Quando conheci Tony Allen

, por Alexandre Matias

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Resgatei uma entrevista que fiz pra Ilustrada com o pai do afrobeat Tony Allen, que saiu deste plano na última quinta, na primeira vez que ele veio ao Brasil, em 2004. A foto que ilustra o post saiu do Radiola Urbana do Ramiro, que fez uma playlist no Spotify em celebração ao mestre.

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Pulso de Tony Allen une Brasil e África
Baterista nigeriano que tocou nas bandas de Fela Kuti apresenta-se pela primeira vez no país, ao lado de Sandra de Sá

Como o multiinstrumentista nigeriano Fela Kuti (1938-97) exigiu o holofote da história para seus discursos de ritmo incendiário, o baterista Tony Allen foi deixado em segundo plano como uma espécie de Sancho Pança do jazz-funk africano. Mas basta ouvir qualquer álbum de Kuti para entender que Allen era a força motriz e a arma secreta das bandas do artista – Koola Lobitos e Africa 70.

Allen era companheiro de longa data e tocava com Kuti desde os tempos em que sua banda chamava Koola Lobitos. Formado nos anos 60 apenas por estudantes nigerianos que faziam faculdade em Londres, o grupo logo passaria por uma drástica transformação em sua primeira turnê aos EUA.

Lá, Fela Kuti foi apresentado à nata de uma cultura negra em plena ebulição, que incluía free jazz, movimentos políticos e rock alto. Absorveu com a mesma intensidade as palavras de Jimi Hendrix, Malcolm X, Ornette Coleman, Sly Stone e Eldrigde Cleaver e mudou a banda: a partir daquela viagem de 1969, os Koola Lobitos se tornavam Fela Kuti & Africa 70 e nascia um novo gênero musical, o afro-beat.

Idealizado por Kuti, o gênero não sairia do lugar não fosse o pulso preciso de Allen, que se apresenta hoje e amanhã dentro da programação do Fórum Mundial de Cultura. Kuti morreu em 1997, mas o trabalho de Allen continua a pleno vapor. Ele, que já havia colaborado com grandes nomes do pop africano (como Manu Dibango e Ray Lema), passou as duas últimas décadas experimentando gêneros desconhecidos e possibilidades em estúdio. Lançou seu último disco, “Home Cooking!”, em 2003, e tem colaborado com Damon Albarn, vocalista do grupo inglês Blur, e com o novíssimo MC e produtor inglês Ty. Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Tony Allen deu à Folha.

Que semelhanças você vê entre a música brasileira e a do continente africano?
Tony Allen –
O Brasil tem muitas semelhanças com a África, por serem continentes de ritmos que surgiram do sofrimento. Tivemos a escravidão no passado, que nos tornou irmãos de sangue. E são culturas de países que não tiveram oportunidade de desenvolvimento, por isso são culturas nascidas na pobreza, mas que não são pobres. Há um lado na pobreza que não é tão negativo, que faz com que os pobres vivam mais do que os ricos, tenham mais experiência e intimidade com a vida do que aqueles que se dizem ricos. E, para falar dessa vida, eles colocam a boca no mundo.

Você tem algum artista brasileiro favorito?
Gosto especificamente de Gilberto Gil, que é uma pessoa em que eu sempre presto atenção. Ele é tão político quanto artista, tem uma desenvoltura muito boa para falar e idéias que realmente importam. E tem estilo. Seu violão é uma assinatura inconfundível.

Ele é o atual ministro da cultura do Brasil…
Sim, eu sei, e parece uma escolha óbvia para o cargo -não por ser um artista representativo do Brasil, que também ele é, mas por ter uma visão ampla de toda a situação. Acredito que o fato de eu estar finalmente indo para o Brasil está diretamente ligado ao seu cargo no governo. Não que ele tenha me convidado ou intercedido ao meu favor, mas estamos na mesma sintonia.

Você o conhece?
Não, mas adoraria. Quem sabe, nessa viagem… Também não conheço Sandra de Sá, com quem irei tocar aí, mas acho que terei uma ótima oportunidade para conhecer seu trabalho.

Desde os anos 80, você está atento a outros gêneros musicais e novas técnicas de gravação…
Houve uma época em que eu percebi que o afro-beat poderia se estagnar, parar no tempo. E a música tem que se mover. E, se havia a possibilidade de um ritmo rico e forte como o afro-beat parar no tempo, eu mesmo teria que colocá-lo andando de novo. Por isso comecei a me aproximar de artistas de hip hop, produtores de dub e de dance music.

TONY ALLEN E SANDRA DE SÁ.
Quando: hoje (sábado, 26 de junho de 2004), às 20h30, no Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, Pompéia, SP, tel. 0/xx/11/3871-7700), e amanhã, às 15h, no Sesc Itaquera (av. Fernando do Espírito Santos Alves Matos, 1.000, Itaquera, SP, tel. 0/xx/11/6521-7272). Ingressos: R$ 15.

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