Quem é que vai assistir Watchmen?
O futuro dos filmes de super-herói
É agora: Watchmen estréia sexta que vem. Um lado da história já conhecemos bem – a campanha de marketing tentacular, a importância do quadrinho original tanto para o formato quanto para a linguagem, a longa saga de tentar adaptar a série pessimista para o cinema, as pragas rogadas por Alan Moore. O fã ou está com o coração na garganta ou com a pulga atrás na orelha, já sabe das mudanças mais drásticas no roteiro, o que fizeram com a história paralela do Cargueiro Negro, como representarão o Dr. Manhattan na tela. O trailer definitivo segue sendo martelado funebremente – sua música-tema trocada de “The End Is the Beginning Is the End” dos Smashing Pumpkins (usada como tema de Batman & Robin, de 97) por “Angel” do Massive Attack tira o tom irônico de usa primeira aparição para dar o clima sombrio e depressivo da história original.
Mas há outro que desconhecemos: e quem não sabe o que é Watchmen? Com uma campanha publicitária e detalhes de produção tão dispostos a conquistar o fã na base da overdose de superlativos, o que ela diz para quem não conhece o que é a história original? Quem são os Watchmen? O que é tão importante na história dessa graphic novel? Quais são os poderes desses super-heróis? Nixon? Vietnã? Marte? Um herói chamado Comediante? E o que esse cara com a máscara de teste de tinta de psicólogo faz? E esse cara de azul? Quantos eles são? E “buuuuum”, explosão em câmera lenta… “Kkkk-prrrr-BFFFFF!!!”, outra explosão em câmera lenta… O broche amarelo com a carinha sorridente. E o tic-tac do relógio.
E só.
Estou curioso para saber como as resenhas/sinopses genéricas que optarem por fugir do “aclamada graphic novel é adaptada pelo mesmo diretor de 300” tentarão explicar porque um filme que mostra o que a existência de super-heróis de verdade poderia fazer com o mundo – psicológica e politicamente -, cogitando o uso de superpoderes como armas imperialistas mais poderosas do que a bomba atômica, é um dos filmes mais importantes de 2009 (além de esperar as resenhas catedráticas da crítica de cineclube, difamando o filme como uma experiência mais sonora do que visual ou mental).
Porque por mais que a pseudosseriedade dos atuais filmes de super-herói funcione apenas como qualquer conversa fiada para justificar a porradaria distribuída por marmanjos usando collan, Watchmen conta com uma pequena e crucial diferença: quase zero porradaria. E por mais que o visual do filme seja fiel ao desenho de Dave Gibbons, convenhamos – Watchmen não é Watchmen por causa de seu traço. Gibbons é minucioso e clássico, um desenhista à altura de seu roteirista. Mas o grande salto proporcionado por Watchmen é narrativo e esse mérito é todo de Alan Moore. O quadrinho até há pouco era considerável impossível de ser filmado justamente devido ao seu vai-e-vem de histórias paralelas e diferentes linguagens num mesmo volume. E elas são histórias densas e complexas, cabeçudas e sentimentais ao mesmo tempo, que ocorrem quase sempre do ponto de vista interiorizado de um dos seis personagens principais ou em longos diálogos entre dois deles.
Por outro lado, estamos em uma época em que um filme como o Batman do ano passado causa indignação por não ter sido indicado para o Oscar de melhor filme – o que, com aquela voz grossa ridícula do Batman, seria o mesmo que jogar o prêmio da academia no lixo de vez. O filme de Nolan é denso e épico, mas é uma experiência sensorial acéfala – de planos aéreos, perseguições de carro e até um caminhão dando cambalhota. Até a história do Homem de Ferro, que cria um protótipo de sua armadura numa caverna no meio da Ásia Central, parece mais crível e convincente do que Batman – The Dark Knight.
E é aí que pode estar o trunfo de Watchmen. Tá certo que boa parte da expectativa em relação ao filme não existia na época dos quadrinhos – Gibbons e Moore eram nomes de peso na Inglaterra, mas quando lançaram a recriação dos personagens da Charlton no formato minissérie eram relativamente novatos na DC. E pegaram o mundo de quadrinhos de assalto – a ponto de sair da esfera dos fãs tradicionais e terem o respaldo de novos leitores.
Eis o salto que Watchmen pode dar no cinema. Ao trazer uma boa história em vez de um bom personagem para a telona, podem estar trazendo um novo nível de maturidade para um público treinado a sorrir com explosões. E assim, poderíamos estar saindo da era de reapresentação dos mitos do século 20 para a nova era e começar a explorar as grandes sagas, que, inevitavelmente, trarão novos leitores a clássicos de quadrinhos festejados apenas pelo circuito interno dos fãs, colecionadores e gente maluca o suficiente para escrever, ler e assistir histórias sobre super seres humanos fantasiados capazes de feitos impossíveis.
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