Paulo César Pereio (1940-2024)

A vida de excessos do genial Paulo César Pereio chegou ao fim na tarde deste domingo, quando esse ícone do cinema brasileiro cedeu à complicações hepáticas que lhe levaram às pressas para o hospital neste fim de semana. Morando desde o início da pandemia no Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro, entidade gerida pelo amigo Stepan Nercessian, ele andava mais recluso e bem distante da imagem pública de boêmio incansável que o eternizou. “Construo este mito para ser pouco incomodado”, ele contou ao jornalista Geneton Moraes Neto em entrevista em 2010. É uma espécie de self-art. Pereio, na terceira pessoa, é obra minha. Posso ser considerado no Brasil uma celebridade. As pessoas me reconhecem na rua. Mas posso me dar ao direito de sair sozinho por aí, subir morro, andar na banda podre e na baixa sociedade, tranquilamente. Sei como não ser vítima disso. Conheço atores brasileiros que têm de fingir que são outra pessoa para sair na rua”.

Nascido em Porto Alegre, ele mudou-se para o Rio nos anos 50, onde participou de algumas montagens de teatro moderno (como Esperando Godot em 1958 e a clássica versão de Zé Celso Martinez Corrêa para a Roda Viva de Chico Buarque em 1968) e logo foi puxado para o cinema. Estreou em 1964 no filme Os Fuzis de Ruy Guerra e fez uma participação breve Terra em Transe de Glauber Rocha, em 1967. A partir dessa época e pelos anos 70, tornou-se uma constante em filmes brasileiros, atuando em produções como Os Marginais, O Homem Que Comprou o Mundo, A Lira do Delírio, Chuvas de Verão, Os Inconfidentes, Bang Bang, A Dama do Lotação, Lúcio Flávio – O Passageiro da Agonia, Rio Babilônia e Toda Nudez Será Castigada, entre dezenas de outros – foram quase 60 filmes.

Misto de Humprey Bogart com Jean Paul Belmondo, Pereio fazia personagens que se confundiam com sua persona pública, um galã da pesada, sensível e truculento, que criava problemas e despertava paixões por onde passava. Trabalhou com os maiores nomes de nosso cinema (Cacá Diegues, Andrea Tonacci, Hector Babenco, Neville de Almeida, Joaquim Pedro de Andrade e Arnaldo Jabor), além de circular tanto pela turma do Cinema Novo quanto da pornochanchada com a mesma desenvoltura. Também fez carreira na publicidade (com sua voz grave tornando-se sinônimo de algumas marcas) e na TV, quando trabalhou em produções da Globo como Gabriela, Roque Santeiro, Anos Dourados, A Viagem, Presença de Anita e Carga Pesada. Foi amigo pessoal de Nelson Rodrigues e dirigiu sua penúltima peça (O Anti-Nelson Rodrigues, 1974), além de ter sido o foco do documentário Peréio, Eu Te Odeio, dirigido por Allan Sieber e Tasso Dourado em 2013. Viveu como quis, morreu como pode. Um bastião da nossa cultura e também o retrato de uma época.

Não sou propriamente fã do saudoso Pereio, mas é inevitável reconhecer seu talento. Sua atuação intensa e indomável transforma qualquer cena em que ele atue num épico dramático de proporções simultaneamente caricatas e gigantescas – esteja em um filme clássico brasileiro ou batendo boca em um boteco qualquer. E em nenhum filme ele está tão bem quanto no clássico Bang Bang, que Andrea Tonnaci dirigiu em 1971, que figura entre os melhores filmes brasileiros na minha opinião. Só a cena de abertura, um clássico em si mesma, em que ele discute com um taxista de forma completamente improvisada, já vale o filme inteiro e funciona como uma analogia do que Tonnaci – e o próprio Pereio – estava fazendo no cinema (a anarquia completa do personagem principal) em relação à formalidade da linguagem no Brasil (o monte de explicações dadas pelo coadjuvante para não conseguir fazer o que está sendo pedido). Um momento único da sétima arte, puro delírio. Obrigado, Pereio.

Assista à íntegra de Bang Bang abaixo:  

Paulo César Pereio YOLO

pereio-nyc

Esse rap que o Pereio gravou pra marcar a volta de seu programa no Canal Brasil é ao mesmo tempo constrangedor como nos lembra da importância de sujeitos como ele justamente para macaquear momentos assim.

Odiável Pereio

E o lendário documentário começa a ganhar os contornos finais…

Coisa de Idiota

Da mesma forma que o Cearenses Internacionais foi inspirado no Men Who Look Like Old Lesbians, o Coisa de Idiota – o terceiro blog de Mauro A, do Wagner & Beethoven – também é uma apropriação abrasileirada (paulistanizada, melhor dizendo), do Stuff White People Like. Com acidez pingando em cada linha, os posts não perdoam ninguém – da turma da Mercearia à de órfãos do Notícias Populares, passando pelo Humberto Finatti, cotas para minorias, o Museu da Língua Portuguesa, filmes com Morgan Freeman, grafiteiros e motoboys, pelo dito humor inteligente no Brasil, camisetas regata e a Livraria Cultura, hábitos, personalidades e eventos são devidamente escarnecidos e humilhados. E como ando numa correria, em vez de descrever o trabalho do sujeito, resolvi sampleá-lo. Vale a visita:

15. Sampa

Ah, não. Isso não era coisa só de carioca? Por que é que agora todo mundo, inclusive em São Paulo, fala “Sampa” com a maior naturalidade, como se não fosse o apelido de cidade mais hediondo da história? “Floripa”, por exemplo, não deixa de ser também dolorosamente ridículo – mas lá as pessoas são ou surfistas ou tenistas, e não se pode exigir que elas articulem qualquer palavra com mais de três sílabas. Mas “Sampa”? Não, não. Primeiro, que falar “São Paulo” não é exatamente o maior desafio do mundo; segundo, que quando uma pessoa fala “Sampa” na minha frente ela automaticamente assume a forma do Otávio Mesquita de bermudão e fazendo mini-hang-loose, mesmo que na realidade ela esteja de fraque e cartola, ou mesmo que ela seja a Juliette Binoche. “Sampa” é coisa de coroa excessivamente extrovertido, usando roupas que obviamente não foram feitas para ele. “Sampa” é uma dessas palavras (como “blogosfera” e “desigualdade”) que nunca foram ditas por alguém que não fosse idiota.

25. Banheiro vs. e-books

Não tenho a menor idéia de qual é o futuro das publicações impressas, não sei se as pessoas algum dia vão preferir ler tudo na tela do computador ou não, mas por favor não diga que o e-book ou algo parecido está fadado ao fracasso simplesmente porque a humanidade sempre vai preferir levar livros ou jornais para ler no banheiro. Vamos lá, deve haver um argumento melhorzinho. Sem falar que essa tese faz qualquer um involuntariamente visualizar você sentado no vaso, de calças arriadas e lendo uma antologia de crônicas bem-humoradas da Danuza Leão, ou mais um contundente artigo do Sérgio Augusto sobre as eleições americanas no Estadão, e se você não quer que isso aconteça, tenha certeza de que ninguém mais quer.

03. Tarantino

O problema nem está nos filmes dele, mas nas idéias que esses filmes despertam em idiotas que fazem muita força para parecer cinéfilos: “Na minha festa só vou tocar música dos filmes do Tarantino, inclusive intercalando com os diálogos mais legais, na íntegra”. Para um idiota, não basta ligar o DVD, apertar o play e, de preferência, manter a boca fechada: “Quer passar lá em casa amanhã à noite? Vou colocar umas cadeiras de praia no quintal, chamar uma galera e projetar Kill Bill 1 e 2 seguidos no telão”.

Mas não são só os filmes do Tarantino que deixam esses oligofrênicos com vontade de fazer eventinhos ou performances. Não faltam imbecis dispostos a assistir à filmografia completa de Stanley Kubrick de ponta-cabeça ou a sincronizar a imagem de “Weekend à Francesa” com o som do LP dos Saltimbancos. Só existe um jeito, aliás, de ver filme do Godard sem parecer afetado: dormindo.

21. Paulo César Peréio

Ele fala “porra” o tempo todo, né? Puxa, que loucura, que vontade de conversar horas sobre isso.

01. Bater palmas quando ri

Ninguém normal faz isso. Nenhuma criatura sã, quando ouve uma coisa engraçada e começa a rir, sente o impulso de bater palmas. Ninguém, ninguém. Essa doença social foi inventada a certa altura da Grande História de Idiotice e parece se tornar a cada dia mais freqüente e intensa. A prova de que isso não faz parte da expressão natural do riso é que as palmas são típicas de ambientes onde a graça passa longe, como o Terça Insana ou apresentações de auto-declarados stand-up comedians brasileiros. O problema é que o hábito se espalhou para fora desses espetáculos de humor constrangedor, e é possível que você, numa inocente reunião de amigos, amigos que você pensava conhecer, faça uma gracinha e seja surpreendido por alguém gargalhando e aplaudindo ao mesmo tempo a sua piada, o que estragaria irremediavelmente a graça dela. Afinal, como sabe todo ser humano mentalmente saudável, a risada com palmas destrói de forma definitiva qualquer vontade genuína de rir. Porque é coisa de idiota.

23. Mulheres como desculpa

Warren Beatty, Porfírio Rubirosa, Errol Flynn, cada um deles levou para a cama um número de mulheres superior ao total de mulheres que já pegaram metrô e ônibus junto com você em toda a sua vida, e eles jamais se rebaixariam a sequer saber pronunciar sordidezas como forró, show da Ivete, livro do Leminski, violão clássico, Djavan, barba desenhada à laser, exposição de fotos de moradores de rua, cachorrinhos; portanto, na próxima vez em que você inventar de passar o carnaval em Salvador, ter aulas de dança de salão, ver uma mostra de fotografia no Itaú Cultural, passear com o seu pug de estimação, ou for flagrado comprando uma coletânea de poesia de vanguarda, não tente justificar dizendo que tudo isso faz parte da sua infalível estratégia para atrair as mulheres, como se você fosse uma espécie de Casanova com sotaque mooquense, e reconheça que está apenas cedendo às imperiosas determinações do seu mau gosto.

Hoje só amanhã: a sexta semana de 2009

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MP3 com o Trio Esmeril tocando os Afro-Sambas
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Watchmen na capa da Mad
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Roberto Carlos 2009
Watchmen 8-bit
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Humanos entre nós
Carmen Miranda, 100 anos

Sabe aquele homem?

Animação: Rodrigo Burdman
Texto: Marcelino Freire
Voz: Paulo Cesar Pereio