Mike Nichols, que morreu na quarta passada vítima de um ataque cardíaco, era desses diretores raros do cinema norte-americano – classudo sem ser pedante, usava seus filmes como comentários sobre a sociedade que vivemos. Era um autor solitário entre gerações – caçula da clássica geração européia que reinventou o cinema norte-americano por dentro (Wylder, Hitchcock, Lang, Reed, Curtiz), seu Quem Tem Medo de Virgínia Woolf? não é apenas a consagração definitiva de sua carreira como diretor de teatro, como talvez seja o ponto final da era de ouro de Hollywood. Seu filme seguinte, A Primeira Noite de um Homem, o consagra como uma espécie de irmão mais velho da geração que reinventaria o cinema norte-americano nos anos 70 (Scorsese, Coppola, Spielberg, Friedkin) e dá continuidade a uma filmografia peculiar e específica, que inclui ótimos filmes que resistem ao teste do tempo (como Uma Secretária de Futuro, Lembranças de Hollywood, o remake de A Gaiola das Loucas, Silkwood, Ânsia de Amar, Ardil 22, Segredos do Poder, Closer e a minissérie Angels in America) e que funcionam como crônicas de nossos tempos e falam mais sobre nossas vidas do que as dos personagens que assistimos. Uma senhora perda, um senhor diretor.
Mais um monstro sagrado do rock que se vai: Jack Bruce não era só um terço do primeiro supergrupo da história (o Cream, que fundou ao lado de Eric Clapton e Ginger Baker) e talvez seja o grande virtuoso do baixo na era da psicodelia, pavimentando o caminho aberto pelo baixo de Paul McCartney e pela geração dos blues ingleses elétricos para os anos 70 do heavy metal, do hard rock e do rock progressivo. O fígado de Bruce, fragilizado pelo álcool e pelas drogas principalmente a partir dos anos 70, quando passou por uma fase pesada, quase o havia levado há dez anos, quando sofreu um transplante para conter um câncer no órgão. Mas na época ele recuperou inclusive a ponto de reunir o Cream para apresentações em 2005. Desta vez não rolou e, bem na semana em que foi anunciada a caixa com toda a discografia de sua banda mais clássica, Bruce nos deixa.
Morreu o Hugo Carvana e com ele morre também mais um pouco daquela boemia quase artesanal que o século 21 pisoteia. Com ele definha mais um pouco daquele ar bon vivant entre o malandro, o guerrilheiro urbano e o hippie, de gente que se ofende ao ser definido como uma profissão e que não considera vagabundagem um vício, que cultua o ócio, a preguiça, o excesso e uma vida intensa. Hugo era um Chico Buarque do mal, misto de Miéle com Dennis Hopper, um ator autor e diretor cronista (duas espécies também em extinção) que viveu a vida como quis e, espero (não há mais informações sobre a morte dele, por hora), tenha morrido tranquilo, satisfeito no último suspiro. Deixou uma lição, vivamos seu legado.
Mais um grande que se vai: agora é a vez de João Ubaldo Ribeiro se juntar ao panteão imortal da literatura brasileira. Morreu nesta madrugada, vítima de embolia pulmonar.
O guitarrista albino Johnny Winter era remanescente da era de ouro do rock, quando apareceu no final dos anos 60 numa lendária jam session ao lado de Mike Bloomfield e Al Kooper no Fillmore East, New York, em 1968. De lá pra cá, construiu lentamente sua reputação como ás de seu instrumento e tornou-se um dos principais representantes do blues elétrico através dos anos 70 e 80, época em que produziu discos do mítico Muddy Waters, entre eles o clássico Muddy “Mississippi” Waters – Live. Se hoje o blues vive uma reputação de gênero musical sofisticado e roots, pode agradecer à importância de Winter, um cruzado do gênero em épocas em que blues era visto como música cafona e velha. Morreu nesta quarta-feira, num quarto de hotel na Suíça, segundo um comunicado em sua página no Facebook. Winter estava prestes a lançar um novo disco (cheio de participações especiais de gente como Eric Clapton, Brian Setzer, Ben Harper, Joe Perry e Dr. John), chamado Step Back. Abaixo, na flor da idade, em 1970, num show em Copenhagen, esmerilhando como sempre. Valeu, mestre.
Com a morte do baixinho à frente da foto (o mesmo que fica nas pontas dos pés na capa do primeiro disco do grupo) é oficial: não há mais nenhum Ramone original entre nós.
Tommy Ramone – nascido Erdélyi Tamás, em Budapeste, na Hungria, naturalizou-se norte-americano com o nome de Thomas Erdelyi ainda criança, quando sua família se mudou para o bairro do Queens, em Nova York, nos EUA. Lá conheceu John Cummings, com quem montou sua primeira banda ainda na escola. Pouco tempo depois os dois conheceriam Jeffrey Hyman e Douglas Colvin e logo se rebatizariam, respectivamente, Tommy, Johhny, Joey e Dee Dee – os irmãos que mudaram a história da música pop. Ramones parece jingle de comercial hoje em dia, de tão pop, mas não é preciso muito esforço para entender o estrago feito por aquelas músicas curtíssimas, que ficavam em algum lugar entre os Stooges e os Três Patetas, parte esporro, parte chiclete. Era como se os Irmãos Metralha tivessem uma banda – e seu vocalista fosse um Pateta do mal.
Atrás de tudo, uma versão implosiva de Keith Moon – como o Animal dos Muppets, Tommy parecia possesso por uma força precisa e intensa, e como o baixo e a guitarra dos Ramones parecia produzir mais som do que seu instrumento podia permitir. Assim Tommy gravou os quatro primeiros discos com o grupo – Ramones, Leave Home, o perfeito Rocket to Russia e o veloz It’s Alive.
Neste último, primeiro registro ao vivo da banda e última participação de Tommy nos Ramones, dá pra ver a importância do baterista na prática, acelerando ainda mais músicas que estar sendo tocada numa rotação mais rápida que a normal. Escrevendo a cartilha do punk rock no muque com o instrumento mais brucutu de todos.
Tommy morreu nessa sexta, vítima de câncer no ducto biliar. É o fim dos verdadeiros Ramones. Viva os Ramones!
Morreu agora há pouco, antes do jogo.
Um dos grandes nomes da black music nos anos 70 não estava bem há algum tempo e morreu nesta sexta. E se você não conhece sua obra, ao menos conhece um de seus grandes hits, graças ao Tarantino.
Mais do que um dos maiores intérpretes de nossa música e um dos sujeitos mais carismáticos do showbusiness brasileiro (competição braba), Jair Rodrigues era ao mesmo tempo uma alma serena e um figuraça, sua presença irradiava alto astral. Lembro de ouvir suas histórias hilárias – causos inacreditáveis quase sempre protagonizadas por ele mesmo, muitas vezes impublicáveis – do próprio Jair ou de seu filho Jairzinho nos tempos que trabalhei na Trama. Era chegar perto dele que tudo melhorava, tudo ficava mais feliz.
Uma senhora perda, uma morte precoce. Vai na fé, mestre.