Déficit de desatenção

Bressane me entrevistou para uma matéria para a revista V. Segue um trecho:

Há quem entenda esse comportamento como típico de uma era de transição entre tecnologias. É o caso de Alexandre Matias, editor do caderno Link, d’O Estado de S.Paulo. Matias acha que são vários tipos de compulsão que ataca os audazes navegantes da rede. “Para uns, é a compulsão pelo que está acontecendo agora; para outros é a forma como as pessoas veem a própria imagem; para terceiro, a necessidade de armazenar tudo que consegue. Estar sempre conectado tende a cutucar essas compulsões, mas isso apenas reflete uma fase de transição de comportamentos“, acredita.

Spritzer contrapõe: “Uma característica da internet é oferecer recompensas, por menor que seja o esforço que se faz, e toda a atitude é gratificada“, diz ele, lembrando dos “curtir” do Facebook e dos retuítes do Twitter. “Isso aumenta o contraste com (e diminui a vontade de realizar) tarefas extensas, complexas, que exigem dedicação maior, nas quais muitas vezes não existe um ‘prêmio’ tão freqüente (mas que são de extrema importância à nossa vida).” Viciado nesses prêmios da rede, o navegante se torna um distraído contumaz.

Carr acredita que a cultura da distração está matando nossa capacidade de criar raciocínios originais. “É quase impossível pensar critica e conceitualmente sobre qualquer coisa se você é sempre distraído“, diz o escritor. “Profundidade requer a habilidade de focar em grande concentração. Meu medo é que trocamos a habilidade de ir fundo em um tema pela habilidade de roçar a superfície das coisas.” Proprietário do Trabalho Sujo, premiado blog de cultura pop onde chega a postar dezenas de temas num único dia, Matias crê na capacidade de saber filtrar o que necessitamos. Mas, como hard user, sente que mudou alguma coisa em seu cérebro? “Estoco só as informações que me ajudam a raciocinar, e não dados brutos“, diz. “De que adianta saber a capital de todos os países do mundo ou a filmografia completa de certos diretores? Ao contrário do que o discurso antiinternet provoca, me sinto livre ao saber de que não preciso decorar toda informação do mundo para me sentir informado.”

A ilustração é do Cobiaco – e a íntegra da matéria você lê no blog do Ronaldo.

Introducing Mr. Catra


Mr. Catra – “Vacilão”

E por falar em Trip, nem comentei sobre a ótima e longa entrevista que o Ronaldo e a Kátia fizeram durante um corre de Mr. Catra por São Paulo – em um encontro rápido com o Ronaldo ali no São Cristóvão, ele comentou que seguia a comitiva do sujeito só pela marola, hahaha. Na entrevista, publicada nas já tradicionais Páginas Negras da revista, o MC fala de política, religião, sua criação em escolas da elite carioca, crime organizado, sua treta com Marlboro, além de cochilar durante vários trechos do papo.

E numa conjunção cósmica de coincidências, a revista +Soma também deu a capa de sua última edição ao profeta do funk carioca, um dos personagens mais intensos da atual música brasileira. A matéria da +Soma também tem a grife de um compadre – no caso, o intrépido Matias Maxx, the Original Capitão Presença, que além de ser um dos repórteres mais setorizados em todo o imaginário que envolve Catra, acompanha a carreira do sujeito desde 1998 e sempre arrumou desculpa para puxar longos papos e transformá-los em entrevistas já clássicas (vale fuçar os zines de Matias, tanto o impresso Tarja Preta quanto o falecido blog La Cucaracha – que batiza sua loja em Ipanema -, além de incontáveis revistas para quem ele já vendeu essa pauta). E a matéria também bate em pontos levantados na entrevista da Trip, como sua conversão ao judaísmo em sua visita ao Muro das Lamentações em Israel, sua vida de workaholic, suas várias mulheres e seu papel dentro e fora do funk carioca. A revista é distribuída gratuitamente, mas quem não a encontra em canto nenhum pode baixá-la em PDF no site.


Mr. Catra – “O Fiel”

Catra, o Fiel, já é conhecido em todo o Brasil há pelo menos uma década e sua voz rouca alterna cantos religiosos, putanheiros, canabistas ou violentaços em qualquer palco que o requeira: casas noturnas de todas as classes, programas de TV, festivais ou em participações especiais em disco dos outros. Tem alguns hits no imaginário brasileiro, embora a maioria das pessoas não ligue o nome à pessoa – você já deve ter ouvido pelo menos um de seus três maiores hits, a fumífera “Cadê o Isqueiro?”, a intimada “Vacilão” e o alerta “Simpático”. Ele já teve disco solo lançado pela Warner, já foi tema de documentário na Holanda, teve matéria de oito páginas na Rolling Stone japonesa e disco sendo vendido em Dubai e Amsterdã. Já colaborou com Marcelo D2, Digitaldubs e DJ Dolores, inspirou João Brasil num episódio de pura vergonha alheia e é conhecido de quase todo mundo da cena de hip hop paulista. Sua luta é “contra a hipocrisia”, como ele sempre sublinha, e é justamente por isso que ele não é mais conhecido. Como o Brasil das “grandes pessoas humanas” que freqüentam o Faustão reagiriam às letras pornográficas, violentas e messiânicas de Mr. Catra?

Na verdade, Catra é um desafio à cultura nacional. Popular e populista, ele é um dos poucos MCs de funk carioca que realmente cantam, embora o rugido rouco, os discursos que irrompem no meio das músicas e a gargalhada diabólica não deixem que você perceba isso de cara. Ele é a figura mais próxima de um Tim Maia que temos na música brasileira hoje ao mesmo tempo que é a melhor tradução do gangsta rap para o Rio de Janeiro e um misto de James Brown com Isaac Hayes numa trip histórico-religiosa. Como nem tão cedo um sujeito que responde às mulheres-vegetais (a Samambaia, a Melancia) com uma agressiva Mulher Filé (veja o vídeo abaixo) chega ao topo do showbusiness brasileiro, tamanha a forma que ele subverte todos os clichês de bom-mocismo que se espera de um popstar que não nasceu no meio artístico.


Mr. Catra e Mulher Filé

As duas entrevistas funcionam como uma ótima introdução ao sujeito, mas dá pra se aprofundar melhor visitando outros hits do cara, como “O Retorno é de Jedi” com MC G3, “Vai Começar a Putaria“, “Cadê o Isqueiro?“, “67 Patinete“, “Fiel à Putaria” (nessa versão, com o Latino) e as infames subversões para hits da música brasileira, como “Tédio”, do Biquini Cavadão (que torna-se “Adultério“), “Primeiros Erros” de Kiko Zambianchi (que assume uma faceta singela com o novo título “Se Meu Pau Não Parar de Crescer“), “Itapoã”, de Toquinho (“Mamada de Manhã“, na nova encarnação), entre outras. Não esqueça de por o fone de ouvido se estiver em algum lugar onde alguém pode se assustar com um mísero palavrão, hein…

Não achei “Mercenária”, funkeira setentona pesada, no YouTube, mas se alguém descolar uns MP3 eu subo aqui… Aliás, fica no ar a idéia prum Vida Fodona especial Mr. Catra – quem sabe se eu arrumar mais MP3 do cara, eu agilizo pro mês que vem…

Duas realidades

Boa idéia, essa da Trip. Em vez de repetir de novo a capa do Tropicália (talvez o maior clichê do jornalismo musical brasileiro), eles foram atrás de uma clássica capa de uma antiga Realidade com Milton Banana, Jairzão, Magro do MPB-4, Caetano, Nara, Paulinho da Viola, Toquinho, Chico Buarque e Gil…

…e a recriaram com Junio Barreto, Rômulo Fróes, Ganjaman, Tatá, Catatau, Hélio do Vanguart, Thalma, Kassin e Céu.

Mas em vez da matéria ser mais uma cantinela de viúva da MPB tentando enquadrar novos Caetanos ou as “novas divas” que alimentam cadernos de cultura pelos jornais do Brasil, o texto do Bressane concentra-se em um ponto específico desta geração anos 00 – o perfil colaboracionista, em que todo mundo já tocou com todo mundo. A pauta só peca por insistir nessas de MPB – o atual pop brasileiro (inclusive o que inclui os nove acima) vai muito além da canção e do violão, e inclui hip hop, indie rock, psicodelia, bocas desdentadas, groove latino, bateria eletrônica, guitarra elétrica e versos em inglês.

Mas eu sei como funcionam as revistas…

Por você

“World Buider” foi filmado em menos de 24 horas por Bruce Branit, mas sua pós-produção durou mais de dois anos. Peguei no saite do Bressane.

Leitura Aleatória 232


Foto: psmphotography – Run Over by Christmas!

1) Feliz natal, Bruno (o natal e o trânsito no Rio)
2) Feliz natal, Arnaldo (festa de natal)
3) Feliz natal, Mini (Autopista de natal)
4) Feliz natal, Fred (o papai noel da Coca-Cola em Copacabana)
5) Feliz natal, Tomate (o natal como ele é)
6) Feliz natal, Dani (natal nostálgico)
7) Feliz natal, Cissa (chegando em São Paulo)
8) Feliz natal, Terron (os peitos da Amy Winehouse)
9) Feliz natal, Ronaldo (mixtape de natal)
10) Feliz natal, Bressane (retrospectiva 2008)