Conforto no ruído

Em dado momento de sua terceira apresentação no Centro da Terra deste mês, Jair Naves explicou como aquela temporada lhe ajudava a sair da famigerada zona de conforto ao se autoprovocar a visitar instantes diferentes de sua carreira com parceiros de diferentes fases da vida, visitando velhas canções como quem visita cicatrizes e tatuagens em seu próprio corpo – como havia mencionado na semana passada. Mas referia-se à saída não só por revisitar seu repertório de outros anos como a faze-lo com outras formações musicais, reforçando inclusive laços pessoais com os músicos que lhe acompanharam e citava a formação ali no palco desta terceira noite como sendo sua atual zona de conforto, reforçando que amava poucas pessoas no mundo mais do que o trio formado por Gustavo Nunes, Lucas Melo e Renato Ribeiro. Sozinhos os três são uma usina sônica em forma de power trio, um Crazy Horse misturado com Joy Division que reúne os pré-requisitos básicos de uma banda de pós-punk (guitarra ruidosa, baixo melódico e marcado, bateria mântrica) com traços típicos de uma banda de rock clássico e referências musicais ao indie rock norte-americano e brasileiro, além da força noise e hardcore, que fazem as canções de Jair – meio Nick Cave, meio Ian Curtis – crescerem ainda mais em tensão, tanto lírica quanto musical, extravasando também em sua performance, seja apenas ao microfone, nos teclados, na guitarra ou no violão – todos tocados nesta segunda. E apesar de ter visitado mais músicas de seu disco mais recente (o libelo antibolsonarista Ofuscante A Beleza Que Eu Vejo, de 2022), com o próprio Jair abrindo o show no teclado com a épica “Breu”, cujo crescendo pautou o resto da apresentação, ele também remoeu músicas de seu primeiro disco (as duas partes de Araguari e “De Branquidão Hospitalar”), duas de Trov​õ​es A Me Atingir (de 2015, “Resvala” e “5/4 (Trovões Vêm Me Atingir)”) e fechou a noite com uma das melhores faixas de Rente (2019, que acho seu melhor disco), “Sonhos Se Formam Sem o Meu Consentimento”, sempre deixando a emoção e um desejo de vingança transbordar no palco, cuja quantidade de ruído elétrico compensou as duas noites anteriores, que só não foram introspectivas por picos de impetuosidade do próprio Jair. Talvez tenha sido o melhor show que vi dele.

Assista abaixo:  

Acariciando traumas

“Músicas são como tatuagens”, Jair Naves comentou no meio do seu segundo show da temporada que está fazendo às segundas-feiras no Centro da Terra, ao subir no palco do teatro ao lado de seu velho comparsa Renato Ribeiro para burilar velhas canções como quem acaricia uma cicatriz para lembrar da dor original ou mergulha no próprio inconsciente para encarar um trauma adormecido. “Quando a gente foi passando por esse repertório eu me lembro exatamente quem eu era quando fiz essas músicas, o que eu tava vivendo, o que tava me afligindo, por quem eu estava apaixonado e obviamente se você tem muitas tatuagens, você gosta mais de umas do que de outras, mas hoje escolhi minhas melhores”, comentou enquanto tocava mais violão que na primeira noite, quando preferiu cantar sem tocar nenhum instrumento, e acompanhado apenas pela guitarra delicada de Renato, passeando por canções de seu repertório ou que nunca tinha tocado ao vivo ou que há muito não encarava nos palcos. Nisso, pinçou pérolas como “Silenciosa” (de seu disco de estreia, Araguari, de 2010), a faixa-título de seu disco de 2011, Um Passo por Vez, várias de seu E Você Se Sente numa Cela Escura, Planejando a Sua Fuga, Cavando o Chão Com as Próprias Unhas de 2012 (“Poucas Palavras Bastam”, “Vida Com V Maiúsculo, Vida Com V Minúsculo”, “Guilhotinesco”, “No Fim da Ladeira, Entre Vielas Tortuosas” e “Eu Sonho Acordado”, que conectou com o filme Ainda Estou Aqui para falar sobre a ditadura militar brasileira), uma de Trovões a Me Atingir de 2015 (“Um Trem Descarrilhado”), duas do Rente de 2019 (“Veementemente” e “Gira” esta tocada com Renato ao metalofone) e uma de Ofuscante A Beleza Que Eu Vejo de 2022 (“A Luz Que Só Você Irradia”), além de cantar só no gogó a novíssima “Névoas”, de onde tirou o verso que batiza a temporada (“O Significado se Desfaz no Som”) e em que fez um comentário sobre um comentário que leu na internet sobre a música. Apesar da delicadeza da apresentação ter sido ainda mais intensa que a da primeira, ele conseguiu convencer o público a cantar junto e deixou emoções desaguar enquanto cutucava as próprias feridas. Uma noite especial.

Assista abaixo:  

Jair Naves: O Significado se Desfaz no Som

É com imensa satisfação que começamos nesta segunda-feira a última tempprada de música no Centro da Terra em 2024 e seu protagonista é o grande Jair Naves, que apresenta formações musicais variaddas a cada semana para mostrar as diferentes facetas de sua autoria. Na primeira noite da temporada baitzada O Significado se Desfaz no Som, que acontece no dia 4, ele reúne sua clássica banda Ludovic para uma apresentação acústica – a primeira (e talvez única) na história do grupo. Depois, dia 11, ele convida seu parceiro musical mais antigo, Renato Ribeiro, para passear pelo repertório de seus quatro discos e mostrar algumas músicas que estarão no disco que está começando a trabalhar. Na terceira segunda-feira, dia 18, ele reúne sua banda completa para tocar outras músicas de seu repertório, mostrando canções que com mais urgência e ruído. E a temporada termina no dia 25, quando recebe o trio paraense Molho Negro num encontro inédito em que tocarão músicas de ambos repertórios. Sempre lembrando que os espetáculos começam pontualmente às 20h e os ingressos estão à venda na bilheteria e no site do Centro da Terra.

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