Bira Presidente (1937-2025)

Bira Presidente, fundador do bloco Cacique de Ramos, que nos deixou na passagem do sábado para o domingo, felizmente pode desfrutar do merecido reconhecimento de sua importância na história da música brasileira, tanto como agente fundamental na transformação e evolução do samba (onde sempre foi reverenciado) como um dos principais artífices da popularização desta mudança, que mexeu na cara da música brasileira dos últimos cinquenta anos. Bastaria seu papel como fundador de um bloco de samba que saiu de sua vizinhança para ganhar o Rio de Janeiro e que até hoje segue firme e frutífero como o principal bloco carnavalesco da cidade que seu nome já teria motivos para figurar em nossa história. Mas se lembrarmos que, além de ter convivido com os pais-fundadores Donga, João da Baiana, Pixinguinha, Carlos Cachaça e Aniceto do Império, este filho de um sambista do Estácio (a primeira escola de samba) com uma mãe de santo não apenas deu abrigo para músicos que revolucionariam o samba ao transformá-lo em pagode na virada dos anos 70 para os 80 (fundando, por sua vez, com a benção e um empurrãozinho de Beth Carvalho, o grupo Fundo de Quintal, maior fenômeno coletivo da história do samba) como reinventou seu instrumento, o pandeiro, neste novo ambiente musical, misturando qualidades como protagonista, músico, agitador cultural e testemunha viva da história. É um nome que confunde-se com a própria tradição do samba, o samba personificado que seu codinome, cargo vitalício no bloco que fundou, poderia fazer reverência ao seu papel de líder nato. Fico feliz de poder ter dado palco para um encontro histórico do Fundo de Quintal no Centro Cultural São Paulo, quando era curador de música daquele espaço e convidei Leandro Lehart para celebrar o Fundo de Quintal na mítica sala Adoniran Barbosa, palco caríssimo para a história de Leandro (que anos depois seria diretor daquele mesmo CCSP), que nunca havia se apresentado lá. Lehart saudou o grupo com a presença de quase todos seus mestres e o mais feliz deles era o próprio Bira, que havia completado 81 anos no dia anterior àquela apresentação, em março de 2018, e foi ovacionado pelo público que lotou o palco mágico do CCSP, feliz de estar sendo reverenciado por sua importância. Obrigado, Bira!

Assista abaixo:  

A morte de um gênio

A morte de Brian Wilson me levou a escrever mais um texto pro Toca UOL, desta vez falando sobre sua importância.  

Brian Wilson (1942-2025)

Eu nao estava preparado para essa notícia. Vai-se um mestre. Obrigado.

Sly Stone (1943-2025)

Morreu um dos maiores nomes da canção norte-americana. Sly Stone não foi responsável apenas pela criação do funk a partir da fundação feita por James Brown, mas também um dos principais nomes no surgimento de uma nova alma negra norte-americana (e, posteriormente, mundial) bem como por ter transposto barreiras que vão para além dos gêneros, raça ou religião. Um mestre e hitmaker como pouquíssimos.

Sebastião Salgado (1944-2025)

Morreu, nessa sexta-feira, o fotógrafo Sebastião Salgado, um mestre da luz e da emoção, mas também um ativista político que usava sua lavra artística para denunciar – e mexer com – os problemas do mundo, prova de que arte e política se misturam sim.

José “Pepe” Mujica (1935-2025)

Vai-se Pepe Mujica, “o presidente mais pobre do mundo”, político exemplar e ser humano fantástico.

Uma das maiores, apesar de tudo

Escrevi sobre a morte de Nana Caymmi a convite do UOL Splash, onde reforcei que, mesmo apesar de seu temperamento e das tristes convicções políticas no final de sua vida, ela foi uma das maiores vozes do país.  

Nana Caymmi (1941-2025)

Depois de quase um ano internada num hospital no Rio de Janeiro, a cantora Nana Caymmi morreu nesta quinta-feira.

Luiz Antonio Mello (1955-2025)

Pode até ser um certo exagero dizer que sem Luiz Antonio Mello, que morreu nesta quarta-feira, o rock brasileiro dos anos 80 talvez não pudesse ter a dimensão que teve. Mas o exagero tem motivo, afinal foi a visão do jornalista e radialista para atualizar a programação de uma rádio parada no tempo que permitiu que uma geração novíssima de artistas e bandas de rock do Rio de Janeiro pudesse ser ouvida primeiro para além da zona sul carioca (reduto da maioria daqueles artistas) e depois para o resto do Brasil. LAM foi visionário ao entender não apenas que o formato rádio poderia chegar mais perto do final do século 20 e com isso trazer um novo público para a mídia, ao incorporar não apenas os novos sons que a juventude daquele período queria ouvir como a trazer a informalidade das conversas, as gírias e o tom de cumplicidade com o ouvinte ao transformar a programação da perdida Fluminense FM em um sucesso de audiência ao transformá-la na Maldita, nome do projeto que bolou para mudar a cara da emissora. A transformação foi radical: a rádio passava a ficar no ar 24 horas por dia (e tocando rock!), quase sempre ao vivo, e sua locução era feita apenas por mulheres – tudo isso era impensável numa época em que o rádio parecia ainda ser produzido nos anos 50, com formalidade e sisudez que não condiziam com a nova década. Entre 1981 e 1985 sintonizou o público do Rio numa safra de nomes que haviam acabado de sair da adolescência (como João Penca & Os Miquinhos Amestrados, Paralamas do Sucesso, Kid Abelha & Os Abóboras Selvagens e Biquini Cavadão) e outros que já haviam lançado suas carreiras no final dos anos 70 (como Lulu Santos, Marina Lima, Lobão, Ritchie e o grupo que fundou a Blitz) que mudavam a paisagem cultural carioca junto com a fundação do Circo Voador e os filmes Menino do Rio e Garota Dourada. A Fluminense deu a essa cena um caráter dinâmico e diário, que obrigou a imprensa local a cobri-la primeiro nas mídias impressas e depois na televisão, aí já com alcance nacional. A renovação que propôs de formato à rádio também abriu a porta para que novos artistas pudessem mostrar seus trabalhos ainda na fase da fita demo, sem mesmo ter lançado discos, algo impensável na época e dava voz a um novo público jovem, que muitas vezes ligava para a rádio para comentar sua programação – este formato logo foi copiado por emissoras de todo o país e é vigente na maioria das rádios brasileiras até hoje. Depois de mudar a história da cultura do Rio à frente da Fluminense, Mello passou por outras rádios e veículos de imprensa (criou o programa Shock da falecida TV Manchete), trabalhou em gravadoras, produziu discos e esteve envolvido na vinda de artistas estrangeiros como Supertramp, Tears for Fears e Eric Clapton, entre outros, para o Brasil, além de cuidar do legado de seu histórico na rádio, que culminou com o divertido filme Aumenta Que é Rock’n’Roll, de Thomas Portella, lançado no ano passado em que foi vivido pelo ator Johnny Massaro. Mello morreu após uma parada cardíaca sofrida quando ia fazer uma ressonância magnética e será enterrado em Niterói, cidade que sediava sua amada rádio.

Edy Star (1938-2025)

Ícone queer da música brasileira, Edy Star – que foi o primeiro artista do país a assumir-se publicamente como homossexual, em 1973 – morreu nesta quinta-feira, após complicações devidas a um acidente doméstico. Baiano de Juazeiro, Edivaldo Souza tornou-se Edy Souza quando começou a carreira artística, ao mudar-se para Salvador, primeiro para trabalhar como artista plástico e aos poucos envolvendo-se com a música. Frequentava núcleos distintos da cidade ainda nos anos 60, como a cena rock liderada por Raul Seixas – ainda chamado de Raulzito à época – e a cena do Teatro Vila Velha, influenciada pela bossa nova, que reunia os baianos mais conhecidos da música brasileira (Gil, Caetano, Gal, Bethânia, Tom Zé), mas não era próximo de nenhum destes grupos (embora seja coautor da primeira canção de Gil lançada em compacto, “Procissão”). Tornou-se apresentador de TV na capital baiana ainda naquela década, quando além de trazer todos estes para apresentações no estúdio, também trouxe futuras celebridades da década seguinte, como Pepeu Gomes e Moraes Moreira. Morou um tempo no Recife, quando conheceu e trabalhou com Geraldo Azevedo e Naná Vasconcellos, mas mudou-se para o Rio de Janeiro a convite de Raul, depois de ser demitido da emissora em que trabalhava. No Rio começou a trabalhar sua carreira musical, primeiro no disco conceitual imaginado por Raul Seixas que o reuniu a outros novatos como Sérgio Sampaio e Míriam Batucada. Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10 foi lançado em 1971 e consagrou sua mudança de nome, quando assumiu-se Edy Star e passou a brincar com sua androginia em público. O disco foi recolhido pela gravadora e sua carreira musical só começou de verdade anos depois, quando começou a fazer shows em cabarés na decadente Praça Mauá, no centro do Rio. Suas apresentações fizeram tanto sucesso que ele passou a ser chamado para festas da alta sociedade carioca, quando veio o convite para gravar seu primeiro disco, Sweet Edy (1974), com canções compostas apenas para ele por nomes como Roberto e Erasmo Carlos, Caetano, Gil, Moraes e Luiz Galvão, Jorge Mautner, Getúlio Côrtes, Leno e Raul. Este sucesso o fez ser convidado para a edição brasileira do musical Rocky Horror Picture Show no ano seguinte, quando interpretou o cientista não-binário Frank-N-Furter, abrasileirando o musical com referências ao teatro de revista e chanchadas. Seguiu sua carreira erraticamente até o início dos anos 90, quando mudou-se para a Espanha. Voltou para o Brasil há pouco mais de dez anos, quando foi redescoberto e adotado por uma nova geração, voltando a fazer shows e a gravar discos (como
Cabaré Star, produzido por Zeca Baleiro, em 2017, com participações de Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Ângela Maria, Felipe Catto e Emílio Santiago). Seu trabalho mais recente é Meu Amigo Sérgio Sampaio, um tributo ao capixaba kavernista lançado em 2023, um ano antes do lançamento do documentário Antes Que Me Esqueçam, Meu Nome é Edy Star, de Fernando Moraes. Edy havia acabado de gravar um disco em homenagem a outro compadre kavernista, Raul Seixas, que conta com a participação de Edson Cordeiro. Embora não haja nenhuma notícia sobre este disco após seu falecimento, é provável que seu primeiro disco póstumo seja lançado em breve.