Meu quarto Rock in Rio, não tão intenso quanto o primeiro, não tão empolgante quanto o de Las Vegas, mas sem dúvida uma experiência e tanto – principalmente por já conhecer a lógica e as artimanhas do festival e, claro, por finalmente conseguir assistir ao Who ao vivo.
O quanto o timbre de um vocalista pode interferir no andamento de todo um show? Peguei o Rock in Rio como exemplo desta questão em uma análise durante a cobertura do Rock in Rio que estou fazendo para o UOL.
Red Hot, Offpsring e Sepultura fazem os melhores shows do último dia do Rock in Rio – e a minha cobertura do festival para o UOL vai chegando ao fim.
Encerrando a cobertura que fiz do Rock in Rio para o UOL, segue a lista dos cinco melhores shows do segundo finde do festival, que postei lá meu blog no portal.
Passei os dois últimos fins de semana andando feito um camelo pelo Rock in Rio, submetido a uma maratona de shows uns épicos, outros insuportáveis e mesmo que a exaustão final ainda se abata, é possível lembrar dos grandes momentos do festival. Havia publicado a lista com os cinco melhores shows do fim de semana anterior neste link, abaixo refiro-me aos cinco melhores do fim de semana passado.
1) The Who
O melhor show de todo o festival e uma apresentação que já entrou para a história tanto do festival quanto dos grandes shows internacionais no Brasil. Pagando uma dívida de meio século sem nunca ter vindo ao país, os remanescentes do grupo original – seu vocalista Roger Daltrey e o guitarrista Pete Townshend – mostraram-se em plena forma mesmo com mais de setenta anos de idade.
2) BaianaSystem
O melhor show do Brasil atualmente não se conformou com o espaço reduzido do Palco Sunset e misturou o climão de carnaval de rua ao de festas jamaicanas e show de punk rock, inflamando o público como poucas apresentações durante todo o festival. A presença da MC angolana Titica, flerte que o grupo já acalentava há anos e que o Rock in Rio conseguiu proporcionar, apenas temperou a massa sonora com uma pimenta estética forte, bem ao gosto da conexão Salvador-Luanda.
3) Tears for Fears
Ninguém poderia prever o arrebatamento emocional causado pela dupla formada por Roland Orzabal e Curt Smith, mesmo com a quantidade de hits no repertório. Uma apresentação precisa, cujo timbre cristalino dos vocalistas ajudou o público a lembrar porque eles foram uma das principais bandas pop dos anos 80, fazendo aquilo que os Pet Shop Boys deveriam ter feito no fim de semana anterior.
4) Ceelo Green
Que vocalista, que showman, que carisma! Metade da dupla Gnarls Barkley, Ceelo conquistou o público apenas com sua presença, chacoalhando seu corpo compacto enquanto alcançava vocais agudos que arrebatavam as canções para um nível acima. Com uma banda da pesada, ainda recepcionou a brasileira Iza em dois duetos (entre eles uma canção de Michael Jackson) e a vocalista quase roubou a cena, encantando a todos com sua presença magnética. O melhor ficou para o fim, quando o saxofonista da banda roubou o holofote para tocar a melodia do hit carioca “Deu Onda” pouco antes de cair numa versão arrasa-quarteirão para “September”, do grupo Earth Wind & Fire.
5) Alice Cooper
A idade só faz bem para Alice Cooper e longe de acelerar sua decadência artística, a transforma em trunfo: o vocal mais grave, o rosto mais cheio de rugas e a presença mais ranzinza no palco só ajudam a aumentar a personalidade insana do pai do rock de horror. Os elementos cênicos certamente são metade do show e toda a banda que o acompanha (incluindo aí a sensacional guitarrista Nita Strauss e uma palhinha bem-vinda do aerosmith Joe Perry) também não faz feio, mas todo o show está concentrado no contato visual e vocal do público com Cooper, que rege expectativas e refrãos como um maestro do inferno. Que figura!
Clima de festa de playboy se espalha pela segunda noite do fim de semana roqueiro do Rock in Rio – mais uma matéria que fiz para a cobertura do UOL sobre o festival.
De um lado o Who fez um show redentor, do outro o Guns N’Roses fez um show vergonhoso – escrevi sobre estas apresentações e outras do sábado no Rock in Rio como parte da cobertura que estou fazendo para o site.
Russo Passapusso não gostou que seu grupo não pode distribuir suas máscaras, marca registrada do BaianaSystem, durante o Rock in Rio, como gostaria – conversei com ele sobre isso como parte da cobertura que estou fazendo para o UOL no festival.
Conversei com Lúcio Maia, Jorge Du Peixe e Pupilo sobre uma possível continuidade da parceria da Nação Zumbi com Ney Matogrosso após o show que fizeram juntos no Rock in Rio – o vídeo faz parte da cobertura que fiz do festival para o UOL.
Não teve conversa: o primeiro dia do segundo fim de semana do Rock in Rio foi do Aerosmith e de Alice Cooper, como conto em mais uma parte da minha cobertura do festival para o UOL.
Sem querer, o Rock in Rio retrata uma transformação crucial em dois dos grandes gêneros da música pop – escrevi lá no meu blog no UOL.
O primeiro fim de semana do Rock in Rio 2017 foi dedicado à música pop e é engraçado perceber como esses tempos estranhos ajudam a inverter os polos. Se o pop antes era dócil e confortável, ele vem assumindo um papel subversivo e desafiador que antes cabia ao rock. O rock era a contestação, a negação, o confronto, o embate. O pop era composto por girl groups e boy bands, cantores galãs e musas intactas sorrindo enquanto cantavam a tradição, a família e a propriedade. O rock era a perversão, o underground, o desvario, o circo pegando fogo, o caos. O pop aceitava tudo com “sins” e o rock negava tudo com seus “nãos”. E agora começa o fim de semana do rock, que tornou-se um gênero conservador.
Mas parte da música pop que desfilou no primeiro fim de semana do Rock in Rio dizia “não”. Estava nas letras politizadas de Rael e de Elza Soares, na participação de uma líder indígena brasileira no show de Alicia Keys, no beijo redentor entre Johnny Hooker, Liniker e nos discursos de Roberto Frejat, Samuel Rosa e Evandro Mesquita em seus shows no festival, na presença intrusa da esnobada Anitta através da participação de Pabllo Vitar, nos “fora, Temer” instantâneos e até no constrangedor protesto puxado por Ivete Sangalo e Gisele Bundchen ao som de “Imagine” de John Lennon. Claro que havia um pop que diria “sim” até para uma pedra (Maroon 5, Fergie, 5 Seconds of Summer, Shawn Mendes, Walk the Moon), mas pelas beiradas outros mostraram que o pop deste século lida com outra abordagem.
A música pop vem deixando sua doçura e delicadeza em segundo plano para funcionar a seus compositores e intérpretes como trampolins de personalidade, criando plataformas que podem vender diferentes facetas de um mesmo artista como se fossem souvenirs de museus. A década mágica desta transformação foram os anos 80 e tanto ícones gigantescos como Prince e Madonna quanto heróis anônimos dos primeiros anos da música eletrônica para dançar e do hip hop inverteram a regra do jogo. De repente a música pop começava a ficar mais desafiadora e cheia de si, dando auto-estima e petulância a artistas que pediam licença para entrar. E assim o pop começou a funcionar como uma forma de desafiar o status quo, mirando em temas e discussões que antes eram típicas da mentalidade do rock. Abraçando direitos civis, questões de gênero e sexualidade, minorias e o meio ambiente, este novo pop estabelece os próprios valores, em vez de adequar-se aos existentes.
É o extremo oposto do que vem acontecendo com o rock – e o rock que acontece neste segundo fim de semana do Rock in Rio vem sendo representado pelos headliners Aerosmith, Bon Jovi, Guns’N Roses e Red Hot Chili Peppers. Nomes que já foram sinônimos de confusão e desordem mas que hoje fazem tudo nos conformes, seguindo as regras do showbusiness. São executivos de suas próprias empresas que não querem saber de perder dinheiro. Deixaram todo o senso de periculosidade e de provocação no passado, alimentando uma caricatura de rockstar que pertence ao século passado. É sintomático que sejam nomes que também se estabeleceram nos anos 80, quando o último suspiro de contestação vindo do rock veio das cenas surgidas a partir do punk. Por isso que a inclusão de nomes como Titãs, Tears for Fears, Capital Inicial, Offspring e até Incubus, Fall Out Boy e Jota Quest não desequilibra. O pobre Who é quem mais soa deslocado nesse contexto.
Não que o rock não possa ser contestador atualmente – e o palco Sunset prepara encontros que mexem com essa veia. Nação Zumbi e BaianaSystem podem ser consideradas as principais bandas de rock do Brasil hoje, embora o elemento nordestino faça muitos torcerem o nariz para essa categoria (o que é apenas preconceito, sabemos) – o primeiro grupo toca ao lado de Ney Matogrosso e o segundo da rapper angolana Titica. Um improvável encontro entre Alice Cooper e Arthur Brown pode render mais do que promete e os shows do Kills e do Sepultura têm sua petulância, em diferentes níveis.
Mas no palco Mundo o que se vê é uma seleção conservadora. Grupos que forjaram suas reputações a partir da repetição de fórmulas e clichês que lhes distanciaram do ímpeto inicial de suas carreiras. Tanto Aerosmith quanto Red Hot Chili Peppers são os melhores disso: artistas cuja primeira fase da discografia foi dedicada à vida louca de rockstar, se reinventaram numa segunda fase como uma caricatura do que eram, bandas voltadas para tiozões que se consideram roqueiros. Enquanto o pop se tornou subversivo, o rock se tornou reacionário e conservador.