Pode até ser um certo exagero dizer que sem Luiz Antonio Mello, que morreu nesta quarta-feira, o rock brasileiro dos anos 80 talvez não pudesse ter a dimensão que teve. Mas o exagero tem motivo, afinal foi a visão do jornalista e radialista para atualizar a programação de uma rádio parada no tempo que permitiu que uma geração novíssima de artistas e bandas de rock do Rio de Janeiro pudesse ser ouvida primeiro para além da zona sul carioca (reduto da maioria daqueles artistas) e depois para o resto do Brasil. LAM foi visionário ao entender não apenas que o formato rádio poderia chegar mais perto do final do século 20 e com isso trazer um novo público para a mídia, ao incorporar não apenas os novos sons que a juventude daquele período queria ouvir como a trazer a informalidade das conversas, as gírias e o tom de cumplicidade com o ouvinte ao transformar a programação da perdida Fluminense FM em um sucesso de audiência ao transformá-la na Maldita, nome do projeto que bolou para mudar a cara da emissora. A transformação foi radical: a rádio passava a ficar no ar 24 horas por dia (e tocando rock!), quase sempre ao vivo, e sua locução era feita apenas por mulheres – tudo isso era impensável numa época em que o rádio parecia ainda ser produzido nos anos 50, com formalidade e sisudez que não condiziam com a nova década. Entre 1981 e 1985 sintonizou o público do Rio numa safra de nomes que haviam acabado de sair da adolescência (como João Penca & Os Miquinhos Amestrados, Paralamas do Sucesso, Kid Abelha & Os Abóboras Selvagens e Biquini Cavadão) e outros que já haviam lançado suas carreiras no final dos anos 70 (como Lulu Santos, Marina Lima, Lobão, Ritchie e o grupo que fundou a Blitz) que mudavam a paisagem cultural carioca junto com a fundação do Circo Voador e os filmes Menino do Rio e Garota Dourada. A Fluminense deu a essa cena um caráter dinâmico e diário, que obrigou a imprensa local a cobri-la primeiro nas mídias impressas e depois na televisão, aí já com alcance nacional. A renovação que propôs de formato à rádio também abriu a porta para que novos artistas pudessem mostrar seus trabalhos ainda na fase da fita demo, sem mesmo ter lançado discos, algo impensável na época e dava voz a um novo público jovem, que muitas vezes ligava para a rádio para comentar sua programação – este formato logo foi copiado por emissoras de todo o país e é vigente na maioria das rádios brasileiras até hoje. Depois de mudar a história da cultura do Rio à frente da Fluminense, Mello passou por outras rádios e veículos de imprensa (criou o programa Shock da falecida TV Manchete), trabalhou em gravadoras, produziu discos e esteve envolvido na vinda de artistas estrangeiros como Supertramp, Tears for Fears e Eric Clapton, entre outros, para o Brasil, além de cuidar do legado de seu histórico na rádio, que culminou com o divertido filme Aumenta Que é Rock’n’Roll, de Thomas Portella, lançado no ano passado em que foi vivido pelo ator Johnny Massaro. Mello morreu após uma parada cardíaca sofrida quando ia fazer uma ressonância magnética e será enterrado em Niterói, cidade que sediava sua amada rádio.
Ícone queer da música brasileira, Edy Star – que foi o primeiro artista do país a assumir-se publicamente como homossexual, em 1973 – morreu nesta quinta-feira, após complicações devidas a um acidente doméstico. Baiano de Juazeiro, Edivaldo Souza tornou-se Edy Souza quando começou a carreira artística, ao mudar-se para Salvador, primeiro para trabalhar como artista plástico e aos poucos envolvendo-se com a música. Frequentava núcleos distintos da cidade ainda nos anos 60, como a cena rock liderada por Raul Seixas – ainda chamado de Raulzito à época – e a cena do Teatro Vila Velha, influenciada pela bossa nova, que reunia os baianos mais conhecidos da música brasileira (Gil, Caetano, Gal, Bethânia, Tom Zé), mas não era próximo de nenhum destes grupos (embora seja coautor da primeira canção de Gil lançada em compacto, “Procissão”). Tornou-se apresentador de TV na capital baiana ainda naquela década, quando além de trazer todos estes para apresentações no estúdio, também trouxe futuras celebridades da década seguinte, como Pepeu Gomes e Moraes Moreira. Morou um tempo no Recife, quando conheceu e trabalhou com Geraldo Azevedo e Naná Vasconcellos, mas mudou-se para o Rio de Janeiro a convite de Raul, depois de ser demitido da emissora em que trabalhava. No Rio começou a trabalhar sua carreira musical, primeiro no disco conceitual imaginado por Raul Seixas que o reuniu a outros novatos como Sérgio Sampaio e Míriam Batucada. Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10 foi lançado em 1971 e consagrou sua mudança de nome, quando assumiu-se Edy Star e passou a brincar com sua androginia em público. O disco foi recolhido pela gravadora e sua carreira musical só começou de verdade anos depois, quando começou a fazer shows em cabarés na decadente Praça Mauá, no centro do Rio. Suas apresentações fizeram tanto sucesso que ele passou a ser chamado para festas da alta sociedade carioca, quando veio o convite para gravar seu primeiro disco, Sweet Edy (1974), com canções compostas apenas para ele por nomes como Roberto e Erasmo Carlos, Caetano, Gil, Moraes e Luiz Galvão, Jorge Mautner, Getúlio Côrtes, Leno e Raul. Este sucesso o fez ser convidado para a edição brasileira do musical Rocky Horror Picture Show no ano seguinte, quando interpretou o cientista não-binário Frank-N-Furter, abrasileirando o musical com referências ao teatro de revista e chanchadas. Seguiu sua carreira erraticamente até o início dos anos 90, quando mudou-se para a Espanha. Voltou para o Brasil há pouco mais de dez anos, quando foi redescoberto e adotado por uma nova geração, voltando a fazer shows e a gravar discos (como
Cabaré Star, produzido por Zeca Baleiro, em 2017, com participações de Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Ângela Maria, Felipe Catto e Emílio Santiago). Seu trabalho mais recente é Meu Amigo Sérgio Sampaio, um tributo ao capixaba kavernista lançado em 2023, um ano antes do lançamento do documentário Antes Que Me Esqueçam, Meu Nome é Edy Star, de Fernando Moraes. Edy havia acabado de gravar um disco em homenagem a outro compadre kavernista, Raul Seixas, que conta com a participação de Edson Cordeiro. Embora não haja nenhuma notícia sobre este disco após seu falecimento, é provável que seu primeiro disco póstumo seja lançado em breve.
O lendário líder do Pere Ubu morreu nesta quarta-feira.
O argentino Jorge Mario Bergoglio despediu-se deste plano nesta segunda-feira e sua biografia se mistura com o momento em que a igreja católica parece ter perdido a importância política que já a tornou uma das principais forças do mundo. Mas em vez de apertar o cinto e radicalizar para um lado mais conservador da religião, o autodenominado Papa Francisco preferiu recuperar valores cristãos tão pouco em voga neste novo século e sempre estendeu a mão para os necessitados e os mais fracos, reforçando que a missão de Jesus Cristo era mais humanitária que evangelizadora. Resta saber se seu sucessor vai entender esse legado ou se vai preferir se associar à onda fascista que insiste em impor-se à força (como a própria igreja fez por muitos séculos), mas o fato é que ele já não é um personagem tão importante quanto seus antecessores…
A sina dos Buarque de Hollanda, desde o patriarca Sérgio, autor do clássico da sociologia brasileira Raízes do Brasil, talvez seja viver à sombra do sobrenome, algo que foi desviado pela primogênita Heloísa Maria Buarque ao adotar o apelido artístico e Miúcha, encurtado pela irmã Ana que preferiu apenas o último sobrenome da família e superado pelo único filho homem, Chico, que transformou-se no novo dono do nome familiar para si. Já a caçula Cristina Buarque, que morreu neste domingo vítima de um câncer, ignorava a fama e preferia fazer música, vivendo à parte do mundo das colunas sociais frequentadas pelos irmãos e preferindo cuidar de suas rodas de samba, sua grande paixão. Sambista de corpo e alma – e “avessa aos holofotes”, como escreveu o filho Zeca Ferreira, ao anunciar a morte da mãe em sua conta no Instagram -, era também uma grande teórica do gênero musical pátrio, pinçando pérolas do repertório brasileiro por toda sua discografia.
A lenda do reggae nos deixou nessa sexta-feira.
“Clem não era só um baterista, era o pulso cardíaco do Blondie”, escreveram Debbie Harry e Chris Stein no post de despedida ao amigo no Instagram da banda que construíram juntos no início dos anos 70, em Nova York. Clem Burke se foi nesta segunda-feira e é o responsável por ter mantido a banda funcionando mesmo antes do sucesso, depois que o grupo perdeu o baixista Fred Smith para o Television – Chris e Debbie achavam que a banda não conseguiria continuar e Burke chamou Gary Valentine para o lugar, em 1975. Além de tocar com o grupo em suas diferentes encarnações (entre 1974 e 1982 e depois entre 1997 e 2017), ele também tocou com os Ramones (adotando o prenome Elvis Ramone) em alguns shows em 1987 e ter tocado com nomes importantes da história do rock como Bob Dylan, Iggy Pop, Pete Townshend, Joan Jett e Eurythmics. Morreu de câncer.
Se as letras e vocais de Jon King e a guitarra ruidosa de Andy Gill eram a assinatura musical do Gang of Four, o grupo que melhor personificou as transformações que o punk possibilitou depois da catarse inicial, sob o amplo rótulo de pós-punk, o baixista Dave Allen, cuja morte prematura tornou-se pública neste domingo, era a força-motriz da banda. Sua passagem aconteceu neste sábado mas foi confirmada pelo baterista de sua antiga banda, Hugo Burnham, em um post no Instagram. Allen esteve na formação inicial da banda, que eternizou o punk-funk característico do grupo, e saiu após o segundo disco, para voltar em 2004, quando a banda ressuscitou com sua formação clássica depois de anos afastada dos palcos – nesta nova fase da banda não apenas pude vê-los ao vivo como trazê-los para tocar no Festival da Cultura Inglesa quando fui curador dos shows em 2011, no Parque da Independência, em São Paulo. Após deixar o Gang of Four Allen tocou na breve banda Shriekback e em grupos menores como King Swamp e Low Pop Suicide, mas também manteve carreira na indústria musical como consultor, diretor artístico e executivo de pequenas gravadoras. É o segundo integrante da banda a morrer, depois do guitarrista Andy Gill, que morreu em 2020.
Morreu nesta sexta-feira o guitarrista Amadou Bagayoko, metade do casal Amadou & Mariam, que ajudou a espalhar a música do Mali para o resto do planeta em suas incursões de guitarra e vocais. Amadou ficou cego aos 15 anos devido a uma catarata congênita e por isso passou a estudar no Instituto para Cegos da capital de seu país, Bamako, onde também havia nascido. Lá conheceu sua futura parceira musical e esposa, Mariam Doumbia, que estudava no local por ser cega de nascença. Adotaram a união de seus prenomes como nome artístico e aos poucos conquistou seu país musicalmente, com o som das tradicionais guitarras do país com o canto espaçado entre solos ininterruptos, mas com influências de outros gêneros musicais, desde violinos da Síria, tablas indianas, percussão dogon, além de rock, blues e música pop, como os dois sempre admitiram. A partir dos anos 80 conquistaram o mercado internacional, ganhando Grammys e sendo convidados por artistas como U2 e Blur para a abertura de seus shows. A última vez que o casal tocou ao vivo foi no ano passado, na cerimônia de encerramento dos jogos paralímpicos de Paris, em setembro, quando tocaram “Je Suis Venu Te Dire Que Je M’en Vais”, de Serge Gainsbourg. A morte de Amadou foi anunciada pelo ministro da cultura do Mali, Mamou Daffé.
Fora de ação há um bom tempo devido a um câncer na garganta que apareceu em 2014 (e que o ator não tratava adequadamente por um viés religioso), o ator Val Kilmer morreu nesta terça-feira na mesma cidade em que nasceu, Los Angeles, nos EUA. Conhecido por ser o segundo Batman no cinema (assumindo o papel depois de dois filme com Michael Keaton, no filme Batman Eternamente), o rival de Tom Cruise em Top Gun, um dos policiais no melhor filme de Michael Mann (Fogo Contra Fogo) e ninguém menos que Jim Morrison (numa atuação espetacular) no The Doors de Oliver Stone, Kilmer estourou com a paródia de filmes de 007 Top Secret!, dirigida pelo trio Zucker-Abrahams-Zucker, que havia despontado com o filme que zoava filmes-catástrofe Aperte os Cintos O Piloto Sumiu!, atuando como um Elvis Presley de araque infamemente convincente. Seu carisma ainda o garantiu papéis em filmes de pouca importância na história do cinema – como Willow – Na Terra da Magia, Tombstone – A Justiça está Chegando e O Santo -, mas que garantiram bilheteria a ponto de torná-lo um rosto conhecido, o que o manteria empregado por anos a fio, fazendo filmes desimportantes a rodo, enquanto trabalhava em projetos menores de diretores consagrados, como Twixt de Coppola, Vício Frenético de Herzog, Déjà Vu de Tony Scott e Spartan de David Mamet. Ele para de fazer filmes anualmente em 2012 devido ao câncer que descobriu anos depois e desde então fez apenas três filmes, o último deles a continuação do filme que consagrou Tom Cruise, Top Gun: Maverick, repetindo seu papel de Iceman, quase como uma despedida das telas, em 2022.