Já falei aqui que o dono dos Chromatics está fazendo a trilha sonora da estreia de Ryan Gosling na direção, o filme Lost River, que, ao juntar os dois novamente na telona, pode causar o mesmo impacto do filme que marcou a maturidade dos dois, aquela joia retrô chamada Drive. No novo filme, a personagem Rat, interpretada pela irlandesa Saoirse Ronan canta canções de ninar para si mesma para acalmar-se. Jewel acaba de liberar a música que abre o filme, a doce “Tell Me” e ele conta como foi a gravação da música:
“No script, Rat se nina para dormir toda noite com uma canção de ninar cheia de esperança.
É a forma que ela encontrou pra lidar com a dor ao seu redor e transcender aquele inconsolável arrastar de tempo que todos nós sentimos nas noites infindáveis de nossa juventude.
Enquanto trabalhávamos no filme, Ryan decidiu que ele queria que Saoirse cantasse na tela.
Continuamos falando disso por meses, tentando encontrar a música certa.
Depois que a edição ficou pronta, Saoirse estava aqui em Los Angeles gravando vozes para o filme.
Do nada eu recebi uma mensagem do Ryan que dizia apenas “Rat está na cidade. Você está pronto?”
Peguei um microfone, um gravador e um amplificador e dirigi o mais rápido que pude pra sala de mixagem.
Quando eu chego lá, eles me mostram uma sala de gravação enorme, mas ela estava um pouco nervosa.
Mesmo que ela seja incrivelmente talentosa na tela, ela nunca havia gravado uma música pop antes.
Para quebrar o gelo, armei o gravador de oito canais no chão da cozinha ao lado.
Quando ela chegou, nós três empilhamos todos os móveis e malas no canto para bloquear a porta.
Queria que ela se sentisse o mais segura possível e queria que ela cantasse da forma mais íntima que pudesse.
Como se ela fosse a única pessoa no mundo.
Prometi pra ela que não havia como passar por aquela porta até que terminássemos.
Ryan apagou todas as luzes e nós três sentamos no chão em círculo, no escuro.
Gravamos em dois takes com um único microfone e sem fones de ouvido.
Não há palavras para descrever aquele momento.
Foi pura magia.
Já ouvi essa música mil vezes desde aquela noite… e ainda fico impressionado toda vez que a escuto.
Saca só:
Parte da popularidade dos Chromatics está ligada ao filme Drive, estrelado por Ryan Gosling, que ajudou a consagrar tanto a reputação da banda como a do ator. Os dois voltam a colaborar de uma forma mais ativa na estréia de Gosling na direção, o filme Lost River, que conta com duas faixas dos Chromatics, sendo uma delas (“Yes”) com duas versões, uma “Love Song”…
…e outra “Lullaby”.
As duas faixas contam com as vocalistas de diferentes projetos de Johnny Jewel, como Ruth Radelet (do Chromatics), Megan Louise (do Desire) e Ida No (do Glass Candy). O filme ainda conta com um remix da música feito por outro pseudônimo de Jewel, o Simmetry.
Dizem que o filme não é lá grandes coisas, mas não é disso que estamos falando agora, né?
Vintage 80s
A história do filme é ridiculamente simples – galã-durão trabalha como dublê em filmes de ação (capotando carros) e faz bicos como motorista em assaltos conhece vizinha gatinha que tem um filho com um sujeito que está preso. O que vem a seguir é aquela velha história de amor e vingança que habita todos os telefilmes que passam no Super Cine, aquele sábado à noite sem graça e dublado, “um crime que abalou a opinião pública norte-americana”, gangsters, carros e reviravoltas dignas de um filme de Steven Segal.
A diferença é que Drive não é um filme com Steven Segal – mas com Ryan Gosling, queridinho da cinefilia indie há uns cinco anos por um algum motivo inexplicável. E em vez do herói ter um rabo de cavalo e usar uma jaqueta de couro com franjas, ele traja uma jaqueta prateada fuleiraça com um escorpião estampado nas costas, uma versão 1983 de James Dean (canastrice inclusa no upgrade). E que a história pouco importa num filme essencialmente preocupado com estilo – estilo específico e perigoso de ser manuseado: o vintage 80s, a versão que não vê graça nenhuma no deboche trash dos anos 80. Assim que o filme começa, com sua tipologia pink cursiva-cool, sabemos que estamos no mesmo universo paralelo fundado pelo cinema cyberpunk daquela década, o futuro mundano e presente de filmes como Mad Max, Robocop, Blade Runner, Fuga de Nova York e Warriors. Tire o futurismo megalomaníaco e apocalíptico e perceba que já estamos em 2012. Não há carros voadores, nem andróides indistinguíveis de seres humanos nem ciborgues conversando com ETs. Mas as metrópoles estão implodindo, a violência está nas ruas e o máximo de tecnologia que realmente entrou nesse submundo é o fato de usarmos telefones portáteis minúsculos.
Pois o celular é um dos poucos elementos que nos lembra que Drive se passa depois de 1989. Todo o resto do filme é um exercício de estilo anos 80 – o neon superposto ao reflexo da poça d’água sobre o asfalto no escuro sobreposto à câmera lenta exageradamente lenta por sobre alguns litros de gel e outros tantos de vodca barata. O dinamarquês Nicolas Winding Refn faz jus ao prêmio de melhor direção que ganhou em Cannes no ano passado e faz um filme todo baseado numa estética que começa a ser reconsiderada (Drive é o Chromeo do cinema) – e não é por ter um coração de plástico que Drive não tem alma. A caricatura do “strong silent type” que Tony Soprano sentia falta torna o personagem de Gosling robótico como Clint Eastwood nos anos 70, mas o verniz fluorescente da direção torna a história trivial essencialmente secundária – o que é bom para a estética do filme. Um bom roteiro tornaria todo o estilo coadjuvante.
Drive é mais que trunfo da forma sobre o conteúdo, é pós-moderno na medula e cheira a mochila da Company. “2011 foi um grande ano para o cinema, vimos que dá para fazer um filme sem nenhum diálogo e ainda torná-lo divertido…”, Seth Rogen parecia se referir a filme mudo O Artista em seu discurso de abertura do Spirits Awards, mas falava de Drive. E, realmente, é um dos melhores filmes desse 2011 com cara de 1981.
O poster que abre o post não é oficial, e sim feito pelo designer canadense James White.