espreita, pronto para chegar. E sempre chega.

Bicho de Quatro Cabeças

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O Mês da Cultura Independente realizado pela Secretaria Municipal de Cultura acontece no mês de agosto e o Centro Cultural São Paulo abre as portas para o encontro de quatro das principais bandas independentes da cidade. O evento Bicho de Quatro Cabeças reúne Rakta, Hurtmold, Bixiga 70 e Metá Metá durante o mês no CCSP, trazendo apresentações dos quatro grupos, de seus projetos paralelos e um grande evento que reunirá os quatro simultaneamente. Eu falei com a Roberta Martinelli sobre este experimento, cuja descrição e programação seguem abaixo e nas redes do Centro Cultural São Paulo.

Bicho de Quatro Cabeças

Quatro das principais bandas independentes de São Paulo, Rakta, Bixiga 70, Metá Metá e Hurtmold em atividade têm vários pontos em comum que tornam suas carreiras semelhantes, embora cada uma delas busque uma sonoridade completamente diversa umas das outras. Em comum, elas têm o fato de que, além de prezarem pela própria sonoridade em detrimento de qualquer aspiração comercial, também gerenciarem as próprias carreiras, terem projetos paralelos, transitarem entre diferentes públicos e artistas e serem autossusentáveis.

Bicho de Quatro Cabeças é o encontro entre estas quatro bandas e seus públicos no Centro Cultural São Paulo e acontece durante todo o Mês da Cultura Independente, em outubro de 2017. O evento começa com uma grande apresentação em quatro entradas em que integrantes das quatro bandas realizam uma sessão de improviso inédita, trocando de formações e cada hora indo para uma direção musical. Serão quatro entradas que permitem a troca de públicos durante estas entradas – e quem ficar de fora pode acompanhar as outras entradas através de um telão afixado na área externa da Sala Adoniran Barbosa.

O evento também conta com shows das bandas separadamente, além de apresentações que reúnem diferentes projetos paralelos dos quatro coletivos, permitindo inclusive novas colaborações entre integrantes dos diferentes projetos definidos durante o percurso. O evento terá também quatro pôsteres produzidos pelas próprias bandas, que também são responsáveis pela comunicação visual dos próprios trabalhos.

Todas as atrações são gratuitas.

5.10 – Bicho de Quatro Cabeças
6.10 – Acavernus / Carla Borega
8.10 – Rakta
13.10 – A Espetacular Charanga do França
14.10 – Metá Metá
15.10 – Anganga / MdM Duo
19.10 – Décio & Held / Sambas do Absurdo
20.10 – Atonito / Sambanzo
22.10 – Kiko Dinucci / Plim
26.10 – Naxxtro / Bode Holofonico
27.10 – Corte / M. Takara
28.10 – Hurtmold
29.10 – Bixiga 70

25 discos brasileiros para o primeiro semestre de 2017

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Estes são os 25 brasileiros escolhidos na categoria melhor disco do primeiro semestre deste ano pelo júri da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), do qual faço parte.

Aláfia – SP Não é Sopa
Boogarins – Lá Vem a Morte
Corte – Corte
Criolo – Espiral de Ilusão
Curumin – Boca
Do Amor – Fodido Demais
Domenico Lancellotti – Serra dos Órgãos
Don L – Roteiro Pra Aïnouz vol.3
A Espetacular Charanga do França – Chão Molhado da Roça
Felipe S. – Cabeça de Felipe
Giovani Cidreira – Japanese Food
Hamilton de Holanda – Casa de Bituca
João Donato + Donatinho – Sintetizamor
Juliana R – Tarefas Intermináveis
Kiko Dinucci – Cortes Curtos
Lucas Santtana – Modo Avião
Luiza Lian – Oya Tempo
Matéria Prima – 2Atos
Mopho – Brejo
My Magical Glowing Lens – Cosmos
Rincon Sapíencia – Galanga Livre
Rodrigo Campos – Sambas do Absurdo
Trupe Chá de Boldo – Verso
Vermes do Limbo + Bernardo Pacheco – Berne Fatal
Zé Bigode – Fluxo

Muita coisa boa sendo lançada este ano – e vem mais coisa boa neste semestre. O júri é composto por mim, José Norberto Flesch e Marcelo Costa e no segundo semestre escolheremos mais outros 25 discos. O Pedro antecipou a lista e publicou os links para ouvir os 25 discos em seu blog no Estadão.

A hora certa dos Sambas do Absurdo

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Os Sambas do Absurdo que Rodrigo Campos compôs com Nuno Ramos a partir de um livro de Albert Camus tiveram uma má estreia. Abrindo para o grupo inglês Cymande na edição mais recente do Nublu Jazz Festival, o projeto introspectivo e de temática pesada que o sambista fez ao lado dos compadres Juçara Marçal e Gui Amabis encontrou um público esperando festa e o choque entre artista e plateia fez o show soar desencontrado – mais culpa da programação do evento do que do público ou dos artistas. Não fossem os três nomes reconhecidos da atual cena paulistana, talvez não se apresentassem pra ninguém. Ironicamente, o deslocamento do show parecia ter saído das faixas do próprio projeto, que será lançado nesta sexta-feira e cuja capa, feita pelo próprio Nuno Ramos, é antecipada em primeira mão para o Trabalho Sujo.

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O disco homônimo será lançado nas plataformas digitais nesta sexta-feira, quando também será disponibilizado para download no site do projeto e deve ganhar versão em vinil em breve pelo selo Goma Gringa. Abaixo, dois dos “Absurdos” (as faixas chamam-se apenas “Absurdo” seguido de um número) tocados pelo trio:

E o projeto será lançado oficialmente ao vivo no dia 10 de maio, na nova Casa de Francisca (mais informações aqui), um lugar bem mais propício para a atenção que o trio merece.

Kamasi Washington e Cymande em São Paulo

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Edição 2017 do já tradicional Nublu Jazz Festival se supera e reúne pesos pesados como o grupo inglês de funk Cymande, os Cookers (que reúne velhos mestres como Cecil McBee, Eddie Henderson e Billy Hart), o rapper e poeta Saul Williams e o saxofonista Kamasi Washington, que além de uma obra pessoal de peso também circula entre bambas como Kendrick Lamar, Flying Lotus e Thundercat. Do lado brasileiro, os Sambas do Absurdo de Gui Amabis, Rodrigo Campos e Juçara Marçal e o projeto Plim, do baterista Sergio Machado (que toca com Metá Metá e Tulipa Ruiz). Os shows acontecem no Sesc Pompeia em São Paulo e no Sesc de São José dos Campos entre os dias 6 e 8 de abril com a seguinte calendário: no Pompeia dia 6 tem Cymande e Sambas do Absurdo, dia 7 tem Cookers e Plim e dia 8 tem Kamasi Washington e Saul Williams; em São José dos Campos dia 6 tem Kamasi Washington e Saul Williams, dia 7 tem Cymande e Sambas do Absurdo e dia 8 tem Cookers e Plim. Kamasi Washington encerra o evento com um show solo dia 9. Os ingressos começarão a ser vendidos no final de março e custarão entre R$15 a R$50.