Thiago Pethit encontra Patti Smith

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Da ponte erguida em Rock’n’Roll Sugar Darling, seu álbum mais recente, de três anos atrás, Thiago Pethit desceu em Patti Smith. A conexão entre música, teatro e poesia que sempre esteve presente em sua obra aos poucos despe-se das guitarras para abraçar as palavras e ao imaginar um espetáculo sobre uma de suas principais musas, ele cercou-se de mulheres para seguir com a provocação sobre gênero. Assim, a banda é formada por ele, Larissa Conforto (do Ventre, na bateria), Stéphanie Fernandes (no baixo), Monica Agena (do Moxina, na guitarra) e Rita Oliva (a Papisa, no teclado), além da presença da atriz Leandra Leal, que o ajuda a declamar os textos de Patti, puxando uma vibe “sarau beatnik”, como ele mesmo define. O show acontece no Sesc Pinheiros a partir das 21h (mais informações aqui) e Thiago o vê como a semente de um projeto maior, orbitando ao redor do magnetismo da poeta punk. Conversei com ele sobre este novo show, sua influência, o processo de realização e uma possível continuidade.

Como foi a sua primeira vez com a Patti Smith?
Foi média. Acho que não nos conquistamos de cara. A segunda sim é que foi boa.
Eu escutei Patti quando era adolescente, mas não bateu. Acho que não entendi. Eu era adolescente, né? Em termos de rock, tava mais interessado em ver o Mick Jagger rebolando ou a Debbie Harry fazendo passinhos de dança e a Patti parecia estranha e profunda demais, então ela ficou no ali no canto.
Mas em 2010, nos reencontramos quando li Só Garotos. E aí sim um mar de ideias, sensibilidades, poesias, e identificações foram possíveis. Foi só então que eu voltei aos discos e saquei o que era aquilo.

E quem teve a idéia de fazer um show em homenagem a ela?
Meu namorado. Ele sabe o quanto eu sou apegado ao trabalho da Patti e o quanto ela vem influenciando meu trabalho, não diretamente musical, mas de forma conceitual. Um dia ele falou “quando é que você vai fazer um show sobre isso?” e me deu esse click: é agora!
Desde Estrela Decadente eu venho estudando ensaios e poemas e peças de teatro que ela escreveu e baseando alguns conceitos, ou personagens no meu trabalho. O próprio Joe Dallesandro, que aparece na introdução do meu disco RnR Sugar Darling, me foi ‘apresentado’ pelo Só garotos. Segundo o livro, ele era um “role model” para o Robert Mapplethorpe. De certa forma era tudo que ele queria ser e representar para entrar no mundo do Warhol, então ele seguia todos os passos do Joe. Frequentava os mesmos lugares, faziam michê juntos pelas ruas de NY… Os anjos sujos e com bocas de cowboy que o Joe cita na abertura do meu disco, são eles. E foram ideias que surgiram da peça Cowboy Mouth da Patti com o Sam Shepard.
Mas em termos musicais, eu talvez intuísse que ainda não estava pronto para acessar a Patti. Na verdade, eu ainda sinto que gostaria de fazer mais intervenções sobre o show, gostaria de estar ainda mais pronto como artista, mais completo, para realmente acessar algo que eu ambiciono sobre isso. Pelo menos agora, sinto que me aprofundei suficientemente para poder homenageá-la. Quem sabe mais pra frente eu não vá aos poucos desenvolvendo essas outras ideias.

Você viu ela ao vivo fazendo o Horses em 2015?
Infelizmente não. Mas eu vi um show pequeno, para umas 100 pessoas, em comemoração ao aniversário do Lenny Kaye – o eterno guitarrista de Patti – de 70 anos, um dia antes dela completar 70 também. E foi maravilhoso, ela fez uma participação cantando umas sete músicas com ele e banda. Contou histórias, recitou poesias, e nossa… que poder ela tem com as palavras. Saí do bar como se tivesse levado uma descarga elétrica. Enfiei os dedos na tomada.
É algo impressionante e que não se entende apenas escutando os discos. Por isso também senti a necessidade de ter uma atriz no show, que pudesse trazer essa compreensão da PALAVRA para o palco.

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4) O show é só o Horses? Fala sobre o conceito do show.
Não é só Horses. Tem outras fases. O Horses é o meu preferido e é a maior parte do show, mas eu fui selecionando as músicas – e os trechos poético-literarios – por afeto mesmo. Perguntei para algumas amigas próximas, que também veneram a Patti como eu, pedi sugestões. Peguei tudo o que eu mais gosto de todos as fases, e apenas uma música que eu odeio. Sempre faço isso em shows de versões. Acho que o maior desafio para entender um artista é quando cê tem que se colocar fazendo aquela música que você não gosta mesmo. Então, essa também está e eu jamais direi qual é.
No princípio era só um show de música. Mas a imagem dela ao vivo, a impressão que tive sobre a força das palavras, aliado ao fato de que ela me conquistou pela literatura, acabaram abrindo esse desejo de trazer isso junto ao espetáculo. E esse foi um dos motivos pelos quais eu não quis fazer o Horses inteiro. Porque eu compreendi que existe uma força ali, que é da poesia. São as palavras e os sentidos, a poesia. O rock’n’roll é a arma de comunicação, mas são as palavras que importam. Quando você estuda os arranjos, isso fica nítido. Eles não existem, eles certamente foram gravados em forma de jam session onde a banda acompanhava o sentido das palavras e frases em músicas de três acordes. E para fazer isso, com a mesma ambição eu precisaria ‘versionar’ para o português grande parte das músicas-poesias. E é algo diferente das músicas de poetas compositores como Cohen, ou Chico Buarque. O Horses é um disco de poesia falada. Quase que acidentalmente musical.
Essa é a tal da ambição que falei antes. Virou um pequeno desejo pretensioso guardado aqui para o futuro: chamar pessoas que eu considero gênias das palavras, gente como o Zé Miguel Wisnik, que tem um poder de uso das palavras e seus sentidos, e/ou Helio Flanders, meu pequeno poeta parceiro da minha geração, sentarmos juntos e fazer esse projeto em português. Quem sabe.
Eu até arrisquei sozinho a tradução de alguns poemas que nunca tiveram publicação no Brasil. E alguns trechos estarão no show. Mas mais como forma de trazer ao público alguma dimensão dos significados. Não estou pronto para assumir isso como ‘nossa, fiz uma versão’.

Como a Leandra entrou nessa história?
Leandra, Leandra! Bom, no processo de ensaios eu entendi que alcançar o que eu queria era algo mais ambicioso do que eu havia planejado. As músicas em si já exigem bastante preparação, não em termos de canto e técnica, mas de compreensão. A mente da Patti é complexa e cheia de sobreposições de ideias. São alusões infinitas a Rimbaud e Verlaine e Jimi Hendrix, de Jean Genet aos faroestes americanos e a Bíblia. Impossível cantar essas músicas sem mergulhar o mínimo que seja nesses “autores”. Fazer isso e ainda achar um espaço adequado paras leituras, seria demais. Por isso senti a necessidade de uma atriz.
Mas isso também representava outra dificuldade. Porque eu não queria uma encenação, tipo, a atriz interpreta a Patti Smith. Não é isso que acontece. As leituras são muito mais no sentido de um sarau beatnik do que de uma encenação teatral. E para isso, eu precisaria de alguém que fosse razoavelmente conhecida do público e fosse também conhecida por ter um trabalho e uma persona pública tão legitima, fiel a certos valores artísticos e enfim…. Como eu disse esses dias, eu precisava de uma atriz que tivesse poesia em si, como a pensa e enxerga a Patti e como eu sempre vi a Leandra. É uma mega honra ter a participação dela. Até porque atrizes assim, jovens, conhecidas do público e cheias de poesia, parecem ser uma espécie raríssima hoje em dia.

O show vira uma turnê?
Adoraria que virasse uma turnê. Adoraria que virasse um grande projeto ambiciosamente artístico como o que descrevi. Quem sabe? São possibilidades. Estou crescendo aos poucos com isso, uma hora ficará maduro o suficiente. The infinte Land is surrounded by a sea of possibilities.

40 anos do início da segunda fase do rock

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Horses, da Patti Smith, completa quatro décadas de importância como o disco que inaugura o punk rock – escrevi sobre ele lá no meu blog no UOL.

Vida Fodona #514: Vida Fodona Especial 20 anos do Trabalho Sujo

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“I’m going through changeees…”

Instituto + Sabotage + Nação Zumbi + Otto + Sombra – “Alto Zé do Pinho”
Jamie Xx – “Loud Places (Mike Simonetti Dark Places Remix)”
Hot Chip – “Dancing In The Dark”
Disclosure + Lorde – “Magnets (VIP Remix)”
Akase – “Under The Pressure”
NWA – “Fuck da Police”
Criolo – “Demorô”
Clarice Falcão – “Survivor”
Drake – “Hotline Bling”
Floating Points – “Peroration Six”
Deerhunter – “Ad Astra”
Gareth Liddiard – “Birdland”

Vem cá.

Um tributo ao vivo – e na Austrália – a Horses da Patti Smith

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Há um mês, a gravadora indie australiana Milk Recordings celebrou o quadragésimo aniversário de Horses, o mítico disco da Patti Smith que inaugura a segunda metade da história do rock, que começa com o punk. O foco do show, que aconteceu no Melbourne Town Hall em sessão dupla, era a nossa querida Courtney Barnett, principal estrela do selo, mas também enfileirou apresentações de outros nomes do catálogo deles, como Jen Cloher, Adalita e Gareth Liddiard, todos acompanhados da mesma banda, formada por Dan Luscombe na guitarra, Ben Bourke no baixo, Stevie Hesketh nos teclados e Jen Sholakis na bateria. A gravação do show finalmente apareceu em grande estilo online e vale cada minuto assistido – as apresentações de Adalina, os mais de dez minutos de Gareth Liddiard em “Birdland” ou Courtneyzinha mandando ver em “Break it Up” são especialmente tocantes:

Quem quiser assistir a algumas apresentações isoladas, elas vêm a seguir:


Gareth Liddiard – “Birdland”


Courtney Barnett – “Redondo Beach”


Adalita – “Free Money”


Jen Cloher – “Land”

Patti Smith lê Fernando Pessoa

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Patti Smith está vivendo um 2015 e tanto: além de excursionar com a íntegra de seu Horses que completa 40 anos, ela está prestes a lançar o livro M Train, que funciona como uma continuação para seu celebrado livro de memórias Só Garotos (que vai virar série). Ela passou por Portugal no final de setembro e, a convite da Casa Fernando Pessoa, visitou a biblioteca particular do autor e também recitou trechos em inglês do gigantesco poema Saudação a Walt Whitman, que Pessoa assinou como Álvaro de Campos.

Esses são os trechos lidos em inglês por Patti Smith em sua versão original:

“Sei que cantar-te assim não é cantar-te — mas que importa?
Sei que é cantar tudo, mas cantar tudo é cantar-te,
Sei que é cantar-me a mim — mas cantar-me a mim é cantar-te a ti
Sei que dizer que não posso cantar é cantar-te, Walt, ainda…

(…)

Para cantar-te
Para saudar-te
Era preciso escrever aquele poema supremo,
Onde, mais que em todos os outros poemas supremos,
Vivesse, numa síntese completa feita de uma análise sem esquecimentos,
Todo o Universo de coisas, de vidas e de almas,
Todo o Universo de homens, mulheres, crianças,
Todo o Universo de gestos, de actos, de emoções, de pensamentos,
Todo o Universo das coisas que a humanidade faz,
Das coisas que acontecem à humanidade —
Profissões, leis, regimentos, medicinas, o Destino,
Escrito a entrecruzamentos, a intersecções constantes
No papel dinâmico dos Acontecimentos,
No papirus rápido das combinações sociais,
No palimpsesto das emoções renovadas constantemente.

(…)

Para saudar-te
Para saudar-te como se deve saudar-te
Preciso tornar os meus versos corcel,
Preciso tornar os meus versos comboio,
Preciso tornar os meus versos seta,
Preciso tornar os versos pressa,
Preciso tornar os versos nas coisas do mundo
Tudo cantavas, e em ti cantava tudo —
Tolerância magnífica e prostituída
A das tuas sensações de pernas abertas
Para os detalhes e os contornos do sistema do universo.”

O vídeo foi divulgado no início da semana passada pela própria Casa Fernando Pessoa. E por que raios ninguém traz o show dessa mulher pro Brasil?

Courtney Barnett e a íntegra de Horses, da Patti Smith, ao vivo

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E por falar em Patti Smith, quem também resolveu aproveitar os quarenta anos da obra-prima que inaugurou o punk como o conhecemos foi o Melbourne Festival, que reuniu um supergrupo de músicos australianos para tocar a íntegra do disco de estréia da senhora Smith ao vivo. A querida Courtney Barnett encabeça um quarteto que ainda conta com a cantora Jen Cloher, Adalita do Magic Dirty e o vocalista dos Drones Gareth Liddiard. O show acontece no próximo dia 18 e a procura foi tanta que eles abriram uma nova sessão, mais cedo, para quem quiser garantir o evento. Os ingressos estão à venda no site do festival, se alguém estiver por aquelas bandas nessa época.

O seriado da Patti Smith

Só Garotos, o livro de memórias da papisa do punk nova-iorquino Patti Smith, vai ser adaptado para a televisão. Falei disso lá no meu blog no UOL.

Patti Smith vai tocar Horses ao vivo na íntegra quando o disco fizer 40 anos

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Mais um daqueles shows que prometem: Patti Smith já avisou que, no ano que vem, fará alguns shows tocando seu primeiro disco Horses na íntegra. Lançado em 1975 Horses pode ser considerado o marco zero da era punk, pois foi o primeiro registro de uma cena barulhenta que começou a se apresentar num muquifo nova-iorquino chamado CBGB’s e que deu ao mundo bandas como Talking Heads, Television, Ramones e Blondie, entre outras – gente que foi influenciar, na Inglaterra, o nascimento de bandas como Sex Pistols, Clash, Buzzcocks e outras tantas.

Patti contou a notícia à Rolling Stone, quando lembrou que o disco havia sido programado para ser lançado no dia 20 de outubro de 1975, data que marcaria o 121º aniversário do poeta francês Arthur Rimbaud, um dos ídolos de Patti, ao lado de Jim Morrison e Lou Reed. “Algo aconteceu por causa da crise do petróleo – eles não tinham vinil suficiente – e o disco teve de ser adiado e eu fiquei bem chateada. Até que o (fundador da gravadora Arista) me disse que ‘era uma pena, o disco só poderia sair no dia 10 de novembro, não há nada que possamos fazer.’ E então eu ri e disse: ‘bem, esse é o aniversário da morte de Rimbaud’. Ainda era mágico”, disse a cantora e compositora ao site da revista.

Mais do que importante, Horses é um disco perfeito: tem o despojo do punk sem abrir mão de uma musicalidade clássica e Patti realmente encarna esse híbrido de Rimbaud e Jim Morrison andrógino que era a cara do rock nos anos 70, perdido entre o glam e o início do punk, ciente de sua rebeldia e de sua decadência. É o passaporte dela para entrar na história – e não apenas na do rock. E se você ainda não ouviu…

Vida Fodona #443: Mais uma mutação

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Demorei mas tô aqui.

Chocolate da Bahia – “Ele Güenta”
Nação Zumbi – “Defeito Perfeito”
War on Drugs – “Under the Pressure”
Spoon – “Outlier”
Pillow Talk – “The Real Thing”
Ratatat – “Crips”
Roxy Music – “Avalon (Lindstrøm & Prins Thomas Version)”
Stee Downes – “Asunder”
Patti Smith – “Everybody Wants To Rule The World”
Isley Brothers – “Love The One You’re With”
Say Lou Lou – “Instant Crush”
Banda do Mar – “Muitos Chocolates”
Silver Jews – “People”

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Clássico é clássico: Neil Young + Patti Smith

Duas lendas vivas da história do rock, Neil Young e Patti Smith recém enveredaram pelas páginas de papel, aproveitando o estrelato para contar suas próprias memórias e na Book Expo America deste ano a poetisa foi chamada para conversar com o velho cacique do folk canadense, num encontro memorável, abaixo:

Só a parte em que ela arranca de Neil que ele voltou a tocar com o Crazy Horse porque sentiu saudade da banda ao escrever o livro já vale a entrevista toda.