Só vi agora essa matéria que a Renata fez pro Metrópolis me pedindo pra traçar a conexão entre alguns livros e discos clássicos, mostrando como a literatura é fonte de inspiração pra música pop.
Acompanho o trabalho da Renata Simões bem antes de nos tornarmos amigos e sempre fui fã de sua curiosidade cara-de-pau, que descobre histórias nos intervalos das gravações, puxa personagens improváveis para assuntos pouco óbvios ou simplesmente aponta pessoas que estão fazendo diferença, sempre experimentando linguagem, tom e abordagem num meio tão engessado como a televisão. Do Vídeo-Show ao Urbano, passando por seu documentário e agora as reportagens no Metrópolis, ela mistura jornalismo, entretenimento e crônica de um jeito em que tanto ela, o espectador e o entrevistado se sintam bem à vontade. E como ela é comadre, o papo nunca termina…
Renata Simões, que fez a mediação da primeira edição do Spotify Talks desse ano, é minha comadre velha de guerra e pediu licença para publicar aqui no Trabalho Sujo mais um de seus Rolezinhos, a série de matérias que retratam cidades e lugares e sua relação com as pessoas e com a cultura – como ela explica melhor aqui. Desta vez o destino foi Fortaleza, quando do acontecimento do cada vez mais importante festival Maloca Dragão, que, na edição deste ano, recebeu show do BaianaSystem, homenagem-relâmpago ao recém-falecido Belchior (a notícia, como conta Renata, chegou no meio da edição), da primeira celebração do Cidadão Instigado de seus 20 anos de travessia, em sua cidade-natal e do projeto Praia Futuro. E eu sou besta de não deixar? Fala Renata!
Fortaleza te recebe com 27 graus de temperatura às duas da manhã. O mar do outro lado da janela do hotel promete um frescor que o clima não entrega. Estou na cidade para o Maloca Dragão, festival de artes integradas do Centro Cultural Dragão do Mar (melhor nome de lugar ever).
Os shows, gratuitos, acontecem em palcos montados pelas ruas do bairro da Praia de Iracema, semelhante à Virada Cultural paulistana, mas ao redor do tal Dragão do Mar, que normalmente é o centro de atividades culturais na região da capital. Atrações locais, nacionais e internacionais, da música eletrônica ao teatro experimental, se espalham por vinte palcos. Na lista do “quero ver” o show que celebra os vinte anos do Cidadão Instigado, BaianaSystem, As Bahia e a Cozinha Mineira, Horoyá, Nego Gallo, e mais umas coisas que a turma local indicou. Certeza da vontade de ouvir Praia Futuro, projeto instrumental lançado pelo selo Nublu que não vi no Sesc, ano passado.
Caminhando pela orla, de longe dá para ouvir a guitarra, o baixo, a bateria. De perto, Fernando Catatau (Cidadão Instigado), Dengue (Nação Zumbi) os dois de bermuda e chinelo de dedo, passam o som junto com Kalil, o sexto integrante do Cidadão. Praia Futuro, o disco, foi gravado na cidade, no estúdio Totem, “em janeiro ou fevereiro de 2016, acho, foi antes do Maloca (do ano passado)”.
Kalil estreia nos palcos depois de assinar gravação e mixagem de discos e shows do Cidadão Instigado, Otto, Arnaldo Antunes, entre outros. “Toco bateria desde os onze anos. Quando fui pra São Paulo estudar áudio, vi a possibilidade de estar com todos os instrumentos na minha mão, de sair do ritmo para ter uma banda inteira.” Dengue, pilar do Praia Futuro, convenceu Kalil a tocar: “Foi muito simples, fui enchendo o saco dele e ele foi tocando”.
O projeto começou sem nome, depois do show do Central Park nova-iorquino que comemorava os vinte anos do disco Afrociberdelia, da Nação Zumbi. “Eu conheço o Ilhan (Ersahim, músico e dono do selo Nublu) desde 2000. A gente sempre se falou e nunca falou de trabalho. Nesse dia surgiu esse assunto, e sobre como seria, algo de dub. Acabou que Praia Futuro não tem nada de rótulo, tem coisa de praia”, conclui Dengue.
Formatado como um trio com Pupilo, também da Nação, Dengue e Ilhan, o grupo sofreu alterações na escalação porque o baterista da Nação Zumbi estava envolvido com produção do disco Tropix de sua parceira Céu, e a direção musical do show de Gal Costa. Kalil foi para a bateria e Catatau escalado na guitarra para reforçar as melodias: “Cheguei dentro do estúdio, gravando. Caí de paraquedas e fui cortando as tiras do paraquedas. A gente é amigo, se entende mentalmente tirando som, sempre tocou junto”, explica o guitarrista.
O nome veio de Kalil: “Isso aqui é uma coisa muito louca, é meio relax, o clima é meio praia, e aí foi a minha inspiração: a volta pro início. Voltei pra praia, voltei a tocar bateria como tocava na adolescência na praia do Futuro (em Fortaleza).” Ilhan, que chegaria na cidade às dez e meia da noite, não passou som, perdeu as ondas batendo na orla e o cheiro do mar que invadia o palco.
Eles seguem para o hotel para se trocar, enquanto no Centro Dragão do Mar acontece o Conexões Maloca: produtores, artistas, contratantes, jornalistas, empresários brasileiros e gringos são convidados pelo festival para conhecerem a cena local. Numa espécie de speed date, cada artista apresenta seu trabalho em três minutos para os responsáveis do Circo Voador (no Rio), do Lincoln Center (em Nova York), e de festivais como o Psicodália (em Santa Catarina), a SIM (de São Paulo) e o BR 136 (no Maranhão). O Ceará é o terceiro estado do Brasil em geração de empregos na área da cultura, segundo o IBGE, atrás apenas de São Paulo e do Rio, e com o esquema do Conexões, todas as atrações se favorecem.
Circulando pelos shows, a responsável pelo festival de Cabo Verde assistiu BaianaSystem e articulou uma possível visita da banda ao país. A trupe visitou também o Totem Estúdio para uma audição de Praia Futuro com direito a comidinhas do Uhuuu, restaurante de Marcelo Diógenes que além de rangos incríveis (e do nome inspirado no terceiro disco do Cidadão), produz os melhores discos de Fortaleza.
No primeiro dia de festival deu pra ver Isabel Gueixa, Nego Gallo e Fortal La Mafia representado o hip hop local, e a cantora Nayra Costa. Na Praça Verde, dentro do Centro Cultural, o palco aberto com parte de arquibancada de arena abrigou a celebração dos vinte anos do Cidadão Instigado. A banda está pela primeira vez acompanhada de naipe de metais, com trompete, sax e trombone. Catatau entra sem a guitarra a tiracolo, numa pequena performance. Vinte anos apresentados em uma viagem cronológica pelos álbuns da banda que segue em turnê pelo Brasil.
O hotel é próximo. Sou alertada, pela terceira vez no dia, que melhor não voltar andando, mulher, sozinha e com equipamentos. “Fortaleza tem muito assalto, é muita desigualdade”, repetiam. Da desigualdade e da violência, nós em todas as grandes cidades, sabemos como é. Aceitei a carona de volta entre inesperadas trombas d’água.
Desse tipo de viagem o melhor é o que não está no cronograma: um monte de gente junta que gosta de música na praia falando besteira. Um cachorro deita embaixo do guarda-sol e disputa a sombra com a responsável pela programação do Lincoln Center e nosso ponto de referencia pela tez branca. Melhor coisa de ter gringo no rolê é que você nunca perde o grupo.
Na segunda noite, depois da apresentação d’As Bahia e a Cozinha Mineira e um pedaço do show dos trinta anos da Tribo de Jah, ficamos sabendo que Ilhan ainda não tinha aterrissado em Fortaleza. O show previsto para uma da manhã, atrasa. Quando todos sobem ao palco, começa a viagem instrumental que tem momentos diversos. “É um som astral, tem as partes abertas que a gente pode improvisar bastante”, começa Catatau. “A gente gira ao redor dos temas, olha um no outro, se dá o espaço, é uma coisa muito educada musicalmente falando “ completa Dengue. É surpreendente e leve. “É meio relax, o erro está valendo”, define Kalil. No show, além dos artistas convidados, Lenna Beauty Gadelha, mulher do baterista e bailarina profissional, fez duas participações dançando.
Findo o show seguimos para o Canuto, mais conhecido como “o bar do reggae”, um lugar sem portas que não fecha nunca e abriga com música, bebida e pastel. O bar vai enchendo sem hora para esvaziar. Na manhã seguinte, a cidade acorda com a notícia da morte de Belchior. Correria para montar uma homenagem ao filho pródigo do Ceará, para fechar o festival depois de (mais um) avassalador show do BaianaSystem. Nayra Costa voltou para cantar “Como Nossos Pais”, Soledad fez “Apenas um Rapaz Latino-Americano” e João do Crato “Hora do Almoço”. O público dança, chora, e canta a plenos pulmões.
Naquela noite novamente o célebre Bar do Reggae recebe músicos, técnicos, jornalistas `a medida que acabam as atividades. Esticam ao máximo à noite, até ela virar dia. Fortaleza tem um frescor encantador no jeito de levar a vida, mesmo que o calor abafe a temperatura.
Foi ótimo o papo sobre as diferenças e semelhanças entre a rua e a internet e como ambas influenciam de forma complementar padrões de comportamento neste novo século. A conversa teve a mediação da querida Renata Simões e reuniu um trio sensacional: Mano Brown, Tássia Reis e Kondzilla.
E o próximo Spotify Talks, nem te digo…
Reiniciamos os trabalhos da série Spotify Talks, ciclos de debates sobre música que concebi com o maior player de streaming do mundo, e começamos 2017 quente – o papo “Rua e Rede” mistura internet e vida offline traçando paralelos entre a ascensão da música digital e das redes sociais no Brasil com a expansão da chamada música de rua. Para isso convidamos um time de peso: o próprio Mano Brown, a sagaz Tássia Reis e o senhor Kondzilla participam da conversa que terá mediação da querida Renata Simões. O papo começa a partir das 20h desta terça-feira e será transmitido através da página do Facebook do Update or Die (confira mais informações aqui).
Depois de três anos prestando consultoria para o Prêmio Multishow, passei para a frente do Super Júri que ajudei a criar e participo da premiação ajudando a escolher os três principais prêmios da noite – melhor disco, melhor música e artista revelação – ao lado de bambas no assunto música brasileira. A premiação acontece no Multishow a partir das 22h e a discussão do Super Júri começa às 22h30 e pode ser acompanhada pelo canal Bis. Como aquecimento da premiação, participei do programa da Débora Pill, que também está no Super Júri, junto com a Renata Simões (outra integrante do time de jurados da noite), para falarmos de alguns dos nomes que estão concorrendo esta noite. Dá pra ouvir o programa aqui.
Essa é a última semana para as inscrições na terceira edição do curso que coordeno no Espaço Cult, aqui em São Paulo. E para me ajudar a falar dos problemas e soluções da profissionalização musical na edição deste semestre do Ecossistema da Música no Século 21 reuni nomes que já passaram por edições anteriores (Evandro Fióti, Roberta Martinelli, Miranda, Fabiana Batistela, Marcos Boffa, Renata Simões, Mariana Piky, Mercedes Tristão e Tiê) a novos professores (Leonardo Lichote, Heloisa Aidar, Adriano Cintra, Fernando Dotta, Sarah Oliveira, Maurício Bussab, Tejo Damasceno e Rica Amabis) para contribuir ainda mais com o diagnóstico em aberto – e colaborativo – do que está acontecendo com a música desde a virada do século. As inscrições podem ser feitas até sexta-feira no site do Cult.
O curso O Ecossistema da Música em 2015, o segundo curso Trabalho Sujo no Espaço Cult, começa nesta segunda-feira e quem quiser participar ainda encontra vagas. No curso, reuni Miranda, Pitty, João Marcello Bôscoli, Mariana Piky Candeias, Marcos Boffa, Ronaldo Evangelista, Mathieu Le Roux, Tiê, Fabiana Batistela, Tiago Agostini, João Leiva, Maurício Tagliari, Mercedes Tristão e Edson Natale para conversar sobre as diferentes mudanças que estão acontecendo no mundo da música hoje. Serão dez encontros de duas horas por duas semanas, em que serão discutidas diferentes facetas do novo cenário, da criação artística à divulgação, passando pela produção de shows, editais públicos, streaming, produção, assessoria de imprensa e gravação de discos. O programa completo do curso está no site do Espaço Cult, que fica na Vila Madalena, em São Paulo. As inscrições podem ser feitas por aqui.
Alexandre Matias, Ronaldo Evangelista, Renata Simões, a discussões online, Esta Vida Puta e All Watched Over by Machines of Loving Grace.
Alexandre Matias & Ronaldo Evangelista (feat. Renata Simões) – “Vintedoze #03” (MP3)
E aqui vai a lista de referências: • Exposicao Miles Davis • Sherlock do Robert Downey Jr. • Tintim • Luiza Está no Canadá • Pinterest • Clarisse Lispector • Dicas da Vovó • Scarlett Johannson • Douglas Coupland • Gmail antibêbados • Century of the Self • Steven Johnson • All Watched Over by Machines of Loving Grace • A Flecha de Deus, Chinua Achebe • Tintim nu no Congo • A Visit from the Goon Squad • La Cumbuca (o outro site do Túlio) • Fita Bruta • R.G. • “O pai da cracolândia” • Esta Puta Vida • O que é o quê •
Eis os conselhos que iremos dar para os nossos netos (não exatamente esses, mas vocês entenderam).
Via Feel Desain, dica da Renata.