O irônico metadocumentário Pavements, que lentamente está transformando o histórico e o legado do Pavement para muito além do que eles poderiam imaginar em seus anos clássicos, acaba de dar mais um passo ousado nesta escalada quando seus produtores fecharam um acordo com a rede de cinemas comerciais AMC para exibir, num mesmo dia, o documentário de Alex Ross Perry em 50 salas de cinemas dos EUA. E aproveitando essa deixa, a parceria também deu origem a esse icônico balde de pipocas que vai fazer o público comer diretamente da cabeça do líder da banda, Stephen Malkmus. Bem que eu queria um desses…
Pavements, o metadocumentário meio fake meio real inventado por Alex Ross Perry para celebrar a história e o legado da banda liderada por Stephen Malkmus, tem operado pequenos milagres. Além de despertar um novo interesse pela banda a partir de sua segunda turnê de retorno, o filme aos poucos está transformando o Pavement na principal banda indie dos anos 90, basicamente porque o peso da tragédia que abateu-se sobre o rock alternativo da época com a notícia do suicídio de Kurt Cobain, fez todos os potenciais concorrentes ao posto saírem correndo na direção contrária: o Sonic Youth radicalizou para um lado ainda mais experimental, os Smashing Pumpkins correu em direção ao rock progressivo, ao industrial e depois até para o metal; o Teenage Fanclub lançou um disco meio soturno para depois abraçar o power pop, o Blur e o Oasis se engalfinharam numa briga besta e os Foo Fighers miraram no mainstream, de onde não saíram desde que lá chegaram, anos depois.
O Pavement percorreu uma trajetória ainda mais bissexta ao negar o rótulo de principal banda da década radicalizando ainda mais no indiesmo – seu terceiro disco, Wowee Zowee (meu favorito), é um Álbum Branco de frustração de expectativas ao mesmo tempo em que explora territórios novos para o grupo, da balada country ao hardcore, e essa guinada ajudou a colocar lenha na fogueira do documentário idealizado por Perry, que é irônico e não é irônico ao mesmo tempo e faz com que o grupo, mais de um quarto de século após seu fim, se prontifique ao posto que ninguém queria. E ao contar a história do grupo misturando com um documentário de mentira sobre a banda, um musical (!!!) no teatro e uma exposição sobre o grupo, o filme conseguiu outro grande feito, ao trazer à tona uma música que o grupo gravou nos ensaios de sua turnê mais recente, quando gravaram, de forma descompromissada, “Witchi Tai To”, canção perdida que o norte-americano de origem indígena Jim Pepper gravou em 1971 a partir de uma música que aprendeu com seu avô, um hino da Igreja Nativa Americana, que celebra o peyote como caminho para o autoconhecimento. A versão do Pavement, lançada pela primeira vez na trilha sonora do documentário que saiu nessa sexta-feira, é a primeira música que o grupo lança desde o EP Major Leagues, de 1999. O sangue do cinema tem poder!
E o metapseudodocumentáriofake sobre o Pavement finalmente sai do circuito dos festivais e estreia nos cinemas comerciais – a princípio apenas nos EUA – e justamente por isso Pavements ganha seu primeiro trailer oficial, que demonstra como diretor Alex Ross Perry mistura sua megalomania de araque com a preguiça blasé da icônica banda indie norte-americana criando algo que não é só um registro sobre um trabalho artístico, como uma continuação e uma espécie de validação – usando muitos superlativos – da história da banda. Assista abaixo:
O ótimo Pavements, que mistura documentário, cinebiografia, autoparódia, musical, cenas de shows, entrevistas e até uma exposição sobre aquela que é anunciada como “a maior banda de rock dos anos 90”, será responsável pela primeira música inédita do grupo em um quarto de século. Foi o que revelou o guitarrista Scott “Spiral Stairs” Kannberg ao podcast Kreative Kontrol, ao ser entrevistado ao lado do diretor Alex Ross Perry e do editor e produtor Robert Greene para falar sobre o lançamento comercial do filme, que acaba de fechar o circuito de festivais (passou inclusive pela Mostra desse ano), e deve chegar às salas de cinema dos Estados Unidos no próximo semestre. E para surpresa até mesmo dos dois envolvidos no filme, o guitarrista da banda revelou que acabara de ouvir à versão mixada da música, revelando que ela estará na trilha sonora do filme. A música parece ter surgido nos ensaios da recente turnê de reunião que o grupo fez nos últimos dois anos (passando inclusive pelo Brasil) e é a primeira música nova lançada por eles desde o EP Major Leagues, lançado em 1999. Ouça o trecho da entrevista abaixo:
Aproveitando o auê ao redor da segunda volta do Pavement, a clássica gravadora indie norte-americana Matador, que acompanhou toda a fase adulta do grupo liderado por Stephen Malkmus nos anos 90, encomendou um filme sobre a banda ao diretor Alex Ross Perry. Pavements estreou pela primeira nesta semana durante o festival de Veneza, trazendo Joe Keery, que interpreta o valentão Steve Harrington no seriado Stranger Things, como o vocalista e guitarrista da banda californiana. Um pastiche irônico de biografia romantizada com documentário feito para a TV (como deveria ser, afinal, eram os anos 90), o filme teve sua primeira cena mostrada em público nessa semana, quando a revista Vanity Fair antecipou um trecho do filme em que um Malkmus fictício faz pouco da excitação dos dois donos da gravadora (Chris Lombardi e Gerard Cosloy, vividos pelo ator Jason Schwartzman e pelo comediante e músico Tim Heidecker) quando estes anunciam que sua banda será o número musical do programa humorístico Saturday Night Live. E a reação foda-se de Keery como Malkmus consegue ser mais convincente em poucos segundos do que o Dylan de Timothée Chalamet no trailer do próximo filme sobre Dylan, A Complete Unknown (e olha que eu gostei desse último!).