Rock’n’roll para as massas

, por Alexandre Matias

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Escrevi sobre a importância de Chuck Berry lá no meu blog no UOL.

Há referências sobre o termo “rock and roll” nos anos 20 e desde antes da quebra da bolsa de valores norte-americana em 1929 que brancos e pretos caipiras começavam a aproximar o country e o rhythm’n’blues pelo ritmo frenético e pelo rebolado na dança. O groove aproximou duas etnias que viviam separadas e a eletricidade uniu dois cânones musicais distintos em uma novidade que só foi encontrar eco comercial nos anos 50. E por mais que Elvis Presley tenha sido o principal nome a fazer aquele novo estilo musical transformar-se em fenômeno, foi Chuck Berry, que morreu neste sábado aos 90 anos, quem começou aquilo tudo.

Não dá para dizer que é o pai do rock (talvez o diabo, mas isso é outra história), mas Chuck Berry sem dúvida estava na sala de parto. Elvis já havia dado seus primeiros passos fonográficos, mas o primeiro rock a se tornar um sucesso nacional foi “Maybellene”, em 1955, um ano antes de Elvis Presley tornar-se mania. Na verdade, aquele primeiro single tinha tudo que caracterizaria um gênero que ainda não tinha sido batizado.

Lançado pela Chess Records a partir de uma dica de Muddy Waters, o disco sintetizaria tudo que seria associado ao rock’n’roll nos anos seguintes: ritmo frenético, canções curtas e rápidas, foco na juventude, no consumismo e em símbolos de status, o timbre sujo da guitarra elétrica, um riff de apresentação. A letra descreve uma perseguição entre dois carros – um V8 Ford que perseguia um Cadillac Coupe DeVille – e a história de um amor traído. Chuck Berry, inspirado por ídolos do entretenimento negro como o band leader Louis Jordan, o guitarrista Charlie Christian (o primeiro guitarrista elétrico) e o próprio Muddy Waters, adaptou um velho country do final dos anos 30 (“Ida Red”, imortalizado por um dos primeiros grupos de rock antes da invenção do gênero, Bob Wills and his Texas Playboys) para uma nova cultura que ele começou a perceber nascer a partir do pós-guerra: consumista, competitiva, jovem e querendo diversão. Viu o nascer do adolescente como público-alvo e formatou seu blues para aquele novo público. Acertou na mosca. “Maybellene” vendeu mais de um milhão de cópias só no ano que foi lançada.

Chuck Berry preparou o terreno não apenas para Elvis Presley, Buddy Holly, Little Richard, Fats Domino, Jerry Lee Lewis, Johnny Cash e outros pioneiros da primeira geração do rock, mas também deu a cartilha de mão beijada para toda a segunda geração – é impossível imaginar a invasão britânica dos EUA formada por Beatles, Rolling Stones, Animals, Who e Cream sem a figura de Buddy Holly. Quase todas as bandas da primeira safra dos anos 60 gravou versões de clássicos de Chuck – como “Roll Over Beethoven”, “Rock and Roll Music” e “Johnny B. Goode” – como também foram influenciados por sua técnica ao instrumento. Ao praticamente forjar o conceito de riff de guitarra – a frase inicial que faz o público reconhecer a música antes da entrada da canção em si -, não é exagero dizer que Chuck Berry é o primeiro guitar hero da história.

E também um dos primeiros bad boys da cultura pop. Ao contrário de Elvis, Chuck não escondia sua má índole e, bom malandro, fazia que não era com ele. Mas foi enquadrado ainda na adolescência por assalto a mão armada e inevitavelmente entrava em confusões envolvendo dinheiro, armas e a polícia. Gangsta avant-la-lettre, ameaçou John Lennon a dar-lhe os créditos por “Come Together”, que teria sido surrupiada de “You Can’t Catch Me”, e enquadrou os Beach Boys quando ouviu sua “Sweet Little Sixteen” em “Surfin’ U.S.A.”. Não levava desaforo pra casa e não temia por sujar sua reputação.

Sua fama de mau fazia parte de seu senso de showbusiness. Ele sabia posar para a foto, dar seu melhor sorriso, inventou o “passo do pato” para sublinhar seus solos de guitarra ao vivo. Um popstar que construiu a própria reputação e viveu como quis. Não à toa suas músicas e mensagens sobreviveram icônicas em momentos centrais do pop moderno, como no Pulp Fiction de Quentin Tarantino, na principal cena de De Volta para o Futuro ou no primeiro disco dos Simpsons. Chuck Berry foi quem apresentou o rock’n’roll para as massas – pioneiro ao forjar um gênero musical que tornou-se um estilo de vida.

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