Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.
O grupo indie norte-americano Grandaddy libera mais uma faixa da versão de quarentena de seu The Sophtware Slump, que completa 20 anos em 2020. The Sophtware Slump…..on a Wooden Piano faz parte de uma edição comemorativa do disco, que ainda inclui demos, sobras de estúdio e dois EPs que nunca saíram em vinil, além do disco original remasterizado, que sai em novembro (e já está em pré-venda). E depois de mostrarem “Jed’s Other Poem (Beautiful Ground)”, agora é a vez do hit “The Crystal Lake” ser reinventado por Jason Lytle nesta versão solitária.
De chorar.
Um ano que é quase uma década…
Arlo Parks – “My Future”
Thundercat – “Innerstellar Love”
Grandaddy – “The Crystal Lake (Piano Version)”
Thiago França – “Dentro da Pedra”
Josyara + Giovani Cidreira – “Estreite”
Fleet Foxes + Tim Bernardes – “Going-to-the-Sun Road”
Leveze + Fernando Dotta – “Voraz”
Cut Copy – “Like Breaking Glass”
Jessie Ware – “Ooh La La”
Dua Lipa – “Break My Heart”
Letrux + Lovefoxxx – “Fora da Foda”
Caribou – “You and I”
Bob Dylan – “False Prophet”
Pelados – “Entalhado na Carteira”
Boogarins – “Espera Fala de Novo”
Tame Impala – “Borderline (Blood Orange Remix)”
Angel Olsen – “Lark Song”
O produtor Dev Hynes, a identidade secreta do jedi do R&B Blood Orange, usa o remix como desculpa para recriar “Borderline” do Tame Impala do zero, dispensando a instrumentação original e injetando doses de soul, jazz e folk na mesma medida, reduzindo ainda mais o tempo da música, transformando-o numa viagem groovedélica de sete minutos.
Que sonzeira…
Grata surpresa o primeiro disco que Zé Lanfranchi está lançando com seu nome solo, Leveze. Aclimação12-20 nada nas águas do chillwave, a eletrônica sossegada que fundou uma nova geração de compositores há pouco mais que uma década ressoa com o clima melancólico e solitário de 2020, depois que ele passou pelas bandas Cabana Café e Parati. “O nome do álbum é exatamente a relação reconectar o presente com esse período em que o disco foi composto, aclimatar 2012-2020”, me explica por email, “a palavra Aclimação também tem a imagem de ponte pra mim, de conectar estados, sentimentos, e esse álbum tem isso, é um mergulho interior em um outro estado. Além disso, Aclimação, também é especial pra mim porque é o bairro que morei durante parte desse período.”
Além do chillwave Zé reforça a importância da bossa nova para o disco. “”As composições nasceram no violão e guitarra, o que dá uma raiz organica, com harmonias mais MPB, mas a finalização tem estética totalmente indie, uma mistura de João Gilberto, com Tycho, Com Truise, Sigur Rós e DJ Shadow, que foram sons que me influenciaram nessa época.” Ele também fez uma playlist no Spotify com estas referências musicais.
“Leveze são minhas produções solo, sempre compus em casa e algumas músicas ganham uma roupagem por aqui mesmo, com linguagem mais eletrônica, que é um artifício importante para essa forma de produção, sem necessidade de banda para arranjo ou coisa do tipo”, ele continua. As canções nunca ganharam roupagem de banda e mesmo ao vivo, Zé só se apresentou com esse nome discotecando, nunca mostrando suas próprias músicas. Mas por mais que seja um trabalho solo e solitário, o primeiro disco traz algumas participações, todas nos vocais: o rapper francês Romain Desouche, o líder do grupo Single Parents e da gravadora Balaclava Fernando Dotta, o guitarrista dos Soundscapes Rodrigo Carvalho e Rita Oliva, a Papisa, com quem Zé dividiu as duas bandas que teve anteriormente. “O álbum nasceu instrumental e já nas primeiras audições algumas canções se mostraram com espaço para voz”, prossegue. “Então chamei vozes que refletissem essa energia que buscava no disco e pudessem somar nessa história com letra e canto.”
“Aclimação12-20 é um reencontro com parte de minha essência musical, uma ponte entre 2012 e hoje 2020. 2012 foi quando nasceram as primeiras composições. Algumas outras compostas nessa época, eu e a Rita Oliva mexemos um poucos e a transformamos em duas músicas do Parati, ‘Suor’ e ‘Kristal’. ‘Voraz’, “Secrets Over Cigarettes’ e ‘Valse a Vide’ vieram na sequência mas a produção final, em especial os vocais, só tomaram forma em 2015/16 junto com ‘Zenite’. O empurrão que faltava era o nome do projeto e Leveze apareceu pra mim justamente agora em 2020, numa prática de relaxamento na pandemia.”
Sem previsão de shows, Zé cogita a possibilidade de mostrar o disco ao vivo com outros músicos. “Imagino fazer mais live sets com esse projeto e um formato com músicos pra esse disco é uma ideia que sempre tive e até já rolaram ensaios no passado. Então, quando isso for possível, seria legal uma tour com banda para Aclimação12-20”, conclui.
A rapper brasiliense Flora Matos chega de mansinho e mostra a deliciosa balada “I Love You”, que ela compôs na guitarra sobre beats com sabor baiana, que parece dar o tom do sucessor do ótimo Eletrocardiograma.
https://youtu.be/R1ea61pLQQ0
Que belezinha…
Há poucas semanas, ouvimos Phoebe Bridgers cantando “Fake Plastic Trees” do Radiohead no Live Lounge da BBC 1 acompanhada ao piano de uma artista inglesa novata chamada Arlo Parks. Agora é a vez de Parks mostrar que, além de tocar piano, tem uma voz de arrepiar – e ao escolher a novíssima “My Future” da Billie Eilish e dar um tratamento soul acompanhada apenas de uma guitarra, ela traz a música para o chão, trazendo um calor ímpar, que a canção original parecia se esquivar. Olha que delícia…
Tudo bem que Robin Pecknold já tinha comentado há alguns anos que lançaria o quarto disco de sua banda em breve, mas em se tratando dos Fleet Foxes, ver um disco ficando pronto três anos após o lançamento do disco anterior, o belo, triste e introspectivo Crack-Up, de 2017, provoca um susto considerável – ainda mais se levarmos em conta que ele levou apenas um ano para ser gravado e foi lançado sem anúncios anteriores no mesmo mês em que encerraram os trabalhos. E Shore é de tirar o fôlego: um panteão de canções maravilhosas e solares, ao contrário do clima pastoril e campestre dos álbuns anteriores.
Gravado entre os EUA e a França desde setembro de 2018, o disco foi finalizado em Nova York, para onde Pecknold se refugiou logo que soube do avanço da pandemia, cogitando que a cidade poderia passar pelo pico de infecção mais rápido que o resto do país por ter sido o primeiro grande foco da pandemia nos EUA. E atravessar esse período na metrópole vazia mexeu com a cabeça do cantor e compositor a ponto de ele talhar versos, melodias e refrães que busquem a luz, expansivos e esperançosos. O arranjo e produção, delicados e detalhistas sem nunca cair em barroquismos ocos ou desnecessário. Ele publicou um longo texto sobre o disco, destaco um trecho:
“Eu não queria fazer outra longa pausa na música; realmente queria trabalhar e me sentir útil, mas precisava encontrar uma maneira nova e brilhante de fazer músicas se quisesse ir direto para algo grande e ambicioso de novo. Eu me peguei ouvindo mais Arthur Russell, Curtis Mayfield, Nina Simone, Michael Nau, Van Morrison, Sam Cooke, TheRoches, João Gilberto, Piero Piccioni, Tim Bernardes, Tim Maia, Jai Paul e Emahoy Tsegué-MaryamGuèbrou – música que ao mesmo tempo é complexa e elementar, “sofisticada” e humana, propulsionada ritmicamente, mas melodicamente suave.
Eu fazia playlists de centenas de músicas calorosas para mergulhar e fazia disso um rito o máximo que pudesse todos os dias, mantendo apenas as melhores peças que surgissem de onde quer que venham as melodias e as idéias musicais. Depois de todos esses anos, ainda não sei direito, e é isso que o mantém tão interessante.
Queria fazer um álbum que celebrasse a vida diante da morte, homenageando nossos heróis musicais perdidos explicitamente nas letras e levando-os comigo musicalmente, comprometendo-se a viver plena e de forma vibrante de uma forma que não podem mais, de uma forma que talvez não pudessem mesmo quando estavam conosco, apesar da alegria que trouxeram a tantos.
Queria fazer um álbum que fosse um alívio, como os dedos dos pés finalmente tocando a areia depois de serem pegos por uma correnteza. Queria que o álbum existisse em um espaço liminar fora do tempo, habitando tanto o futuro quanto o passado, acessando algo espiritual ou pessoal que é intocável por qualquer que seja o estado do mundo em um determinado momento, qualquer que seja nossa estação. Eu vejo Shore como um lugar seguro à beira de algo incerto, olhando para as ondas de Whitman recitando “morte”, tentado pela aventura do desconhecido ao mesmo tempo em que você está saboreando o conforto do solo estável abaixo de você. Essa foi a mentalidade que encontrei, o combustível que encontrei, para fazer este álbum.”
Lançado na virada da estação, Shore é um raio de luz em um ano trevoso, o alívio musical que nem sabíamos que poderíamos ter, misturando passarinhos com sons de chuva, rio e avião passando à distância. E quando o Tim Bernardes canta em português em “Going-to-the-Sun Road”, tornando-se o único outro vocalista da história da banda, isso ganha uma outra profundidade, ainda mais pelo que ele canta (ganhando um elogiaço de Robin: “Obrigado por cantar em português de forma tão bonita na canção ‘Going-to-the-Sun Road’. Sou seu grande admirador e espero que possamos vir a colaborar mais no futuro. É uma honra!”). Faz mais sentido ouvir a participação no contexto inteiro do disco, mas pra quem quiser ir direto ao ponto…
Que disco!
Quando Nossa Senhora da Música fala, nós escutamos:
“Plantas são a face sutil do divino, criaturas que conversam entre si e também conosco. (…) Animais são a face selvagem do divino, criaturas puras e inocentes”.
Assim Rita Lee finalmente dá uma entrevista depois de muito tempo – após dar as caras online algumas vezes durante a quarentena – em um ótimo papo com a Isabella D’Ercole, na revista Claudia, em que reforça sua integração com a natureza e a parceria decana com o marido Roberto de Carvalho, fala do “prazer em desacatar autoridades” e da péssima fase do Brasil e do mundo hoje, além de anunciar que tem material para gravar três discos com inéditas, sem descartar voltar aos estúdios. E ao ser perguntada sobre sua definição de luxo, arremata: “Uma extravagância de gente velha: tirar uma soneca toda tarde”. Como discordar? Confere a entrevista inteira no site da revista.
Morreu nesta quarta-feira um dos responsáveis por trazer o funk norte-americano para a música brasileira. Mais conhecido por ser irmão de Getúlio Côrtes, compositor da Jovem Guarda e que transitava pelas rádios e gravadoras da época, Gerson King Combo começou a carreira como coreógrafo da própria Jovem Guarda, por influência do irmão, mas logo iria para a música, liderar um dos principais grupos de baile do Rio de Janeiro nos anos 60, a banda Fórmula 7, que contava com cobras como o guitarrista Hélio Delmiro, o baixista Luizão Maia e o trompetista Márcio Montarroyos. Nesta época conheceu Wilson SImonal e passou a fazer parte da sua turma, acompanhando-o inclusive em turnê pelos EUA ao lado do grupo Som Três, onde adotou o pseudônimo que o tornaria mais conhecido em poucos anos. E à medida em que os anos 70 foram passando, Gerson se estabeleceu no núcleo dos bailes de periferia do Rio de Janeiro, que começavam a tocar música negra norte-americana cada vez mais pesada. Esteve na primeira formação da Banda Black Rio, mas despontou para o sucesso ao gravar o primeiro disco, batizado com o próprio nome, em 1977, acompanhado pela banda União Black. No ano seguinte, repetiu o sucesso com o disco Volume II, tornando-se conhecido como uma versão brasileira do James Brown, pelos gritos, rebolados e danças que fazia no palco. Mas caiu no esquecimento nos anos 80, até que foi redescoberto no fim do século passado e aos poucos fez as pazes com a música. Morreu vítima de diabetes.
Dos grandes nomes do jornalismo cultural deste século, o pernambucano GG Albuquerque sempre misturou crítica musical, reportagem e edição, aos poucos afunilando sua produção ao redor da cultura periférica, primeiro de sua cidade-natal, e depois para o resto do Brasil. Dono dos blogs O Volume Morto e do podcast Embrazado, ele está prestes a dar um importante passo em sua carreira, ao liderar um portal de notícias batizado a partir de seu podcast, que, por sua vez já foi uma festa. E na semana em que ele sobe um degrau considerável em sua biografia, o chamo para conversar sobre música, jornalismo, vanguarda e o Brasil em 2020.