Quem tá com saudades dos shows do Wilco no Brasil?

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Eis os vídeos que fiz nos três shows da já clássica turnê da banda pelo país.

No Circo Voador:

No Popload Festival:

No Auditório Ibirapuera

Foi demais.

Wilco clássico

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Escrevi sobre o show que o Wilco fez no Popload Festival para o meu blog no UOL.

O conceito tradicional de rock clássico diz respeito a uma geração de artistas que viveu seu auge entre o meio dos anos 60 e o final dos anos 70 (incluindo um pouco dos que estouraram nos anos 50 e alguns que desbravaram os anos 80) e que até hoje, quase meio século depois, vive das glórias do passado. Entre artistas decanos decadentes e heróis sobreviventes de uma época muito louca, velhos ídolos revivem seus dias de ouro entre turnês em que reciclam músicas ancestrais para seus contemporâneos e fãs das gerações seguintes, que torram dinheiro para assistir parques temáticos ambulantes sobre seus protagonistas. O melhor exemplo desta abordagem é o festival Desert Trip, que está acontecendo neste fim de semana reunindo, na Califórnia, os líderes daquela revolução cultural – Dylan, Paul McCartney, os Stones, Roger Waters, Neil Young e Who. Os piores são rádios, coletâneas, playlists e bandas cover que insistem numa caricatura disso, preferindo “Ballroom Blitz”, “Bohemian Rhapsody” e os mesmos hits gastos do Kiss e do Bachman-Turner Overdrive para se auto-afirmar como tribo numa clara tentativa de se diferenciar do resto do mundo. O rock clássico como rótulo geracional é o pai do infame roqueiro velho.

Uma abordagem mais propícia, no entanto, é a que trata o rock clássico como gênero musical. Há uma inevitável conexão com a mesma época descrita no início, mas não o compromisso com nomes, discos, músicas, e sim com uma sonoridade específica que evoluiu da colisão inicial do country com o blues que deu origem ao rock’n’roll para um tratamento mais sofisticado e musical. É este o terreno que a banda norte-americana Wilco, que apresentou-se pela primeira vez em São Paulo neste sábado, explora desde a virada do século, quando aos poucos foi largando suas raízes country (ou alt.country, como dizia-se à época) para abraçar a plenitude de um gênero musical aventureiro como os Beatles no estúdio, delicado como o auge dos Beach Boys, pesado e dramático como os vales e montanhas das guitarras de Neil Young, lírico como os arranjos e letras da The Band.

Foi a segunda apresentação da banda no Brasil este ano, após uma apresentação histórica no Circo Voador, no Rio de Janeiro, na quinta passada. O show de São Paulo perdeu para o carioca por motivos óbvios – a arquitetura da casa noturna da Lapa aproxima o público da banda de uma forma muito mais intensa e o show paulista foi dentro de um festival que contava com outras apresentações. Isso não apenas encurtou o tempo da banda no palco como não criou uma atmosfera estritamente focada no show de uma única banda. A favor do público paulista uma atenção e uma entrega muito mais fanática por parte da plateia que, no Rio de Janeiro, ficava conversando sem parar no meio das músicas.

Mas as diferenças entre as duas apresentações foram mínimas, se analisada estritamente a entrega da banda. No show de São Paulo, já familiarizado com o público brasileiro, o líder da banda, o guitarrista e vocalista, Jeff Tweedy, deitava e rolava no calor de sua recém-descoberta popularidade, pedindo para o público repetir o nome do grupo como torcida de time de futebol e entoando o “olê-olê-olê-olê Wilco, Wilco” que havia ouvido antes da banda entrar no palco. “Desculpe termos demorado tanto para vir para cá”, disse sincero para o público, este completamente entregue à banda, cantando não apenas os riffs e os refrões como os cariocas, mas a imensa maioria de todas as letras. No meio do show, Jeff reconheceu César, que subiu no palco carioca para tocar com a banda, e o cumprimentou.

O show seguiu a linha de grandes sucessos da apresentação anterior e foi uma versão compacta do que assistiu-se no Rio. Fora do repertório de São Paulo, infelizmente, canções memoráveis do grupo, como “Theologians”, “Ashes of American Flags” e “California Stars”, mas a clássica “Either Way”, “Dawned on Me”, “Side with the Seeds” e “The Joke Explained” só foram tocadas no palco do Urban Stage, na região norte da cidade. Entre estas aquele desfile de clássicos que os fãs esperavam: “Via Chicago” e “Impossible Germany” logo de cara, “Heavy Metal Drummer”, “Hummingbird”, “Art of Almost”, “Misunderstood”, “Jesus Etc.”, “I Got You (At the End of the Century)” e “Outtasite (Outta Mind)”.

E durante a apresentação do grupo percebe-se que seu conceito de rock clássico não é temporal – e aos poucos eles vão incluindo efeitos eletrônicos, ruídos e cacofonias elétricas, microfonias pós-punk, peso metal, agressividade punk. Isso reflete-se na dinâmica da própria banda e nos papéis de cada um no palco. Jeff Tweedy é o maestro graças a seu inegável carisma, mas também pela forma como conduz a banda do sussurro ao esporro, do assobio ao solo rasgado. Um mestre guitarrista, ele é acompanhado de perto por seu fiel escudeiro John Stirratt, baixista, principal vocalista de apoio e, ao lado de Jeff, único integrante da primeira formação do grupo. A liga entre os dois é o cerne da banda, tudo que acontece no palco é construído a partir da cumplicidade explícita entre Jeff e John.

Ao lado de Jeff, o guitarrista Nels Cline é o franco-atirador da banda, que eleva o título de guitar hero a um nível de pós-doutorado. Cline sozinho é um show à parte e seus solos traçam uma conexão clara entre Tom Verlaine e Neil Young, ampliando horizontes a cada nota sangrada no palco. O guitarrista Pat Sansone – outro guitar hero – é uma espécie de arma secreta do grupo, revezando-se entre teclados, guitarra, banjo e vocais de apoio. O pulso firme do baterista Glenn Kotche certifica-se que está tudo sob controle enquanto o tecladista Mikael Jorgensen prepara a atmosfera necessária para cada canção. Isso sem contar o desfile de guitarras (são 70 instrumentos de cordas, entre guitarras, baixos e violões), um deleite para os fãs do instrumento, e o apreço pelo detalhe – se eles quisessem que ouvíssemos o som de uma agulha caindo no palco ouviríamos. O som, outro ponto alto desta pequena turnê, estava tão cristalino quanto no Rio.

Por ter sido realizado em um festival, o show teve apenas um bis (ao contrário de dois no Rio) e a banda voltou com a intensa “Spiders (Kidsmoke)”, de raiz de rock alemão, em que Jeff incitou o público a cantarolar o riff explosivo, mas escolheu terminar com “The Late Greats”, deixando o público em estado de êxtase após o fim do show. Cravadas duas horas de emoção intensa que lavaram a alma dos fãs que esperaram tanto tempo por esse momento. Resta saber agora o que eles irão fazer em sua última apresentação no Brasil, que acontece neste domingo, no Auditório Ibirapuera. Será que manterão o clima de grandes sucessos dos dois primeiros shows ou farão uma apresentação mais introspectiva? Ou acústica? Ou que se aproveite mais dos silêncios? Mas não importa o que fizerem: farão de forma clássica, como de costume.

Finalmente, o Wilco!

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Depois de anos de negociações, finalmente o Lucio conseguiu trazer o Wilco para seu Popload Festival, que este ano acontece dia 8 de outubro e conta com outras duas atrações confirmadas, a banda Battles e a cantora Ava Rocha (mais informações aqui). É a segunda vez que a banda de Jeff Tweedy vem ao Brasil – a primeira foi em 2005, num showzaço durante o Tim Festival, que só aconteceu no Rio de Janeiro. A vinda para São Paulo finalmente encerra uma novela que já foi parar até no Sesc e consagra o festival do jornalista como uma das principais atrações anuais em São Paulo. Aproveitei a deixa para conversar com ele sobre o festival (que vai ter mais atrações, anunciadas em breve) – como é o local, que outras atrações ele pretende trazer esse ano, o preço dos ingressos e quem é o novo santo graal do Popload Festival.

Há quanto tempo você vem negociando a vinda do Wilco?
Para essa vinda específica há muitos anos. Diria que há uns cinco, seis anos, pra virar agora. Toda vez era mantida uma conversa, esperando a banda divulgar os planos dela para ver se encaixávamos uma vinda para a América do Sul, sempre com um receio de um produtor maior ou festival grande levar. Mas nosso contato com eles foi anual, de uns anos para cá. Segundo minha sócia, a Paola Wescher, que fica à frente das negociações infindáveis, ela sonha em trazer o Wilco há 12 anos. O Wilco é a banda favorita da vida dela. Não é a minha, mas curto demais.

Por que o Wilco? A banda nunca teve um hype maior do que algumas bandas que você já trouxe nem tem uma audiência tão grande no Brasil. Explica por que o Wilco pra quem não conhece o Wilco.
“Hype”… Quando a gente trouxe o Tame Impala pela primeira vez não tinha hype. Nem Metronomy, nem Friendly Fires. Wilco é uma dessas bandas naturais que a gente sempre sonhou trazer, porque a gente procura trazer o que a gente gosta, o que a gente acha ter a ver com nosso mundo, uma banda que eu acho já ter visto umas seis vezes na vida e minha sócia um outro tanto. A gente adora Battles e está trazendo e o hype deles é zero. Iggy Pop é mais um “velho punk” cheio de história do que um artista que quem está atrás de hype poderia imaginar ver num Popload Gig ou Festival.
A aproximação com o Wilco se explica sozinha. Eu adorava Uncle Tupelo, a banda do Jeff Tweedy antes do Wilco, mas era mais impressionado com o Jay Farrar do que com o Tweedy. Uncle Tupelo era o “rock alternativo” gostoso e melódico, mais próximo de REM e bem mais country, uma “alternativa” à ferocidade do Nirvana e do grunge, que era o “alternativo” deixando de ser “alternativo”. A brincadeira com o termo “alternativo” é proposital. Quando o Farrar saiu e formou o Son Volt e o Tweedy o Wilco, eu achei que ia gostar mais, seguir mais, o Son Volt. Mas o Tweedy assumiu a porra toda e foi me provando o contrário. Não teve um só show do Wilco dos muitos que eu vi que eu tenha achado médio. Nem o confuso show no Rio de Janeiro, no Tim Festival. E sempre achávamos que São Paulo merecia ver o Wilco aqui.

É um festival que você já anunciou três bandas. Quantas outras atrações terão? Acontecerá em apenas um dia? Quando você anunciará os novos nomes?
O número certo ainda não está fechado. É uma matemática mutante que envolve dinheiro e oportunidades. E mais quatro meses para correr atrás das coisas. Obviamente já temos algumas bandas em contato, estamos vendo se conseguimos mais grana para investir em mais, tem a resposta dos ingressos. Se tudo der certo, anunciaremos mais duas bandas. Estamos trabalhando nisso ainda.

Sobre o lugar, o que dá pra esperar do Urban Stage? A maioria do público do Wilco e do Popload não conhece o local, presumo.
Por não conhecer o local, ele já vira um atrativo a mais, uma nova experiência. É um espaço grande e moldável que tentaremos deixar com nossa cara. A gente sempre gastou muito em estrutura, até em lugares “prontos” como o Audio. Não será diferente com o Urban Stage. É um lugar na Zona Norte, no outro lado da Marginal, pertinho de metrô, bom acesso de carro, perto de shopping, vários estacionamentos, hoteis. O ir e vir ali é fácil. E é um lugar quase que espartano. Cabe à gente deixá-lo bonito e confortável. Mas isso acho que a gente fez bem nas edições passadas do Popload Festival, espero que consigamos fazer neste ano também.

E, é inevitável, claro, falar sobre o preço: por que o ingresso custa tão caro?
Não é difícil entender. E sempre tem a ver com a famigerada “planilha de custo”. Bandas caras + estrutura cara + uma iniciativa diferente de não se preocupar em fazer um festival pra mais de 30 mil pessoas, e sim para 6, 8 mil. Você joga esses preços numa planilha besta de excel, mais os 500 outros custos, e voilà. Teve gente no Facebook que questionou isso de um modo bem tosco e eu respondi quaaaase ironicamente. Mas é a real e é ilustrativo, então vou copiar e colar aqui, se você me permite, para não ficar falando de modo diferente a mesma coisa. .

“Nossa ideia era fazer um ingresso de um só tipo, custando R$ 1. Mas daí o Wilco não topou não receber seu cachê pleno. Nenhuma das outras bandas topou, aliás. A gente insistiu, mostramos a situação da economia brasileira, que tá foda, falamos do golpe e tudo. Não rolou. As companhias aéreas não toparam fazer as passagens de graça, os hotéis bons não liberaram os quartos para a gente botar os caras todos de graça, escrevemos para o Temer e ele não liberou os impostos absurdos que pagamos para erguer um evento assim, os advogados que contratamos para cuidar dos vistos de entrada dos gringos – é uma trabalheira e você não tem ideia quanto custa… – já disseram que querem receber os deles, a galera do transporte de instrumentos não arreda pé para carregar tudo na faixa, mesmo para um festival tão bacana com bandas tão legais. O Urban Stage não cedeu de graça todo o seu espaço e a estrutura e o cenário que montaremos vai nos tirar vários dinheiros. Por fim, entre umas 60, 70 pessoas que trabalham direta ou indieretamente – indie-retamente? – para o Popload Festival, que acaba gerando um bom número de empregos e movimentando essa nossa economia quase falida, não aceitaram trabalhar meses de graça para você conseguir assistir ao festival tão legal e caprichado por R$ 1… Ou R$ 10… Ou R$ 100.”

Nem vou falar o que a meia-entrada, do jeito como ela é, e o que causa aos produtores de eventos do Brasil-il-il. Nem dos amigos e quase-amigos mais todas as “personalidades” e os 25 mil jornalistas que querem cortesia e nem pensam em botar a mão no bolso para ajudar um evento desses a continuar de pé, trazendo bandas para cá, para o nosso mundinho.

Daí que, levando tudo isso em consideração, metemos as contas todas numa planilha de custos. E saem aqueles preços dos ingressos que divulgamos. E aí pensamos: “Nessas condições, fazemos ou não o festival, os shows todos, os eventos? Ainda estamos na fase de fazer, de acreditar na gente, na galera que curte o que a gente curte, de contribuir de alguma forma para agitar a cena da cidade onde vivemos. Ainda que a chance de se ferrar financeiramente, estruturalmente e mentalmente seja muuuuuuito grande”. E, por mais um ano, resolvemos fazer. E tamos aí, segurando as broncas, inclusive para o tipo de comentário e “análises” de Facebook diversas de “entendedores de economia”.

Muita gente acha o preço do ingresso alto para um festival que tem o patrocínio da Heineken. Mas o maravilhoso dinheiro da Heineken só serve para atenuar parte das contas. A gente samba em várias outras frentes para montar um evento do jeito que a gente se propõe a fazer, com a experiência que a gente acha que tem que criar, com o preço mais “justo” (ou seja, menor) possível para botá-lo de pé. É uma variante sem fim de contas e estratégias.

Até a história da famosa área vip, que eu acho em si um princípio besta, mas que serve para cobrar mais de quem pode mais, para aliviar a conta para quem pode menos. Estamos fazendo uso dela pela primeira vez, é um incômodo, mas fazer o quê se ela serve para deixar o ingresso comum mais barato… Ela ocupará metade da “linha de frente” do palco. Poderia ocupar inteira, toda a frente, e com isso baixaríamos o ticket comum. Mas aí já seria demais. De novo, e sempre, é a tal da matemática.

Além do festival, você ainda anunciou dois Popload Gigs seguidos (Air e Courtney Barnett com Magnetic Zeros) com apenas uma semana de diferença. Vem mais show ainda no segundo semestre?
A ideia é ter mais alguma coisa sim. Temos muitas conversas e, agora, pouco dinheiro para arriscar o pescoço. Mas quando oportunidades aparecerem e a gente se debruça na planilha e vê o que rola. “Hey boys… hey girls…”

E shows nacionais? Você não vai começar a explorar esse mercado com mais força – tanto fazendo artistas que você aposta circular no Brasil quanto levar artistas brasileiros pro exterior?
Nunca tivemos tempo/espaço/chance para pensar seriamente nessas coisas. Pode ser que uma hora aconteça.

Como você se refere ao trabalho que você faz, misturando jornalismo com curadoria e produção? O quanto o jornalismo está mudando nesse início de século? O que você acha do jornalismo cultural brasileiro?
Generalizar jornalismo cultural é muito difícil, mas não gosto muito do que vejo e leio. Acho opinativo demais e bem sacado de menos. É muito tipo “eu acho” do que traz histórias boas e perspectivas diferentes. Jornalismo cultural, seja em jornal, revista e blogs, tá um grande facebook.
Não sei mais como me refiro a meu trabalho e o que sou. Ando tendo que virar várias chavinhas no meu dia a dia. Mas seja com a Popload, escrevendo para a Folha e editando a Harper’s Bazaar, jornalismo é o terreno que eu mais me sinto “verdadeiro”, digamos.

E depois do Wilco, qual o próximo santo graal da Popload?
A volta do Oasis no Popload Festival.