40 anos de Rocket to Russia

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O melhor disco dos Ramones completa quatro décadas de existência – escrevi sobre o disco no meu blog no UOL.

Quando Rocket to Russia, o terceiro disco dos Ramones, foi lançado no dia 4 de novembro de 1977 – há exatos 40 anos -, o grupo sabia exatamente o que queria. O álbum aperfeiçoava uma fórmula que o quarteto nova-iorquino vinha trabalhando desde antes de seu explosivo disco de estreia e que chegava ao auge naquele conjunto de canções. O disco também foi atropelado pelo disco de estreia dos Sex Pistols (o caótico Never Mind the Bollocks, lançado na semana anterior), o que desvirtuou completamente o conceito que o grupo nova-iorquino havia criado ao redor daquele novíssimo gênero chamado “punk rock”.

Porque Rocket to Russia, ao contrário de Never Mind the Bollocks, não era um disco de ruptura, muito pelo contrário. É o disco em que os Ramones sublinham que sua sonoridade tosca e agressiva não era negação do som que haviam crescido ouvindo e sim uma forma de retomar valores essenciais do cânone clássico do rock’n’roll que haviam se perdendo entre sinfonias de rock progressivo, solos virtuosos de bandas de hard rock e baladas adocicadas cantaroladas por cantores-compositores. Ao mesmo tempo é o disco que melhor captura a dinâmica sonora do grupo, consagrando seu formato para a eternidade – e reúne um cardápio repleto de canções clássicas a ponto de rotineiramente ser confundido com uma coletânea de melhores músicas da banda.

Rocket to Russia começa no primeiro semestre de 1977, quando o grupo lança o single “Sheena is a Punk Rocker” com “I Don’t Care” no lado B. As duas músicas haviam sobrado do disco anterior (o segundo álbum, Leave Home) e pareciam consolidar a geração que foram pioneiros. Dois anos antes, o grupo havia sido uma das principais bandas a puxar um cordão de novos grupos ao redor do bar de motoqueiros CBGB’s (descoberto pelo Television) e funcionava como um ponto em comum entre grupos tão diferentes quanto o grupo de Patti Smith, o ainda trio Talking Heads, o Stilettoes que num futuro próximo mudaria seu nome para Blondie e o próprio Television. Dois anos depois, as quatro bandas tinham contratos com gravadoras estabelecidas e discos lançados, o que provocava uma sensação num círculo específico de Nova York de que a cidade vivia uma cena tão mágica quanto a da Londres dos primeiros dias dos Beatles ou de São Francisco no início da psicodelia.

Os Ramones eram, de longe, o grupo mais coeso daquela cena – e sua coesão vinha justamente de sua simplicidade: músicas curtas, temas diretos, letras na cara do ouvinte, poucos acordes em uma parede de som. Eram também sucintos visualmente – o uniforme camiseta, jaqueta de couro, calça jeans rasgada e tênis fortaleciam aquela personalidade única que criavam ao se batizarem com um sobrenome (de um pseudônimo usado por Paul McCartney no início dos Beatles) e se rebatizarem todos com aquele sobrenome. Eram uma banda mas também um grupo de irmãos ou de clones e não importavam qual era sua função na banda, todos soavam idênticos: crus, diretos, barulhentos mas com uma pequena dose de melodia.

Johnny Ramone, Tommy Ramone, Joey Ramone e Dee Dee Ramone

Johnny Ramone, Tommy Ramone, Joey Ramone e Dee Dee Ramone

O grupo também sabia de sua influência para além de Nova York. Ao visitar Los Angeles e Londres em duas curtas turnês em 1976, o grupo pode entrar em contato com os principais grupos punk daquelas cidades e sua materialização parecia confirmar para os outros que era possível embarcar naquela onda contracultural que pregava os valores do faça-você-mesmo e a necessidade de se expressar de forma urgente. Os Ramones estavam no olho do furacão do movimento punk global e sabiam exatamente de sua importância.

Tanto que ao lançar o compacto de “Sheena is a Punk Rocker” e “I Don’t Care” eles pareciam determinar suas principais diretrizes. De um lado consolidavam o gênero pelo nome, registrando pela primeira vez o termo “punk rock” em disco. A nova faixa também fazia uma improvável concessão aos Beach Boys, repetindo uma fórmula eternizada pelo grupo dos irmãos Wilson só que com o dobro da velocidade e o triplo do peso. O lado B, por sua vez, reforçava a crueza estética, tanto pelos mínimos acordes (surrupiados, anos mais tarde, pelo Legião Urbana para compor a base de sua “Que País é Esse?”), quanto pela mensagem, um foda-se generalizado para tudo e para todos.

Com aquele primeiro disquinho os Ramones reforçavam que sabiam que o som que faziam era uma nova tendência, não pertencia apenas a eles. E ao reforçar o lado bubblegum anos 60 com o hit “Sheena is a Punk Rocker” eles aos poucos mostravam que pertenciam à história do rock e não haviam aparecido para encerrá-la.

E foi com esse espírito que entraram no Media Sound Studios para registrar seu terceiro disco. As gravações de Rocket to Russia – que começou a ser gravado com o nome de Get Well – começaram em agosto daquele ano e, além de regravar as duas músicas que haviam lançado anteriormente como single, eles tinham algumas cartas na manga. Uma delas, no entanto, apareceu de uma hora para outra, quando puderam ouvir a parede de guitarras do segundo single dos Sex Pistols, “God Save the Queen”. Mostraram para o engenheiro de som do disco, Ed Stasium, com a incumbência de soar mais barulhento que o grupo inglês. “Sem problemas”, disse o técnico, que foi o produtor efetivo do álbum, apesar dos créditos listarem Tony Bongiovi e Tommy Ramone neste papel.

Entre as armas secretas estavam três versões de músicas antigas, que sublinhavam que o grupo sabia de onde vinha aquela sua sonoridade. Além da vibe contagiante de “Sheena is a Punk Rocker”, o grupo ainda trouxe para o disco pérolas dos anos 60 como “Surfin’ Bird” (dos Trashmen), “Do You Wanna Dance?” (de Bobby Freeman) e “Neeedles and Pins” (gravada pelos Searchers). Sem muita dificuldade os Ramones transformaram aquelas versões em suas e fizeram as versões definitivas para todas elas (mesmo que “Needles and Pins” não tivesse entrado na edição final, vindo aparecer apenas no disco seguinte, Road to Ruin).

Várias outras músicas de Rocket to Russia refletiam aquela sonoridade sessentista, como a balada de bailinho “I Wanna Be Well”, “Rockaway Beach” (puro turma da praia), “Ramona” (que ainda transformava o grupo em personagens, quando Joey apresentava os integrantes da banda como se fosse um tema de desenho animado), “I Can’t Give You Anything” (que poderia ter sido composta pelo The Who) e “Here Today, Gone Tomorrow”. Juntas com esporros punk como o hino “Cretin Hop”, “We’re a Happy Family” e a perfeita “Teenage Lobotomy”, aquelas faixas reforçavam que Rocket to Russia não queria apagar a história do rock para escrever a sua e sim colocar-se no cânone do rock clássico em que eles achavam que pertenciam.

E no disco em que melhor traduziram sua sonoridade (e que quase foi produzido por Phil Spector, que começou a paquerar o grupo naquela época), os Ramones também se eternizaram como ícones da história do rock. Rocket to Russia sabe da própria importância e ela se encontra tanto no todo como em seus detalhes (a foto da capa foi feita pelo mesmo Danny Fields que os descobriu dois anos antes, as ilustrações da contracapa e do encarte foram feitas pelo ilustrador do fanzine Punk, John Holmstrom). É o disco que consolida os Ramones como o principal agente do punk e também sua obra-prima. Além de ser um disco divertido – e engraçado – pra cacete.