Enquanto isso, no Recife…

Deu no JC:

A ministra da Cultura, Ana de Hollanda, curtiu o show no camarote da prefeitura. “Tenho família em Pernambuco e participo do Carnaval do Estado há 25 anos. Adoro todas as manifestações culturais, o maracatu, o caboclinho e principalmente o Carnaval de rua, que já tive a oportunidade de participar várias vezes”, disse a ministra, que também vai prestigiar da abertura do Carnaval do Recife, neste sexta-feira (04). Além do Recife, Ana de Hollanda tem “agenda de Momo” em Salvador e no Rio de Janeiro.

Um produtor cultural, que preferiu não se identificar, aproveitou a presença da ministra para protestar. “Ministra deixe de ser autista. Ecad rouba o artista. #foraAna”, trazia o cartaz exibido pelo manifestante. “O Governo parece não se interessar em mudar as regras do direito autoral. O Ecad prejudica as pessoas que fazem a cultura, pois a verba é distribuída sem nenhuma fiscalização e, infelizmente, sem reforma, isso deve continuar”.

Deal with it.

Soko pela manhã

Grata surpresa acordar e descobrir que foi o Coquetel Molotov quem confirmou a especulação sobre a vinda do Dinosaur Jr. para o Brasil. O festival indie pernambucano também está fechando o Miike Snow e tem na manga o Otto, o Emicida, a Banda de Joseph Tourton, alguns artistas suecos (Taxi Taxi!, Taken By Trees e Anna Von Hausswolff), mas pra mim uma das grandes atrações é a francesinha Soko – já falei dela antes aqui. E se o Dinosaur Jr. vem pra São Paulo, tomara que arrumem um jeito de ela vir também (e de preferência antes do dia 19, hehehe).

Céu ao vivo

Um presente do Hominis Canidae: a íntegra do show de Céu no Rec Beat deste ano. Coisa fina.

Entrevista: H.D. Mabuse

Enquanto nomes como Chico Science, Fred Zero Quatro, Renato Lins (o “ministro da informação”), Otto e Jorge Du Peixe são naturalmente associados ao mangue beat, o webdesigner H.D. Mabuse ainda é uma figura conhecida apenas nas internas. Uma pena, afinal, ele é uma das personagens mais ativas no movimento, ainda mais se o assunto é tecnologia e internet. Foi ele quem colocou o mangue pela online primeira vez (com o e-zine MangueBit), divulgou a trilha sonora do movimento nas ondas da rede (na rádio Manguetronic), acessora uma imensidão de sites pernambucanos, dá pitacos nos projetos C.E.S.A.R. e Porto Digital , media a lista de discussão [Palíndromo] e agora ataca como músico, ao lado do DJ Tarzan, com o projeto Re:Combo. Multimídia de espírito, informática na cabeça e coração pernambucano, H.D. Mabuse falou sobre a interrelação entre Recife, cultura e tecnologia.

Recife é uma cidade de alma tecnológica?
Creio que sim. A relação pernambucana com tecnologia é antiga, data dos idos de 1630 com a presença batava no Recife, representados por Maurício de Nassau, e desde essa época os holandeses trouxeram o gosto pelo crossover entre tecnologia e arte. No seu séquito, o príncipe João Maurício de Nassau-Siegen trouxe artistas e cientistas, Naquele período, Recife talvez tenha sido a mais moderna cidade das Américas, pelo seu desenvolvimento urbanístico. De lá pra cá vale a pena dar um pulo na história e cair no Centro de Física da UFPE, que participou ativamente do desenvolvimento de hardware da região. A tradição de tecnologia se refletiu na prefeitura em 1963 quando entrou em funcionamento o primeiro computador eletrônico de Pernambuco, um IBM 1401, na Seção de Mecanização da Prefeitura do Recife. Em 1983, foi lançado o Corisco, um PC totalmente desenvolvido e produzido em Pernambuco, como resposta ao preço alto pra caralho dos equipamentos importados. Um dos agentes de mudança que está associado a isso tudo desde o inicio é Cláudio Marinho, atual secretário de ciência e tecnologia. O site pessoal dele, apesar de não ser atualizado desde 97 é do caralho. Outra peça chave dessa onda tecnologia é Silvio Meira, idealizador do Centro de Estudos Sociais Avançados do Recife.
É importante notar tambem como a periferia absorve, recombina e transfere a tecnologia que fica disponível. Os sinais vão desde os esforços da comunidade de Águas Compridas, onde existe o maracatu Leão Coroado, que tem até site e já foi citado na revista Wired, até os mais de 400 artistas de graffiti formados pela Subgraf.

Como a cidade reage a esta alma tecnológica?
Toda referência às tecnologias – internet, a imagem da parabólica enfiada na lama, as teorias do Caos e Imprevisibilidade, fractais, linguagem virótica, memes – sempre foram bem recebidas e assimiladas pelo povo da cidade. Acho que houve uma surpresa maior do sul do país com o fato de se desenvolver música e tecnologia – afinal ciência é cultura! – com tanta qualidade e de uma forma tão vanguarda aqui no Nordeste, enquanto, por outro lado, a velocidade absorção dessas tecnologias no Recife é extremamente rápida. Você encontra escritores de software, programadores de ritmos e loops, batuqueiros de samples por todo lado. Experiências como o Maracatu Leão Coroado tem mostrados faces interessantes, como a tentativa embrionária de transformar a estrutura de computadores para a internet que eles dispõem através do C.D.I., em micro-estúdios digitais. É guerrilha digital pura nos baque da periferia.

Recentemente, a tecnologia tem estado tanto em evidência quanto a cultura, em projetos como o C.E.S.A.R. e o Porto Digital. Como a cidade tem sentido esta nova invasão?
Pessoalmente, sinto a mesma vibe que sentia no início do mangue, só que agora com tecnologia e negócios na cidade. As empresas de fora do país mandam comitivas para conhecer uma instituição como o C.E.S.A.R. ou o Porto Digital ao mesmo tempo que os contatos são feitos daqui para fora. Quanto à relação da cidade com a suposta “invasão”, creio que isto acontece para fora da cidade, a integração da comunidade tecnológica com a comunidade cultural é total. No C.E.S.A.R, num universo de 300 pessoas trabalhando, pelo menos 50 tem atividade forte em algum maracatu, banda pop ou dá uma de DJ. O próprio presidente do C.E.S.A.R, Silvio Meira, toca em um ou dois maracatus.

Fale sobre o site MangueBit e a relação com o mangue beat.
Em meados de 1994, fui convidado por Cláudio Marinho para participar da criação do site da Rede Cidadão, que foi a primeira freenet da América Latina, um serviço de acesso gratuito à internet da prefeitura do Recife, através da Emprel. Junto a essa proposta mandei um projeto para colocar no ar o MangueBit, site oficial do movimento. Foi nesse cenário, com o desenvolvimento da internet na cidade no inicio dos anos 90, bem antes da Internet comercial, que paralelamente apareceu toda a historia de mangue beat. Um ano depois, em abril de 1996 entrou no ar o Manguetronic, que é o primeiro programa de rádio feito exclusivamente para a internet na América Latina. Os dois são produtos estratégios de comunicação do mangue. Na época que começamos a criar o MangueBit, havia um jornalista que estava escrevendo a “história do mangue” e havia um certo temor da parte de todos que a história fosse manipulada, o que seria bastante natural. O site apareceu para dar a versão dos envolvidos, antes que houvesse alguma deturpação. No caso do Manguetronic, basta dizer que foi o veiculo de comunicação de massa escolhido para colocar no ar o segundo manifesto do mangue, após a morte de Chico.

E qual é o legado de Chico Science nesta discussão?
Chico tinha um puta feeling para as tendências que passavam ao seu redor. Uma frase que hoje é extremamente considerada no meio dessa história toda é: “think globally, act locally”, sem provavelmente conhecer a frase, Chico traduziu a essência como “Pernambuco embaixo dos pés e minha mente na imensidão.”

O que a cidade – e o estado – prometem nesta área para 2002?
Esse é o ano do pontapé inicial do Porto Digital, e desde o início já existe uma ligação muito forte entre os esforços em business e tecnologia com cultura e movimentos da cidade. O ano vai ser bem quente 🙂