O cantor e compositor norte-americano Trini López, conhecido por ter emplacado hits como “If I Had a Hammer”, “Lemon Tree”, e por ter popularizado ainda mais o clássico “La Bamba” morreu nesta terça-feira. Descoberto por Frank Sinatra no início dos anos 60, ele também foi um dos protagonistas do clássico filme de guerra Os Doze Condenados, quando atuou ao lado de Lee Marvin, Charles Bronson e Donald Sutherland. A notícia de sua morte foi dada pela revista Palm Springs Life, que a confirmou com os diretores de um documentário que acabou de ser realizado sobre o cantor e guitarrista, P. David Ebersole e Todd Hughes. López é mais uma vítima do coronavírus.
Autor de Fama, O Expresso da Meia-Noite, Quando as Metralhadoras Cospem, Asas da Liberdade, Mississipi em Chamas, Pink Floyd – The Wall, Evita e Coração Satânico, o diretor Alan Parker morreu nesta sexta-feira, vítima de uma doença que lhe acompanhava há tempos, como revelou sua família. Ele pertencia à última geração de diretores ingleses a ser bem sucedida comercialmente, ao lado de nomes como Ridley Scott, Adrian Lyne e John Boorman, e equilibrava sensibilidade e tino comercial em filmes que sempre iam bem nas bilheterias, mesmo tratando de temas delicados ou fugazes. Havia parado de dirigir em 2003 e deixa um legado vivo, embora sem o peso histórico que suas obras tiveram em seu tempo.
Renato Barros, que nos deixou nesta terça-feira após complicações em uma cirurgia que fez há pouco mais de uma semana, não foi só um dos maiores guitarristas da história do Brasil como foi o responsável pela musicalidade da Jovem Guarda. Liderando o longevo grupo Renato e Seus Blue Caps, ele tocou e compôs para quase todos os intérpretes que passaram pelo programa apresentado por Roberto Carlos nos anos 60, além de ter o timbre fuzz distorcido que caracterizou grandes clássicos de nosso cancioneiro.
Peter Green, que morreu neste sábado, entrou para a história como o fundador do Fleetwood Mac, embora o som que tenha consagrado a banda fuja completamente do blues rock que ele concebeu em 1967. O grupo que dez anos mais tarde lançaria o clássico da fossa em alto estilo Rumours começou com a saída de Green do legendário grupo John Mayall’s Bluesbreakers, onde substituiu ninguém menos que Eric Clapton quando tinha apenas 19 anos. Ele pertenceu à grande safra de guitarristas ingleses dos anos 60, que beberam no blues elétrico dos anos 50 para parir a psicodelia, o hard rock e o heavy metal nas décadas seguintes, e foi um dos guitar heroes mais emblemáticos do período. Saiu dos Bluesbreakers e levou o baterista Mick Fleetwood e o baixista John McVie com ele e, ao lado do guitarrista Jeremy Spencer, criou o grupo Peter Green’s Fleetwood Mac featuring Jeremy Spencer com o nome de seus integrantes, que logo foi reduzido apenas para o nome que o consagrou. Green liderou o grupo até o início dos anos 70, emplacando seus primeiros hit, como “Man of the World”, “Black Magic Woman” e “Albatross”. Saiu do grupo em carreira solo mas logo cedeu à esquizofrenia, que lhe tirou dos holofotes e dos palcos, sendo lembrado sazonalmente principalmente por ter fundado o grupo mais tarde consagrado com a entrada do casal duo Lindsey Buckingham e Stevie Nicks.
Pioneiro na bossa nova, no cinema novo e na era dos festivais, Sérgio Ricardo era um monumento à cultura brasileira: conheceu João Gilberto no apartamento de Nara Leão em 1958, lançou um disco de bossa nova um ano antes de lançar seu filme (Menino da Calça Branca, de 1961) dentro do movimento cinema novo e inaugurar sua carreira como cineasta. Tocou no histórico concerto da bossa nova no Carnegie Hall, fez a trilha de Deus e o Diabo na Terra do Sol e teve seu filme de 1964 (Esse Mundo é Meu) incensado pela revista francesa Cahiers du Cinema. Quebrou seu violão em protesto em um festival na televisão ao vivo e teve a ideia de lançar o Disco de Bolso do jornal Pasquim, cuja primeira edição trazia o lançamento de “Águas de Março”, de Tom Jobim. Mais um mestre que perdemos para o maldito coronavírus.
Perdemos neste domingo o grande Antônio Bivar, herói da contracultura brasileira, escritor e dramaturgo beat que nos explicou o que era o punk no divisor volume da coleção Primeiros Passos, da Editora Brasiliense. Infelizmente, foi vítima do coronavírus. Obrigado, mestre.
Morreu Ennio Morricone, um compositor ímpar, cuja contribuição mudou a forma como a música dá forma ao cinema – um maestro solar e latino, capaz de capturar sentimentos complexos em melodias derramadas, notas precisas e arranjos suntuosos, em filmes tão diferentes quanto Era Uma Vez no Oeste, Os Oito Odiados, A Missão, Cinema Paradiso, Os Intocáveis, Malena, o Novecento do Bertolucci e muitos outros. Um dos grandes gênios da história do cinema.
Carl Reiner, morto nesta terça aos 98 anos e de causas naturais, foi um dos pilares do humor norte-americano do século 20 e era desses gênios que não paravam de trabalhar. Assim, reinventou a comédia em seu país pelo menos três vezes, ao mesmo tempo em que moldou o gênero na televisão, meio cuja linguagem humorística ele praticamente ajudou a inventar. Começou em 1950, trabalhando como ator e depois roteirista do programa de Sid Caesar, Your Show of Shows, onde conheceu nomes como o futuro parceiro Mel Brooks, Woody Allen e Neil Simon. Na década seguinte firmou a parceria com Brooks no programa de variedades Steve Allen Show (e dez anos depois, iriam para o cinema) ao mesmo tempo em que inventou a primeira metasitcom, o Dick Van Dyke Show, estrelado por Dick e Mary Tyler Moore, que narrava os bastidores de uma equipe de um programa de humor para a TV. Ao fim dos anos 70 firmou parceria com o comediante em ascensão Steve Martin, com quem fez os clássicos O Panaca, Cliente Morto Não Paga, O Médico Erótico e Um Espírito Baixou em Mim. A partir dos anos 90 passou a fazer pontas em praticamente todos os programas de humor de sucesso, colhendo os frutos do universo que ajudou a germinar. Não importa se era Mad About You, Frasier, Ally McBeal, House, Two and a Half Men ou Parks and Recreation – cada um destes programas está impregnado pelo DNA de Reiner, que cumpriu sua missão neste plano. Obrigado!
Morreu Evaldo Gouveia, autor clássico do cancioneiro brasileiro, compositor cearense apaixonado que deixa um extenso legado, lembrado principalmente por suas parcerias com Altemar Dutra (com quem compôs “Sentimental Demais”, “Brigas”, “O Trovador”, “Que Queres Tu de Mim”, “Somos Iguais” e “Serenata da Chuva”, entre outras). Teve suas composições gravadas por grandes intérpretes da música brasileira, como Nelson Gonçalves, Alaíde Costa, Angela Maria, Jair Rodrigues, Gal Costa, Cauby Peixoto, Ney Matogrosso, Wilson Simonal, Fafá de Belém, Maria Bethânia, Emílio Santiago, Dalva de Oliveira, Agnaldo Timóteo, Jamelão e Maysa, além de ter sido autor do samba-enredo “O Mundo Melhor de Pixinguinha”, defendido pela Portela em 1974. Mais uma vítima do covid-9, infelizmente.
Não conheci direito o Cezar Vieira, guitarrista da lendária banda indie baiana Brincando de Deus, que faleceu no último sábado. Estive com ele em algumas ocasiões, mas todos que o conheceram tinham enorme apreço pelo músico, um dos nomes a erguer o indie rock nordestino no mapa da música brasileira. Sem a Brincando, bandas, fanzines, cenas locais inteiras e até festivais que começaram a surgir a partir do meio dos anos 90, teriam um destino e um enfoque bem diferentes – e tão importante quanto a postura e a atitude de seu vocalista e principal compositor, Messias Bandeira, eram as guitarras de Cezar, delicadas e barulhentas ao mesmo tempo, que atingiam uma sonoridade que não se ouvia por aqui. Reproduzo abaixo o texto que Messias escreveu sobre a partida do amigo, cuja morte ainda não se sabe se está relacionada à maldita pandemia que assola o planeta. Pedi também para o Messias escolher uma música como trilha sonora deste post – e ele escolheu o clipe caseiro de “An Evening Out”, do primeiro disco da banda, o clássico Better When You Love (Me).
Obrigado, Cezar.
Quando a música parece maior do que a vida
“Bands, those funny little plans, that never work quite right” (“Holes”, Mercury Rev)
Mais uma camada de tristeza foi adicionada a estes tempos distópicos que estamos vivendo. E quão grossa é esta camada. Nosso guitarrista, amigo e irmão Cezar Vieira partiu no sábado, 23.05. Ainda estamos tentando entender o quadro de saúde que o levou tão rápido. Envoltos numa atmosfera de tantas perdas, queremos que família, fãs e amigos sejam reconfortados, ainda que isso não apague, de fato, algo inelutável: a dor pela perda de alguém tão central em nossas vidas.
Não quero elencar as qualidades de Cezar agora. Isto seria reduzir sua plasticidade vital, sua luz e seu encantamento. Sim, Cezar: “You made me realize”. Penso no seu olhar sobre a realidade. A tatuagem em seu braço (“What difference does it make?”) era mais do que uma citação à sua banda predileta depois da bddeus (cuja tatuagem ficava no braço oposto): era uma regra beneditina de vida, quase um koan. Não como um desprezo por tudo, mas exatamente pelo questionamento a tudo.
Jean-Yves Leloup nos conta que, certa vez, Jean Cocteau, ao ser perguntado “o que salvaria se sua casa pegasse fogo”, respondeu: “o fogo!”. Cezar era assim. E era assim que ele se agarrava à música e se desprendia da vida. Música, essa des-matéria viva à qual nos agarramos nestes 30 anos da “brincando de deus”, numa espécie de redenção diária, de religação com nós mesmos. Sim, nosso estúdio pegou fogo em 1999: salvamos a nossa música. Algo como “acender fogueira para apreciar a lâmpada elétrica”, como dizia Tom Zé.
Vendo Cezar partir tão rápido e tão cedo, percebo, agora, que nunca dei a resposta que deveria quando nos perguntavam “por que a banda se chama brincando de deus”: porque, às vezes, a música parece ser maior do que a vida. Tão desconcertante quanto dizer “I will live and then decide, I don’t care about my life (but I do)”, como escrevemos em nosso terceiro disco.
Os ensaios, as gravações, os shows, as viagens — todo este conjunto que parece encapsular a trajetória de uma banda —, misturam-se a algo maior: a intimidade de pessoas, a construção de uma comunidade no entorno da banda, a reverberação de nossa existência, como se estivéssemos a irradiar algum sentido para além de uma carreira artística.
Olhando em retrospecto, vejo que constituímos um método próprio que comutava a precariedade técnica em elaboração melódica, tudo isso com um objetivo absolutamente claro: nós buscávamos a canção perfeita por linhas tortas, ainda que este horizonte se mostrasse mais distante quanto mais navegássemos. Mas era nessa viagem que, distraindo-nos da ambiciosa meta, encontrávamos o som, o efeito, a poesia, a dança — guiados por uma militância independente que alguns achavam monástica demais. A história toda eu conto depois.
Nunca desistimos da Música, e Cezar era aquele que fazia renascer este desejo em estado bruto. Mesmo que ela estivesse difusa em nossas vidas aceleradas, dilaceradas. Ainda e sempre, “Love will tear us apart again”. Talvez seja isso que o tenha levado a um outro tempo de giro no relógio da vida.
Sua guitarra fará falta, especialmente neste momento em que a estridência e o ruído, aliados à melodia, são absolutamente necessários para enfrentarmos a tolice, a barbárie e a tristeza que, mais do que em qualquer outro lugar, afetam nosso país.
Que você siga em paz, Cezar, que seu caminho seja iluminado.
Que você faça uma boa travessia após esta intensa jornada.
Não quero que você descanse, pois você sempre nos lembrava nas mensagens das madrugadas: “ninguém dorme”.
Quero apenas que sua dor passe (“All I want in life is a little bit of love to take the pain away…”).E que você nos envie, daí, músicas tão altas que possam ser escutadas através do vácuo espacial. Daí mesmo de onde você está : “Higher than the sun”, para além do “Wild Side”.
Messias G. Bandeira – 26.05.2020