Ordem e caos

Especial esta terceira apresentação da temporada Mil Fitas que Sue e Desirée Marantes estão fazendo no Centro da Terra, pois foi quando elas puderam materializar uma das mais intensas versões da Mudas de Marte Improvise Orquestra, projeto de Sue que, como o nome entrega, abraça a regência de músicos tocando livremente. A técnica de condução do improviso livre é uma bandeira artística levantada pelo maestro e músico Guilherme Peluci, que criou a Ad Hoc Orquestra, que esteve na formação montada pelas duas e regeu uma das três partes da noite, além de explicar o conceito para o público. Além de Peluci, que foi para o clarone quando deixou a batuta de lado, o time reunido por Sue e Desi contava com a voz e a percussão de Paola Ribeiro, o saxofone de Sarine, os beats de Ricardo Pereira, o violino Gylez, a percussão de Melifona, a guitarra de Luiz Galvão, o trompete de Rômulo Alexis, a bateria de Rafael Cab e o contrabaixo acústico de Vanessa Ferreira (além do violino de Desirée e da guitarra de Sue, anfitriãs da noite). Além de Peluci, Alexis e Sue também puderam reger outros dois atos, cada um deles conduzindo a massa sonora para um lugar que, apesar de nascido no improviso livre, está muito mais próximo ao que nosso inconsciente classifica por música, mesmo que num processo individual nascido coletivamente e conduzido por uma única pessoa. Esse equilíbrio entre ordem e caos transforma o que poderia tornar-se apenas em uma maçaroca sonora, numa onda fluida de melodias, ritmos e harmonias espontâneas, num espetáculo mágico e envolvente. Na lateral do palco, Kiko Dinucci também esteve presente mas não fez música, desenhando os músicos enquanto a apresentação se desenvolvia e tendo suas ilustrações projetadas no fundo da apresentação. “Na próxima eu toco!”, ele desabafou no final. Uma noite única.

Assista aqui.  

Centro da Terra: Junho de 2023

Estamos entrando na terceira parte do mês de maio, então é hora de anunciar as atrações do mês de junho no Centro da Terra. A temporada das segundas-feiras fica na mão de duas produtoras, compositoras e multiinstrumentistas que cogitei reunir pensando nos pontos em comuns de seus trabalhos e Sue e Desirée Marantes me apresentaram uma proposta incrível chamada Mil Fitas, em que reúnem-se com diferentes artistas para criar paisagens sonoras em camadas. Na primeira segunda, dia 5, elas recebem as artistas Dharma Jhaz e Carol Costa. No dia 12, é a vez de tocarem ao lado do duo Carabobina (composto por Alejandra Luciani e Rafael Vaz) e de Fer Koppe. Na outra segunda, elas reúnem uma cabeçada: Kiko Dinucci, Ricardo Pereira, Romulo Alexis, Guilherme Peluci, Paola Ribeiro, Sarine, Gylez, Bernardo Pacheco, Natasha Xavier e outros nomes a confirmar, encerrando a temporada dia 26, quando reúnem a banda Ema Stoned, a produtora Saskia e o boogarinho Dinho Almeida. As terças de junho começam com uma minitemporada, Notas e Sílabas, em que o trio instrumental Atønito se aventura pelo mundo das palavras, com um novo convidado a cada apresentação – no dia 6 eles recebem o guitarrista Lucio Maia e no dia 13 a cantora e compositora Luiza Lian. As outras terças trazem dois shows solos de dois artistas distintos iniciando novas fases em suas carreiras: no dia dia 20 a cantora e instrumentista paulista Tika apresenta Marca de Nascença, quando toca ao lado de uma banda composta só por mulheres e antecipa seu próximo trabalho, enquanto no dia 27 o paulistano Bruno Bruni começa a encerrar sua trilogia de jazz funk Broovin’ apresentando as faixas do próximo disco em primeira mão no palco do Centro da Terra. Como junho é o mês do festival In Edit, nossa parceria traz o documentário Manguebit, dirigido por Jura Capela no ano passado, ma primeira quarta-feira do mês, dia 7, antes da programação oficial do evento, que terá atividades no Centro da Terra, anunciadas em breve. Os espetáculos começam sempre às 20h e os ingressos podem ser comprados antecipadamente neste link.

Cidadão Instigado + Legião Urbana


Cidadão Instigado + Dado Villa Lobos – “Tempo Perdido”

Dado Villa-Lobos deu uma palhinha num show do Cidadão Instigado no Rio no fim de semana e a banda aproveitou pra emendar duas do Legião. O Ricardo tava lá e escreveu sobre o show (os vídeos são da Jô):

Ontem, fui assistir ao Cidadão Instigado no Rival e confesso que minha expectativa era ainda maior. Penso que é a melhor banda em atividade no Brasil e ainda não havia os visto ao vivo. Fui com meu amigo Cadu e não nos decepcionamos, um showzaço. Lembro que desde a abertura, com ‘Doido’, comentei que nenhuma banda ‘normal’ abriria daquela forma e o show prosseguiu com interpretações magistrais de pérolas como ‘Deus é uma viagem’ e ‘Como as Luzes’, até Catatau chamar uma participação especial: Dado Villa-Lobos. Ficamos agradavelmente surpresos, até porque não estava no roteiro. Gostei ainda mais que ele tocou ‘Homem Velho’, das minhas preferidas do último álbum da banda, uma tocante homenagem a Deus, quer dizer, Neil Young. Mas nem podíamos imaginar o que vinha depois…

Já tinha visto o Dado tocar em shows de outras bandas e é sempre legal, mas dessa vez foi diferente. Ele entrou no palco com a simplicidade de sempre, parecendo congelado no tempo, vestindo uma camiseta do Blur e após a bonita interpretação de ‘Homem Velho’, a banda emendou inacreditavelmente com uma das melhores canções da Legião Urbana, ‘Andrea Doria’, em versão fiel à original. Foi especial porque bateu tudo muito forte ali, assistir aquela canção ao vivo, com o guitarrista da banda que mais ouvi na minha adolescência junto com a banda que mais admiro atualmente. E o fato de ver o Catatau cantando era como se cada um de nós cantasse ali no palco, por ele representar o oposto do comportamento messiânico de Renato Russo. Ainda tocaram ‘Tempo Perdido’, “um dos momentos mais lindamente melancólicos da história da música pop”, como definiu Hermano Vianna, e a música da Legião que meu pai mais gosta.

Tudo é questão de feeling, o lugar certo, na hora certa, e naquele momento foi como se um filme da vida passasse em minha mente. Foi significante ver o Cidadão Instigado tocando Legião com o Dado, o encontro de referências importantes para mim, situados em espaços tão distintos de tempo. Pelo inesperado, pela nostalgia, foi daqueles momentos inesquecíveis. E, significativamente, a próxima música que a banda tocou foi ‘O Tempo’ e versos como “olha pra mim, eu já não sou mais o menino que você deixou” ou “o tempo é um amigo precioso” fizeram ainda mais sentido.

Poderia falar do quanto a banda ainda é mais criativa no palco do que no estúdio; que Catatau só confirmou o que eu já sabia, que é o melhor guitarrista de sua geração; que Dado ainda voltou para tocar com muita empolgação mais músicas do Cidadão… Mas prefiro deixar essa última imagem, a torrente de sentimentos que me invadiu naquele momento: Cidadão Instigado, Legião Urbana, ‘Andrea Doria’, ‘O Tempo’, o tempo…


Cidadão Instigado + Dado Villa Lobos – “Andrea Doria”

Realmente, essa versão de “Andrea Doria” (que música!) ficou demais.