Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

Dario Argento é comumente associado à grande cinematografia e à cúpula do cinema de horror, ganhando adjetivos suntuosos como “o Hitchcock gore”, “Walt Disney ao contrário” ou “o Visconti da violência”. Mas seu perfeccionismo obsessivo e insistência na originalidade artística foram muito além do cinema. E fora da sétima arte, um de seus grandes feitos foi ter transformado uma banda italiana que imitava grupos de progressivo inglês numa versão jazz-funk de um grupo formado por integrantes do Pink Floyd (Gilmour e Wright) e do Black Sabbath (Butler e Ward) instrumental e proto-eletrônico que faria as trilhas sonoras de seus principais filmes.
O Goblin era uma espécie de supergrupo do prog italiano, uma cena que, como boa parte dos progressivos europeus continentais, se limitava a copiar o que o Genesis, o Yes e o Emerson, Lake and Palmer faziam. Formado por integrantes de bandas de nomes como Rivelazione, Ritratto di Dorian Gray, Etna e Era di Acquario, o quinteto seguia a formação clássica das bandas do gênero: Tony Tartarini nos vocais, Claudio Simonetti nos teclados, Massimo Morante nas guitarras, Fabio Pignatelli no baixo e Walter Martino na batera. Se apresentavam como Cherry Five e, depois de serem contratados pela gravadora Cinevox, foram apresentados a Argento, que procurava um artista para compor a trilha de seu novo filme.
Argento começou bem no cinema, graças à influência do pai, o produtor Salvatore Argento, que colocou o filho no ramo com o cargo de roteirista. Esperto e com cinema tatuado no DNA, Dario logo conseguia destacar-se no negócio, especialmente quando colocou o ponto final no roteiro de C’era Una Volta Il West (Era uma Vez no Oeste), de Sergio Leone, em 1968. O feito lhe deu a oportunidade de crescer na carreira e no ano seguinte, lançava-se na direção, filmando os três primeiros marcos do thriller italiano: L’Uccello dalle Piume di Cristallo (O Pássaro das Penas de Cristal, de 1969), em que a testemunha acidental de um homicídio ocorrido numa galeria de arte moderninha o transforma em alvo do assassino, e Il Gatto a Nove Code (O Gato de Nove Caudas, de 1970), onde um assassino com um cronossomo a mais é procurado em um hospital, e Quattro Mosche di Velluto Grigio (Quatro Moscas de Veludo Verde, de 1971), em que um baterista de uma banda de rock é perseguido por um psicopata de terno preto. Considerada sua “trilogia animal”, estes três filmes estabelecem o nome de Dario Argento como um dos mais importantes do novo cinema italiano. Além de estabelecer um gênero novo (o suspense) e aclimatado para o público de seu país (embora suas histórias passem em outros países), Argento se mostra um diretor rebuscado, esteta, perfeccionista. Planos e cortes de cena sugerem que o diretor assistiu muito Hitchcock em seus anos de formação, e a tensão psicológica é seu principal vínculo com o espectador. A trilha sonora dos três filmes ficou a cargo do lendário Ennio Morricone, dando o ar clássico e formal que os filmes pediam.
Estabelecido, Argento queria mudar. Inspirado pelo tipo de gênero que desenvolvia no cinema, resolve ir além. Se dispõe a entrar num universo há muito infiltrado na cultura italiana, onde sexo, violência e o sobrenatural convivem naturalmente com o dia-a-dia das pessoas, mesmo que de forma velada e mascarada. Procurando o sentido da sanidade nos porões da psiquê humana, o gênero “giallo” (amarelo, em italiano) reunia elementos de horror, suspense, policial e conspiração política. Ele entra no imaginário do país graças à editora Mondadori, de Milão, inspirada pelos pulps norte-americanos, decide publicar uma série de livros baratos com histórias que misturavam acontecimentos extraordinários – quase sempre violentos e brutais – acontecidos com pessoas comuns. Não havia nome para a coleção – ela era reconhecida graças às capas amarelas dos livros.
Logo, “giallo” significava todo o gênero que prendesse a atenção popular graças a choques de possibilidades improváveis descritas com requintes de crueldade. A razão da popularidade do “giallo” era o aspecto rotineiro das histórias – não haviam monstros do horror (como vampiros ou lobisomens) nem detetives intrépidos (e sim policiais que tremiam frente ao perigo). Logo, ele se tornou uma referência popular italiana e foi tratado como um gênero em si mesmo, criando autores de renome internacional – como Leonardo Sciascia e Umberto Eco -, que partiam da rotina italiana para os extremos da imaginação.
Mas por mais que tente-se definir “giallo” como um gênero, ele não é descrito por parâmetros claros. É como “brega”, “pop” ou “world music” – adjetivos flexíveis para determinar estados de espíritos que mudam com o tempo. Ele varia de acordo com a demanda popular, com o espírito coletivo da época, com as ansiedades e expectativas da população leitora, podendo tornar-se meramente policial ou político até chegar aos limites da violência
E era lá que Argento queria ir. Enquanto foi desenvolvendo sua cinematografia, percebeu o efeito que as cores fortes provocavam nos espectadores de filmes, e queria ir lá. Para isto, deixaria de lado a sugestão e o suspense de seus primeiros filmes e se entregaria ao horror explícito. Quanto mais gráficas as mortes, mais saturadas as cores. E aproveitando-se de ter ganho a consciência do espectador através de um tratamento de choque de cromoterapia aplicada diretamente aos olhos, forçava o vínculo inicial – o terror psicológico – ao abismo da sanidade. E em 1973, fez dois filmes-laboratório antes de aplicar suas novas teorias à película: La Cinque Giornate (Cinco Dias em Milão, uma sátira sobre a agitação política em 1848) e La Bambola (A Boneca, sobre a caçada a um serial killer). Ambos filmes tiveram sua trilha escrita pelo compositor Giogio Gaslini, que emulava em termos o trabalho que Morricone havia feito nos três primeiros filmes de Argento, com um pé no jazz.
Mas quando começou a filmer Profondo Rosso (Vermelho Profundo), em 1974, a trilha de Gaslini realmente comprometia o resultado final. Tentando acompanhar o raciocínio do diretor, ele radicalizou o aspecto de sua música que mais tinha de talentoso – a referência jazzística – para a trilha do novo filme. Mas enquanto as imagens evocavam força e intensidade, a trilha de Gaslini se limitava a propor harmônicas ou tônicas descendentes. Dario não queria jazz e explicou-se a seu compositor. Usaria a trilha escrita pelo autor, mas com outro tipo de interpretação.
O filme começa como um suspense tradicional de Argento, que aos poucos vai assumindo novas cores – especialmente o vermelho, claro. Saturando o Technicolor, ele consegue um efeito surreal sobre as cenas de violência, as mais gráficas da história do cinema, até então. Disposto a fazer o espectador sentir dor através da indução visual, ele entrega suas vítimas ao sofrimento corriqueiro, sempre levado ao extremo. Por isso, nada de armas de fogo, aparelhos de tortura ou líquidos corrosivos. Argento prefere incitar a dor através de situações comuns ao público médio. Por isso, uma faca é usada mais para dilacerar do que para esfaquear; por isso cabeças batem em quinas de mesa; vidros quebrados retalham pessoas; água fervente é usada como arma. Usando o mesmo David Hemmings que Michelangelo Antonioni usou em Blow Up (1966) como protagonista, Argento espera que o espectador esteja preparado para o mesmo tipo de imersão cinematográfica do clássico filme sobre a Swinging London. Só que em vez de entrarmos na mente egoísta de um fotógrafo sórdido, estamos entrando num universo de dor e horror.
Estes dois elementos ganham pequenas óperas visuais no decorrer do filme. Sempre que o roteiro original pede um determinado fôlego, o diretor obriga o público a ser apresentado a outra forma de narrativa. Menos polida e mais agressiva, ela é filmada com muita intensidade e distorção de imagem e cores, ganhando contornos de pesadelo psicodélico, a pior bad trip da história.
É aí que entra o Goblin. Ou melhor, o Cherry Five, como ainda era conhecido na época. Trabalhando sobre as melodias compostas por Gaslini, eles repetem a troca de ambiente proposta pelas cenas de horror. Começa uma das parcerias mais sólidas da história do cinema. Disposto a aterrorizar a audiência musicalmente, o Cherry Five se entrega a jam sessions de funk psicodélico pesado, com influências como Jimi Hendrix, Black Sabbath, Blue Cheer e o Bitches’ Brew de Miles Davis escancaradas. Casando esporros elétricos com cenas cheias de sangue e sofrimento, Dario Argento e antiga banda progressiva conseguem efeitos audiovisuais que inspirariam várias gerações de cineastas e músicos.
O grupo assina a trilha de Profondo Rosso como Giorgio Gaslini & The Goblins e o disco segue o enorme sucesso de público que o filme, lançado em 1975, transformando o grupo em um nome popular no pop italiano – algo que os integrantes do Cherry Five sequer imaginavam. Aproveitando o que achavam ser seu único momento de fama, Martino e Tartarini deixam o grupo pouco antes do embarque para a primeira turnê italiana depois do disco. Os dois formariam o conjunto Libra e a banda, agora rebatizada apenas Goblin, recruta Agostino Marangolo para a bateria – que, experimentando e muito com ritmo e percussão, permite que o grupo atinja novas fronteiras musicais. É com esta formação que gravam o disco Goblin, em que estabelecem o método experimental usado nas gravações como novo som do grupo. Lançado em 1975, Goblin, o disco, não fez o mesmo sucesso de Profondo Rosso e a banda, frustrada, quase acabou. (Vale checar a atordoante viagem sci-fi funk “Snip Snap”, conduzida com dois tecladões elétricos).
Argento de novo entra na história e força a banda a trabalhar juntos novamente, desta vez compondo a trilha para seu novo filme, Suspiria, antes mesmo de qualquer tomada ser realizada. Suspira começa como uma tentativa de adaptação de um ensaio de Thomas DeQuincey sobre “As Três Mães” – bruxaria pesada. Mas logo a adaptação se transforma num conto de fadas moderno, que assiste à dançarina Suzy Banyon descer às profundezas mais assustadoras de sua existência, quando deixa os Estados Unidos para estudar numa assustadora academia de dança na Alemanha. Para encurtar a história, a academia é um covil de bruxas e sua diretora – Elaina Marcos, a própria Mater Suspirion.
O segredo do filme é que a saturação do Technicolor – amarelo, azul e vermelho – é constantemente forçada, sem a separação de “vida real” que Profondo Rosso fazia, comparando as cenas mais leves com as mais violentas. Em todo o filme, o vermelho, em especial, é vermelho demais, artificial demais, e ele está em todo o lugar: tapetes, cortinas, paredes, vinhos, tijolos, esmaltes e, claro, sangue. Aliado à atmosfera germânica caricata da academica de dança, o vermelho nos joga no meio de um conto de fadas teutônico, cheio de personagens bizarros, mulheres sombrias e até um criado corcunda.
Com a trilha de Suspiria, o Goblin faz seu melhor disco. O jazz-funk psicodélico ganha mais nuances e sai do formato rítmico tradicional para explorar novos ares. Assim, a faixa título pode remeter a “One of These Days” do Pink Floyd, mas a melodia infantil que inicia a faixa e os murmúrios e gritos abafados (“Witch!”, quase infantis), a levam para o sobrenatural. E assim segue o disco: um pé no experimentalismo assustador, outro no rock pesado e improvisado. “Witch”, a segunda faixa, remete a uma “Carmina Burana” ainda mais mundana e hostil, com gritos de pavor em vez do coral lúgubre. “Sighs” mescla ecos desencarnados, gritos inumanos e um violão repetitivo, verdadeiro mantra do inferno.
O lado B do disco pega mais leve. A base eletrônica de “Markos” permite o grupo entrar em uma espécie de bebop eletrônico sem música, com uma percussão espacial que remete à Arkestra de Sun Ra. “Black Forest” e “Blind Concert” seguem prerrogativas tradicionais do jazz funk, a primeira mais contemplativa e a segunda mais ágil, criada em torno de uma base de piano fantasma, que surge ocasionalmente pelo andar da faixa. A inocente “Death Valzer”, uma valsa tocada apenas ao piano, entre o boogie-woogie e a melancolia é o clássico banho de água fria que compositores de terror jogam no espectador ao final do filme.
A trilha, como o filme, foi outro grande sucesso e selou a carreira da banda ao lado do diretor, que ainda colocaria música em vários clássicos de Argento, como Inferno (1978), Zombi (1978), Tenebrae (1982) e Phenomena (1984). A banda acabou em 1985, e seus integrantes seguiram em erráticas carreiras solo (apenas Simonetti se estabeleceu como compositor de trilhas sonoras). Mas o status cult de Dario Argento e a febre de horror que tomou o mundo pop no final dos anos 80 e começo dos anos 90, reestabeleceram o Goblin como uma das bandas mais assustadoras a fazer música para cinema. Do lado de Suspiria, apenas os Tubular Bells de Mike Oldfield (a trilha sonora de O Exorcista), o Exorcista II (de Ennio Morricone) e os “ch-ch-ch… ah-ah-ah…” de Sexta-Feira 13, conseguem meter tanto medo.
E essa é com a Viviane Menezes, a primeira blogueira do Brasil. Cadê ela hein?
***
Entrevista publicada em 14 de agosto de 2002
Viviane Menezes, do White Noise, é – mesmo – a pioneira em weblog no país
“Até agora não achei um weblog brasileiro anterior a ele, mas não tenho como confirmar se foi mesmo o primeiro”, assim Renato Pedroso Jr., o Nemo Nox, explicava o título de blogueiro mais antigo do Brasil, em entrevista a este site, no começo do mês. Assim que a entrevista foi ao ar, mensagens via ICQ e alguns emails vieram perguntar sobre uma menina gaúcha. “E a Vi?”. Fui atrás dela.
E que surpresa descobrir que a Vi é Viviane Menezes, uma gaúcha de 23 anos que bloga desde fevereiro de 1998, exatamente um mês antes do Nemo Nox começar seu Diário da Megalópole. Vi, que posta diariamente em seu White Noise (versão Outono/Inverno) pode ser considerada ainda mais veterana que Renato, pois começou a escrever seus diários online em 96, mas sem o formato de blog. Em seus tenros 17 anos, ela escrevia o que, na época era conhecido por “journal” (diário, em inglês), com uma página em HTML para cada dia passado. Sem querer desmerecer o pioneirismo de Renato nem seu trabalho, é muito mais legal para o país ter uma blogueira típica – uma menina escrevendo sobre a sua própria vida – do que um jornalista sério falando dos problemas do mundo ocupando tal posto. Sabe como é: blog, acima de tudo, é comportamento…
Mas Vi (olha o cara, já tá íntimo…) está longe de ser uma blogueira típica. Ela não gosta do oba-oba que a comunidade online criou assim que o Blogger se tornou uma realidade. O formato para ela é mais terapêutico que social: “Pra maioria das pessoas, é um jeito de conhecer pessoas, fazer novas amizades. Ou um meio de falar dos assuntos que gosta e ser ouvido. Eu já passei dessa fase”.
Cursando letras na UFRGS e direito na PUC-RS, ela é apaixonada por idiomas (fala inglês, italiano e começou a fazer russo), mas o que a levou a estudar japonês foi a paixão pela cultura pop japonesa. Otaku assumida, ela tirou seu nick (LilKitsune) da personagem Kitsune, de seu mangá favorito, Love Hina. O “Lil” é uma abreviatura do “little”, em inglês, “porque sou pequena”. Além do blog, ela ajuda uma amiga a organizar a versão sulista do AnimeCon, encontro nacional de fãs de animes e mangás, que aconteceu em julho em São Paulo. Segue a entrevista, feita em duas etapas.
PLAY – Fale sobre os seus primeiros dias na internet…
Viviane Menezes – Meus primeiros dias foram em fins de 1994, com meu primeiro computador e BBS… Mal estavam começando a surgir provedores de internet, os sites ainda engatinhavam, não havia todas essas frescuras de CSS, scripts mil, etc…:) Eu navegava via Lynx, acessava BBS, olhava meus emails, falava com alguns amigos que foram pra longe. E em 96, quando tropecei nalguns diários na internet, descobri que tinha toda uma comunidade em volta disso lá fora. Foi como achei uma boa maneira de manter os amigos de longe atualizados.
PLAY – Como funcionava? Quais eram os provedores?
Vi – Eu usava a Renpac, da Embratel, e por ali acessava por via discada a conta de email e Telnet de um primo na UFRGS. Pagava uma fortuna por esse serviço. De provedores aqui no Sul tavam surgindo a Plugin, mas não lembro quais outros… Isso foi em 94. Em 96 já tinha o Zaz, a Mandic BBS já tava crescendo.
PLAY – Quantos anos você tinha quando começou os diários?
Vi – 17,18.
PLAY – E como eram estes primeiros diários? Haviam links?
Vi – Eles não existem mais online. Tenho cópias de alguns em disquetes e CDs. Era diários mesmo, tudo que se fala em um diário de papel. Links apareciam de vez em quando, para outros companheiros “journallers”, como o pessoal se chamava lá fora. A diferença é que era tudo feito manualmente, geralmente um texto longo por dia, com links para o dia anterior, o seguinte, os arquivos e outros journals…
PLAY – Você escreve em diário desde pequena?
Vi – Dá pra dizer que sim. Desde os 12, 13 anos.
PLAY – E mudou muito o teor do que você escrevia, de lá pra cá?
Vi – É sim, bem diferente do que eu escrevia aos 13 anos porque naquela época eu não tinha grandes preocupações na vida, como a maioria das crianças normais (ri).
PLAY – Por que você escreve diário? É instintivo?
Vi – Sempre tem um propósito, eu sei os motivos. É raro ser instintivo porque eu rumino muito as idéias antes de pôr pra fora. Eu escrevo quando não aguento mais pensar no assunto. Só escrevo por impulso quando tou com TPM, mesmo. Como ontem.
PLAY – Como você vê seus textos atuais? Qual é a função do seu blog?
Vi – Eu não tenho um estilo, um tipo de texto definido. A função do meu site é, ainda, principalmente, falar com os amigos que estão espalhados por aê pelo mundo, e um lugar pra descarregar as coisas que incomodam, as pequenas futilidades que me alegram, que podem não valer nada pra ninguém, mas que pra mim tem muita importância na definição de que tipo de pessoa eu penso que sou.
PLAY – Blog é terapia?
Vi – Dizer que é terapia é uma generalização que não dá pra fazer. Cada um tem um blog por uma razão diferente e acho que pra muitos não são terapia. O meu weblog é uma terapia, sim. Escrever me ajuda a pensar com mais clareza nas coisas que eu sinto. Reler os arquivos meses depois me ajuda a ver muita coisa que mudou e que eu não tinha me dado conta. Consigo ver o que mudei pra melhor, no que eu piorei com o tempo. Pra maioria das pessoas, eu acho, é um jeito de conhecer pessoas, fazer novas amizades, não exatamente terapia. Ou um meio de falar dos assuntos que gosta e ser ouvido. Eu já passei dessa fase.
Pra mim, se alguém lê ou não, não importa. Tanto que fico tempos sem escrever e não me preocupo se tou perdendo audiência. Escrevo quando preciso ou quando quero dividir algo com meus amigos que não posso ter perto.
PLAY – E como você viu a febre dos blogs crescer?
Vi – Bom, eu comecei fazendo em inglês, como uma seção de menor importância dentro de um diário que eu tinha. Era onde eu escrevia quando queria ser breve, mas tinhas algo a dizer. De repente, no final de 1999, encontrei um, dois, três brasileiros. E resolvi fazer em português. Era início de 2000 e em poucos meses surgiram vários. No início era fácil acompanhar todos que tinha, em menos de seis meses, ficou impossível!! Virou moda, uma que todo mundo devia aderir, pra fazer amizades, expressar sua opinião, etc. Agora estamos no segundo estágio, weblogs como uma ferramenta poderosa de mídia, jornalismo, etc. Fico imaginando qual será a próxima fase de teorias… (rindo)
PLAY – Você lembra dos primeiros blogs? Vocês se conheciam (ao menos virtualmente)?
Vi – Eu lembro que o primeiro que descobri foi o Marcus Amorim (do Zamorin), e acho que foi ele que me achou por uma reportagem da revista Webguide e outra da revista Internet.br. Através dele que encontrei outros links, do site dele. Era o Boimamu, a Cortina, a Telescópica do Jean Boechat… Eu acompanhava, mas não interagia com eles não. Só bem depois vim a conhecer alguns virtualmente… (ri) Hoje em dia não tenho muito saco pra isso, não mantenho muito contato com outros webloggers.
PLAY – Os pioneiros se sentiam parte de um clube recém-fundado?
Vi – Eu nunca me senti parte de um clube, até porque já fazia isso há tanto tempo, escrever online, que pra mim não era novidade. Mas pra muitos acho que foi legal essa explosão, ter mais gente, mais diversidade. Pra outros não foi muito legal, pois também surgiu muita gente que só queria saber de linkar e ser linkado. Mas isso é uma sensação que eu tive, acompanhando listas de discussão. Não posso falar da reação de ninguém específico.
PLAY – Por que você não tem mais contato? Encheu o saco?
Vi – Enchi um pouco o saco sim. Quando o pessoal do Rio Grande do Sul se reúne, o que não é freqüente, eu vou na boa, acho divertido, mas não tenho mais saco nem tempo pra ficar fazendo política de boa vizinhança pra aumentar audiência ou o número de links que eu tenho por aí (ri)… Não tenho muito tempo ultimamente, então gosto de aproveitar o pouco que tenho pra cuidar do meu weblog, que já fica bem negligenciado com freqüência.
Sei que essa minha postura é totalmente antipática, muita gente fica chateado, zangado, me acham esnobe, mas é que realmente o meu interesse com meu weblog é outro… Cada um sabe de seu propósito (ri).
PLAY – Todo mundo deve ter seu próprio blog?
Vi – Eu acho que todo mundo tem direito de ter o seu, mas isso não significa que todos tenham a capacidade de ter. Como eu disse, cada um sabe seu propósito. Se o motivo é brincar de ser popular e fazer novas amizades, tudo bem, mas não fiquem censurando quem não tem este propósito. Tem gente que te xinga, te malha e diz “por que tu tem weblog então, se não quer fazer amizades?”. Se dêem conta que um weblog não é só isso pra outras pessoas. Não é concurso de popularidade. Se é pra ficar concorrendo com os outros, então melhor não ter.
PLAY – Mas, por outro lado, existe um oba-oba forcado entre os bloggers brasileiros… Aquela história de “fala bem do meu blog que eu falo bem do teu”…
Vi – Não gosto desse oba-oba, desse falso “dever”. Já fui muito antipática, às vezes grossa mesmo, com gente que ficava me cobrando isso. Como eu disse, pra mim não é concurso de popularidade. Eu estou há tempos fazendo isso. Um dia a moda acaba e talvez eu ainda esteja fazendo isso, é algo necessário pra mim. Então, eu não vou estar distribuindo links pra receber um de volta. Não preciso. Adoro quem me lê e tem gente que lê há muito tempo. Nem sempre consigo responder meus emails mas cada vez que recebo email deles, já sei quem é, tenho carinho. Prefiro dar links pra pessoas assim, que eu aprendi a gostar e tenho vontade de acompanhar, seja por serem também meus leitores, por serem meus amigos ou porque o weblog me cativou.
PLAY – Seu blog sempre teve o mesmo nome?
Vi – Meu weblog mudou muito de nome. O primeiro era Delights to Cheer, que era o nome do diário que eu tinha. Depois veio o Duhast.org, que foi um domínio que eu tive. Dele, passei pro Antropomorphica, onde tinha o Antropolog. Depois que deixei de ter estes domínios e passei a ter o Wiredkitsune, só os títulos tem mudado… Já tive o Jogo da Verdade, o Pequenas Vontades. Insanities, White Noise Verão, e agora o White Noise Outuno/Inverno. Tive mais títulos e visuais, mas nem lembro de todos. Os títulos geralmente tinham a ver com coisas q eu curtia no momento (rindo).
PLAY – Como ele mudou, com o passar do tempo?
Vi – Já escrevi mais sobre generalidades, comentários sobre sites legais, notícias importantes, livros… Atualmente é algo bem egocêntrico. Falo de mim e era isso (ri). Foi desenvolvendo-se naturalmente.
PLAY – Compare o seu amadurecimento pessoal com o amadurecimento do seu blog…
Vi – Eu não acho que meu weblog amadureceu. Talvez tenha regredido um pouco. Já foi mais informativo, já foi mais interessante, mais atualizado. Hoje em dia acho que o conteúdo interessa mais pra mim do que pros outros. Eu certamente amadureci bem mais que ele. Através dele dá pra notar o meu crescimento lendo os arquivos todos. Mas não dá pra olhar e dizer também que o weblog amadureceu.
PLAY – Você acha que o seu blog é uma extensao da sua personalidade?
Vi – Ele não é extensão da minha personalidade. Ele só reflete fragmentos da minha personalidade. Mostra pedacinhos de mim, como num quebra-cabeças mesmo. Mas eu não sou só aquilo que está ali. Eu sou muito mais. Há outras tantas coisas que eu sou/faço/penso que não estão ali. Não tem como… Ele dá uma idéia de como eu sou. É um rascunho meu.
PLAY – Você já se sentiu invadida?
Vi – Já, já me senti. Porque acontece de ler um weblog e se apegar à pessoa. Dá a falsa sensação de conhecê-la como se fosse uma velha amiga. Já teve gente com essa impressão e que falava comigo por email ou ICQ, e que se esquecia que eu, por outro lado, não tinha qualquer idéia sobre quem elas eram, do que gostavam, embora elas se sentissem minhas velhas amigas. E esperavam ser tratadas assim e isso praticamente não acontecia. Ficavam muito chateadas, algumas eram agressivas. Eu sou temperamental, respondia no mesmo tom, muitas dessas pessoas deixaram de gostar de mim.
PLAY – E como você se sente em relação a isso?
Vi – Eu me sentia mal no início. Depois aprendi a ignorar, deixou de me afetar. Hoje em dia só fico triste que não tenho conseguido tempo pra responder às pessoas que ainda têm coragem de me escrever (pouquissímas, infelizmente), e que nunca me cobraram este tipo de resposta.. Esse tipo de tratamento de “velhos amigos” sem me dizer nada sobre elas mesmas…
PLAY – E como é a sua rotina com o blog?
Vi – Escrevo só quando tenho vontade. ou seja, pode ser a qualquer momento desde que eu esteja no computaodr, que é quase sempre que estou em casa e não tem tempestade lá fora. Geralmente escrevo e posto só de casa, mas não tenho nenhuma rotina. Sou indisciplinada…
Essa foi com o Ira, que na época ainda morava na Alemanha, onde hospedava o Growroom.
***
Entrevista publicada em 8 de agosto de 2002
Da Alemanha, o designer brasileiro Ira ensina as manhas do cultivo da planta
O designer Ira tem 26 anos e fuma maconha todos os dias desde os 16. Nestes dez anos de fumaça, ele aprendeu não só a apreciar variedades diferentes de fumo, como a plantar a erva em casa. Mudou-se para a Alemanha há dois anos (para estudar) e aproveitou o clima de liberação da planta no Velho Continente para colocar seus estudos em prática. Mais do que isso – passar os ensinamentos adiante. Assim, ele criou o Growroom, site dedicado ao cultivo da planta a domicílio, tudo para desvencilhar os prazeres da planta dos nefastos interesses do crime organizado. Troquei uma bola com o sujeito hoje à tarde, via ICQ, e segue o papo aí embaixo.
PLAY – Como começou o Growroom?
Ira – O site surgiu em março. Tive uma idéia de desenvolver um site decente sobre cultivo de cannabis, já que na web brasileira não tinha nada que prestasse sobre o assunto. Comecei a pesquisar sobre o cultivo em inglês e acabei me deparando com o gigantesco site Overgrow que é tipo uma bíblia sobre o assunto. É um fórum em inglês sobre cultivo de cannabis, que na verdade eu somente traduzi e comecei a mandar por email para uma galera de usuários brasileiros que eu descobri por lá, além, de mandar para sites de pessoas que apreciam não só a erva, mas músicas e outras coisas de estilo de vida que se relacionem ao assunto.
O site foi criado em uma fase en que eu tava trabalhando num frila que o cliente era simplesmente um saco. Eu fazia uns layouts maneiros, levava no cliente e o cara mudava tudo, estragando todo o meu trabalho. Fiquei de saco cheio dessa situação e a fim de criar algo pra mim, um projeto pessoal que também servisse como válvula de escape. Onde eu pudesse experimentar layouts como eu quisesse, sem chefe nenhum ou cliente algum dizendo “muda isso”, “faça aquilo”.
Assim, meti a cabeça no projeto que inicialmente era só um fórum para os usuários discutirem. O fórum que eu usava na época era um board em PHP shareware/GNU em alemão! Então meu primeiro desafio foi traduzir um site todo do alemão pro português, me enbrenhando pelos códigos PHP que também não me eram nada familiares como um designer. Mas dei meu jeito, já que havia vontade, e tudo funcionou bem. Até hoje ainda aparecem algumas coisinhas no site em alemão e sempre que as descubro, vou corrigindo!
PLAY – E o site tem muitos acessos? Dá pra traçar um perfil do usuário?
Ira – Sim. Estamos formando uma comunidade bem informada e unida! Acho que estamos com umas 300 visitas por dia. Já temos quase 650 usuários cadastrados.
Teve um thread do fórum em que fizemos uma pesquisa sobre o que cada um faz da vida e foi constatado que na comunidade growroom existem muitos profissionais de internet na faixa dos 20 aos 30 anos. Confirmando então aquela pesquisa da BBC sobre os profissionais de TI que gostam da macaca!! Afinal, aguentar esse stress do mundo pontocom, só dando um pitozinho mesmo… O site cresce a cada dia que passa! Todo dia, se cadastram umas 10 pessoas! Estamos agora fazendo umas camisas do site, já que o pessoal estava pedindo muito. A comunidade se tornou muito fiel e quem começa com o cultivo, não pára. Com o tempo, o site foi crescendo e fomos formando um time com os users mais antigos. Aí começamos a aumentar as areas do site, que inicialmente era somente o forum. Depois surgiu uma área do site que é o FAQ, com as perguntas consolidadas que já foram discutidas no fórum. Em seguida, fizemos uma área de livros sobre cultivo, uma base que já conta com informação sobre mais de 50 tipos de cannabis existentes. Em breve estamos lancando uma galeria onde os usuários poderão compartilhar as fotos de suas plantinhas com toda a comunidade Growroom.
Desde que o site começou, muitas pessoas já começaram a cultivar cannabis em sua casa, convencidas de que assim irão fumar algo melhor que um fumo prensado cheio de amônia, que os traficantes colocam no fumo. Não vão precisar mais entar em contato com crimonosos perigosos ou ir para lugares perigosos, além de não incentivar ou patrocinar o crime organizado comprando fumo na mão dos traficantes.
PLAY – Você está a quanto tempo na Alemanha?
Ira – Há dois anos.
PLAY – As leis aí na Europa estão ficando mais brandas…
Ira – Com certeza o fato de eu estar na Europa me ajudou na criação deste site. Aqui o assunto não é mais tabu. Em qualquer lugar, as pessoas consomem cannabis: parques, festas, na rua… Ninguém esté nem aí! Às vezes, nem mesmo a polícia! Só estão interessados em saber do que se trata se o comércio estiver envolvido. Mas o uso está totalmente tolerado!
PLAY – Você acha que isso é possível no Brasil? Afinal de contas, seguimos o padrão americano, nao o europeu…
Ira – Há pouco tempo, na Inglaterra, que é um país conservador, um político – David Blunket – mandou uma lei em que o usuário não será mais punido com prisão ou algo do tipo. Eu vejo isso como uma tendência a ser seguida em países que estão mais avançados nesse lado da política das drogas.
No Brasil, eu realmente não sei! Vejo que toda essa nossa geração que tá vindo aí, já é muito mais esclarecida sobre o assunto. Quem tem de 20 a 30 anos sabe do que se trata quando se fala de maconha, ao contrário do meu pai e outras pessoas mais velhas que ainda acham que maconha se cheira. É muita falta de informação! E esse também é um papel do Growroom: informar realmente que maconha não é esse bicho de sete cabeças! É uma plantinha, somente. Acho que no Brasil, só vai mudar algo daqui a algumas gerações.
PLAY – Além do Growroom, existem outros sites sobre o tema na internet brasileira?
Ira – Que aborde bem o assunto, eu não conheço mesmo! O único site que tinha era O Bolha, que também é sobre cultivo. É de um designer que também mora no exterior.
PLAY – Você acha que a internet é a melhor maneira de fazer as pessoas se conscientizarem disso?
Ira – A melhor forma são todas as formas! Mas a Internet é um canal que possibilita isso sem necessitar de convite de rádio, jornal ou televisão. É uma mídia bem democrática, que nos possibilita isso, sem dúvida.
PLAY – Planos para o futuro?
Ira – Melhorar o acervo do FAQ, fazer um layout melhor para o site, já que o espaço pro conteúdo nas outras áreas diferentes do fórum é muito limitado, mas não tem data. Daremos início às vendas das camisas já!
PLAY – E do alto de sua experiência, qual é o melhor jeito de se fumar?
Ira – A melhor forma é quando se está na frente do computador, trabalhando, fazendo um layout ou falando com alguém é uma caprichada BONGADA!! Encha a cabeça do bong com um fuminho verdinho, gostosinho e dê aquele catrancão!! Faz a cabeça de uma vez por horas, sem perder muito tempo. Mas se estou com tempo, quero saborear um fumo gostoso, estou com os amigos, em casa, relax, escutando um som, nada melhor que o clássico cone. Um baseado normal. E de vez em quando, pra variar, rola um cachimbo, um balde, chillum… Tanto faz!! Não tem aquela “EU BEBO TODAS”? Então: EU FUMO TODAS!
Nessa, o Cris Dias fala sobre o então recém-criado Toplinks, que não existe mais.
***
Entrevista publicada em 29 de julho de 2002
Com seu Toplinks, Cris Dias quer saber o que se passa na cabeças dos blogueiros brasileiros
O webdeveloper Cristiano Dias, 29 anos, tem histórias para contar: administrador de um dos fóruns de discussão de notícias sobre TI no Brasil (o Idearo), ele foi trabalhar com internet nos EUA no mês em que a bolha pontocom estourou e sai de lá no mês seguinte aos atentados ao World Trade Center. Teclando do Canadá, ele dá um passo ousado e importante. Com o Toplinks, ele quer rankear os assuntos mais comentados nos blogs brasileiros. É a versão nacional para o já obrigatório Blogdex, mas vai muito além de um Herbert Richers eletrônico – a idéia é mapear as áreas de interesse da comunidade blogueira do país, coletivo que tem no próprio Cris um de seus pioneiros. Conversei com o cara e segue o bate-papo que tivemos, via ICQ, hoje (29/07) à tarde – logo após ele ter oficializado o lançamento do Toplinks em seu blog.
PLAY – Quando começou a sua relação com a internet?
Dias – Xi 🙂 Bom, eu uso internet desde… hmmm… Eu tenho e-mail desde 1995. Eu fazia FTP via e-mail e tudo. Uma coisa levou à outra e comcei a fazer sites profissionalmente por volta de 1997. Em 1998, lancei o MegaTV, site sobre TV por assinatura. E em 2000, fui contratado por uma empresa americana como webdeveloper, por isso tive que tirar o MegaTV do ar.
PLAY – Foi seu primeiro trabalho “autoral” na rede?
Dias – O primeiro, o único que foi ao ar, foi o site de uma loja de bolsas, carteiras e artigos de couro em geral, Zélio. A versão atual não é minha.
PLAY – Você parou com o MegaTV por que não tinha mais tempo para colocá-lo no ar?
Dias – Pois é, não tinha tempo de atualizar e os planos de ficar milonário falharam 😉 A “equipe” do MegaTV era a minha famÌlia. Minha mãe começou a usar computador naquela Época e hoje tem blog e tudo 🙂 Eu trabalhava meio-expediente numa ONG, o Comitê pela Democratização da informática e no outro meio expediente cuidava do MegaTV. PLAY – O que você fazia no CDI?
Dias – Eu era “coordenador de informática”. Fazia todo o trabalho de programação de sistemas internos, dava umas aulinhas. Cuidava de tudo, menos da parte de montar computadores para as comunidades.
PLAY – E aí você virou webdeveloper…
Dias – Em outubro de 1999, eu recebi a proposta para vir trabalhar nos EUA, para a RunTime Technlogies. Meu visto de trabalho demorou seis meses pra sair, só me mudei em abril de 2000. Fui de mala, cuia e gato siamês para NYC.
PLAY – Justo quando a bolha da internet estourou…
Dias – Mas como a empresa em que eu trabalhava não tinha ações na bolsa, ela não foi afetada de cara. Ela só sentiu o baque mais pro fim do ano, com os investidores segurando o dinheiro e os clientes parando de contratar serviços. Mas até o fim do ano era tudo maravilhoso, refrigerante grátis, partidas de DreamCast no fim da semana. Depois de dezembro, as coisas começaram a piorar.. Mandaram gente embora e o baixo astral tomou conta da empresa. Como eu tinha visto de trabalho, se fosse mandado embora tinha que voltar para o Brasil. Então comecei a procurar outro emprego por simples insegurança. Além disso a empresa fazia um software para gerenciar sites, não era um site de conteúdo que vivia de publicidade.
PLAY – E você chegou a mudar de emprego?
Dias – Então, rolava aquela esperança de que não seríamos atingidos. Mudei de emprego em abril de 2001. Fui para uma empresa que rodava um serviço de B2B. a empresa se chamava eMarketplaces e fazia ponte entre exportadores de Taiwan e empresários americanos. A Runtime continuou mandando gente embora, mas eu já estava na outra. Mas nenhum investidor ainda tinha coragem de botar dinheiro. E… Eis que os investidores chineses da emarketplaces resolveram tirar o corpo fora. E a empresa fechou total.
PLAY – E você foi para a rua.
Dias – Eu e todo mundo. Em 2001, ninguém contratava nada, mas rolava uma esperança de que o plano de choque do Bush ia trazer a economia de volta. Mas estava num ponto em que ninguém mais contratava. E eu, com visto temporário, sem chance. Para contratar gente com visto temporário, rola uma baita burocracia e algumas taxas – então, sem chance. Tentei uma última cartada: Canadá. Antes de ir para os EUA, meus planos eram ir para o Canadá, onde a imigração é incentivada. Mas com o boom pontocom era simplesmente mais fácil arrumar emprego nos EUA. Mandei currículo pra praticamente todas as empresas de webdevelopment no Canadá e recebi UMA resposta positiva, de uma empresa de Winnipeg. Que é onde vim parar: cheguei aqui em outubro de 2001 🙂 A empresa é a Mars Hill Group que “faz websites” 🙂 Eu fechei com a empresa em agosto, mas demorou um pouco para processar papelada, etc.
PLAY – E aí vieram os atentados…
Dias – Foi quando me tornei “blogueiro celebridade” 🙂 2000 acessos em um dia. Eu tava desempregado e morava em Nova Jérsei. Tipo uma hora do ground zero. Já estava nos preparativos para me mudar pro Canadá. No dia, eu ia ver um carro pra comprar e meu pai ligou e disse: “Tudo bem aí? Viu que dois aviões se chocaram com as torres gêmeas?”. E eu, com sono, só conseguia pensar: “Tem que ser muito mané pra bater no WTC”. Liguei a TV, fui pro computador e começou a chover gente que eu nunca tinha visto no ICQ.
PLAY – Tinha teu uin no teu site?
Dias – No meu profile, do ICQ, tinha q eu trabalhava em Nova York.
PLAY – Jornalistas ou curiosos?
Dias – Curiosos, gente falando espanhol e o escambau: “Qué pasa?”.
PLAY – E como você reagiu ao atentado?
Dias – A primeira reação foi de choque e revolta. Mas depois eu comecei a ver a reação dos americanos e comecei a ficar revoltado com aquilo. Tipo: “O que nós fizemos? Por que nos odeiam?”. E comecei a entender o papo que americano é bitolado. Meu erro foi começar a ler blog direto sobre o assunto. Os meus amigos de NY sabiam exatamente o que estava acontecendo, mas o “americano padrão”, não. Foi um erro, porque eu vi uma versão meio aumentada da estupidez americana. Nem todo mundo pensava daquele jeito, mas era o que eu lia. Comecei a me revoltar e partir pra ofensiva até nos textos do meu blog. De repente, eu havia esquecido que quatro mil “vizinhos” haviam morrido. Esquecido que eu ia no WTC quase todo dia. Mas eu saí dos EUA menos de um mês depois, já estava com tudo arrumado.
PLAY – Como começou seu blog?
Dias – Comecei a blogar nos EUA. Um cara do trabalho, Calvin (um coreano que se mudou para os EUA ainda moleque) me mostrou o dele e, na época, blog era sinônimo de link, não de “querido diário”. Eu achei legal, porque eu sempre mandava e-mail para os amigos com links legais, opiniões etc. Então o blog seria a ferramenta ideal. Logo depois, achei um site que listava blogs de todo o mundo, achei o do Zamorim e, lá, achei vários outros. O blog acabou sendo a minha maneira de me manter em contato com o pessoal no Brasil, o “chopp com os amigos”.
PLAY – Já no Crisdias.com?
Dias – O domínio mesmo, veio um pouco depois. Eu hospedava a conta no meu provedor, mas a URL era tão grande que resolvi registrar o domínio.
PLAY – Então você é dos tempos pré-blogger. Como viu o crescimento posterior da ferramenta?
Dias – Eu achei muito legal. O Blogger, acima de tudo, me mostrou que é possível ter uma ferramenta de publicação tão fácil que até a minha mãe pode usar. Como eu faço sistemas de “gerência de conteúdo”, comecei a prestar atenção em certas coisas, ao desenvolver os sistemas.
PLAY – Mas em seguida vieram os blogs “querido diário”…
Dias – E as pessoas meio que se voltaram para dentro. Eu gostava de colocar links para notícias no meu blog e dizer “eu concordo, eu discordo”. Tanto que a área de comentários do meu site é fundamental. Troca de idéias. De repente, todo mundo começa a achar que blog é lugar para falar sobre a vida… É engraçado, todo mundo vivia com medo de ter seus diários publicados na internet e de repente sai contando tudo da vida… Eu acho que se você escreve um “querido diário” contando suas experiências é válido. Tipo, “fiz isso e isso e quebrei a cara, não é uma boa”. Uma troca de experiências. Ou então, como me disseram uma vez, para mostrar às outras pessoas que elas não são as únicas neurótico-deprimidas do mundo. Mas tem gente que simplesmente relata a própria vida. “Hoje fui no shopping e tava lotado”. Caramba, e daí?
PLAY – E como foi ver crescer, de fora do Brasil, a rede das celebridades blogueiras?
Dias – Eu acho esse lance de celebridades até engraçado. Converso todo dia com boa parte dessas tais celebridades. É tudo gente normal que se tornou celebridade por link-a-link. E serve pra mostrar que tipo de blog o pessoal gosta de ler. Os blogs mais linkados acabam sendo os mais pessoais, como a Zel e ou a Lia Caldas.
PLAY – Olhando de fora, quem é o blogueiro típico brasileiro?
Dias – Antes do blog a gente dizia que as pessoas só usavam a internet para e-mail e chat, certo? Então: esse é o blogueiro-padrão… Ele praticamente não lê sites de notícias… O blog é um “ICQ público”, se quiser chamar assim. Mais uma ferramenta para se “socializar”. O blog é uma continuação do ICQ. Da mesma maneira que antes entrava no ICQ e dizia “oi, quer tc?”, com blog é “ei, gostei do seu blog, passa lá no meu…”.
PLAY – Isso é bom ou ruim?
Dias – Pra mim, isso não acrescenta nada. Não é ruim, mas não é pra isso que eu leio blog. Não me interessam as vidas dos blogueiros, me interessam as idéias. Não me interessa se o cara terminou com a namorada. Pode me interessar saber o que ele acha disso, o que ele acha de relacionamentos. Mas, na verdade, estou mais interessado em blogs que falem mais do mundo e menos dos autores. Minha mãe, por exemplo. O blog dela não é “pessoal”, ela fala das coisas que vê por aí. Então isso fez com que ela usasse mais a internet para procurar mais coisas pra colocar no blog. Outro “perigo” dos blogs é a esculhambação da língua portuguesa. Neguinho escreve altas atrocidades (meu exemplo preferido é o “naum”) e acaba virando certo falar assim. Uma coisa é linguagem informal, outra coisa é falar errado. Dizem que para escrever bem você tem que ler bastante. Mas e se eu ler um monte de coisa errada? Eu não sou professor de português; eu erro, falo palavrão, mas pelo menos eu tento falar direito.
PLAY – Mas ao mesmo tempo, as pessoas vão se acostumando às tags e à terminologia da rede…
Dias – Será que vão se acostumando? Pra escrever que foi ao shopping, o cara não precisa saber HTML. Ele não linka. O máximo que faz é colocar uma imagem bonitinha que viu…
PLAY – Mas isso não é um começo? Ou melhor: não é o começo da vida digital do sujeito?
Dias – Começo da vida digital, isso é. Eu acho que todo mundo deve ter um blog. Não acho que blog é só pra uma elite, não, e escreva o que quiser. Eu só estou dizendo o que me faz voltar e ler um blog de novo. Eu tenho 29 anos, não 19 🙂
PLAY – E o que você acha da Globo usar o Blogger como tática para crescer no Brasil?
Dias – Eu acho uma jogada de mestre. Antes de mais nada mostra que a Globo é mais séria do que outras empresas que tentaram copiar o Blogger sem “dar nada” ao Ev (isso do cara que copiou o blogdex, ehehe). O Globo.com tá cheio de gente boa, que entende da coisa. Se a coisa funcionar direito, sem eles ficarem querendo se intrometer nos blogs dos outros, vai dar certo.
PLAY – Mas junto a que público? Isso não é uma tendência para que surjam mais “diários”?
Dias – Vào surgir mais diários, sim. Diário não é problema. O problema é dizer “se você não tem blog, tá out”. Uma pessoa só deve ter um blog se acha que tem algo a dizer (não interessa se o que se tem a dizer é bom ou não, mas o fato de estar botando a boca no mundo). Mas ainda sobre o lance da jogada de gênio. Se o Globo.com pegasse e fizesse “um blogger”, não ia adiantar. o Blig e o Weblogger tão aí pra provar. Mas eles pegam “o” Blogger. A marca mais famosa. E assimilam. Fora que devem estar pegando a base de usuários. No Blogger, você diz em que idioma o blog está, então deve estar vindo um email aí “ei, quer mudar para o Blogger.com.br?”.
PLAY – Ou melhor: “a sua URL a partir de hoje é .com.br”… Mas o primeiro blogueiro do Blogger brasileiro é o Tarcísio Meira. Há sintonia nisso?
Dias – Talvez esse lance da novela seja para levar o blog para quem não conhece. Mais fácil do que ficar explicando o que é. “Sabe aquele site do vampiro? Então, aquilo é um blog”. A força da Globo sempre foi o marketing cruzado. Coisa totalmente comum aqui na América do Norte mas que o pessoal torce o nariz porque é a Globo.
PLAY – E o Idearo, como comecou?
Dias – O Idearo era um fanzine que só teve uma edição 🙂 Foi inventado pelo Alexandre Maron, em papel. Mas sempre rolou a idéia de fazer alguma coisa online. O mote do Idearo é “para quem sabe não sabe de tudo”. Não somos os donos da verdade. Você não precisa concordar comigo para publicar lá e eu vou lá ver o que você acga e tentar assimilar a sua opinião.
Então quando eu vi coisas com o Slashdot e kuro5hin eu falei “é por aí”. O Idearo ia ser “o blog do Cristiano mais o Maron”, mas a gente tinha que abrir pra todo mundo. É só ir lá, criar um usuário e mandar um texto., Aliás, por isso que anda parado, o povo não tem mandado texto. E nós dois meio que desanimamos.
PLAY – E como é o feedback? Quem é o público? Qual o número de acessos/dia?
Dias – Bom, aé é que eu acho que está um dos problemas do Idearo. O público acabou sendo “a comunidade blogueira”. Então pra que mandar texto pro Idearo se eu tenho meu blog? Meu sonho era o Idearo ser o No.com.br “do povo”, artigos “opinativos” de qualquer um, não precisa ser “intelectual” pra escrever lá. Os acessos hoje são por volta de 100 pessoas/dia, praticamente todo mundo vindo de Google, etc.
PLAY – E quem bate no site, volta?
Dias – Voltar, volta. Mas o Idearo tem uma coisa engraçada… Praticamente ninguém bota comentário. Eu senti que o pessoal fica meio “intimidado” com o site. Já me contaram isso, blog È “informal”. O Idearo ficou sisudo, ficou meio com cara do No.com.br, mesmo. Talvez a dificuldade seja que esse publico vá “direto na fonte” dos sites em inglês. Por isso, inclusive, a idéia de ter um “blogdex nacional” que fale do Paulo Coelho na ABL ao invés de falar do novo plano do Bush.
PLAY – O Toplinks é sobre “assuntos” nacionais ou com blogueiros brasileiros?
Dias – Blogueiros brasileiros, o que (eu espero) deve levar a assuntos nacionais. Teoricamente as pessoas vão linkar para assuntos que lhe interessam. E o novo plano do Bush não interessa TANTO assim a ponto de colocar o link no site.
PLAY – E quando você teve esta idéia.
Dias – Comecei algumas semanas depois deste post. Fiz o robozinho e deixei ele lá, catando os sites. Fazer massa crítica de links. Aí algumas semanas atrás fui ver no que tinha dado 🙂
PLAY – E começa oficialmente hoje?
Dias – Começa hoje. Algumas partes do processo ainda estão manuais pra que eu possa ver se estão funcionando direito.
PLAY – E quais os planos pro futuro? Alguma idéia mirabolante na manga?
Dias – Vem aí a lista “alltime” que vai dizer que o Catarro Verde é o blog mais linkado da internet.br 🙂 E a versão RSS do Toplinks. O próximo projeto é um site meio Idearo, meio blog… Um Idearo informal… Meio metafilter, meio fark… Um metafilter que se leva menos a sério e um fark sem “boobies” 🙂 No fundo é um blog, o projeto eu faço sozinho, mas todo mundo vai poder escrever.
Um breve momento de resgate de entrevistas que eu fiz pro site da Play. Esbarrei com estes “25 Momentos da Blogosfera Brasileira” feito pelo Inagaki e no meio tinham várias entrevistas com blogueiros da época que eu tocava a revista. Aqui vão algumas que eu fiz.
***
Entrevista publicada em 20 de agosto de 2002
O designer Nicholas Frota e a irreversibilidade da era eletrônica
A entrevista ia ser com Nicholas Frota, designer, integrante do Apavoramento, blogueiro e “personalidade digital” – como vocês já vêm acompanhando aqui diariamente nos Players. Mas, no meio da conversa (via ICQ, em duas partes), começamos a falar sobre outras coisas mais… teóricas. Ciente de seu papel de entrevistado, ele conduziu o papo para uma questão macro de um ponto de vista filosófico, quase espiritual (como, talvez – sugere um cético aposto -, as coisas realmente devam ser). Você sabe: McLuhan. Lévy e outros filósofos da eletrônica sempre associaram a própria linguagem como uma “volta às raízes” (e toda aquele papo que esta “volta” está associada aos DJs, ao movimento open source e outras coisas – falei disso no editorial da PLAY 4) por parte da civilização. Ele conecta esta revolução eletrônica aos Situacionistas, Hakim Bey, Grant Morrison, metáforas e desinformação. Afirma, claramente, que o sistema já faliu e não há reversão para isto. Você pode reclamar dos excessos de “né?”, “ae” e termos em inglês, mas Frota fala sobre um lado especialmente importante neste período de transição. No começo, ele fala de si mesmo. Depois…
PLAY – Como foi o seu primeiro contato com a eletrônica?
Nicholas Frota – Meu pai era técnico eletrônico. Dae ele sempre trazia novos gadgets, e liberava pra gente usar. Não teve cisão. Não lembro de momento que caiu a ficha… Se bem que na época do Telejogo, a maior empolgação da galera pra jogar e porque você MOVIA as paradas daa tela. Era VOCÊ no comando! OK, era UM pixel na tela que nos chamavamos de BOLA, mas era você no comando!
Eu não curtia computer, só meu irmão mais velho. Eu queria fazer revistas, e com fontes monoespacadas não rolava né? eu só entrei mesmo nessa quando comecei a entrar em BBS, daí a conta do telefone foi às alturas… Mas meu pai nunca reclamou! 🙂 Eu queria computer pra desktop publishing (mas não sabia o nome na época, claro). Eu só perguntava pro meu irmão se a letra M era mais larga que a letra L… Enquanto não fosse, não valia pra mim…
PLAY – Você já queria trabalhar com design desde pequeno?
Frota – Sim, quadrinhos, desenhos, Eu era viciadinho em logotipos e embalagens… Minha mãe mandava eu pôr o lixo pra fora e eu voltava com um monte de caixas… 🙂 É isso. queria fazer fanzines, imprimir as paradas… Meu irmão queria programação, sistemas. Ele sim era o viciadinho! 🙂 Fiz muitos quadrinhos. fanzine, nunca dava certo (a turminha nunca colaborava). E depois que comecei a sair na noite, tinha os flyers… Mas nunca trabalhei com isso, não…
PLAY – Você começou, pra valer, fazendo flyers?
Frota – Acho que sim… Não lembro, tinha muito bico, mas nada oficial. Eu comecei pra valer mesmo em bureau de serviços… “Pra valer” significa ganhando dinheiro. Flyer é legal e tudo, dá visibilidade, cê pode pirar e cria a cena, mas nao dá dinheiro. Mas eu já fazia bicos. Vários. Pais separados, tu sempre arranja uma maneira de ganhar dinheiro. Mas eram bicos treeevas, senão me lembraria. Na real, na real começou mesmo quando eu fazia trabalhos pra designers mais velhos, que não sabiam mexer no computador. Hora-máquina.
PLAY – Voltando um pouco: fala da transição das BBSs até o programa de edição de imagem…
Frota – Não tem transição. Foi smooth. Tinha tecnologia desde que me conheço por gente…BBS era Hotbit, neh? Era pra papear… Só quando teve PC que deu pra entrar em edição mesmo… Corel Draw, PageMaker… Meu computer não tinha potência pra Photoshop, dae virei o rei do vetor… Até hoje prefiro vetor… Graças a deus o Flash deu uma reavivada. Eram evoluções. Continuam sendo. Não teve “ah, agora preciso cair nessa”. Na real foi mais “ué, será que vocês não entendem?” Curtir parada eletrônica era sine qua non…
PLAY – E como você percebeu que a eletrônica permitia que você fizesse suas próprias coisas?
Frota – Bom, eu já fazia. Claro que eu fazia design há muuuito tempo, mas não ganhando com isso. Eu comecei artista, né? cliente é minha própria inspiração… Depois de aprender Corel Draw, fiquei forte pro mercado, daí eu valia alguma coisa… Obviamente que fazia trabalhos por fora, eu nunca estou parado, sou meio esquizofrênico, pulverizo minhas funcoes em váários projetos…
Autoral autoral, meu trabalho sempre foi, sou beeem tortured artist, às vezes me bato com o cliente. Mas foi quando eu limei do meu portfólio os trabalhos grandes – eu dava ênfase no cliente – e comecei a dar ênfase só naquilo que eu gostava. “esse trabalho é bonito? Me representa? Sim. ah, mas não foi aprovado. Foda-se, vou pôr mesmo assim”. Dae deu uma guinada, as pessoas me quiseram pelo que eu gostava de fazer.
Quando comprei meu computer, podia ganhar um scanner ou uma impressora. Fiquei com o scanner, dae eu só podia mostrar meu trabalho via web. Eu fazia sites em inglês, nem tinha comunidade nacional, só depois que galera foi entrando… Trabalho autoral significa aquilo que eu olho e digo “uau, é isso ae”… Primeiro foram os flyers. E depois, sites, quando parei de ser bonzinho… E comecei a desencanar… 94? Deve ter sido. 95, 96 foi o boom da web, então foi 94, 95… Eu sei que comecei antes de saberem o que era internet…
PLAY – Você lembra do seu primeiro site?
Frota – Era uma comunidade de audiófilos, que fiz com uma amiga minha, Stella, que me ensinou HTML. Depois claro, comecei a testar com meu site pessoal, que o era Nonlinear mas era ainda noutro server…
PLAY – O computador criou uma geração de designers…
Frota – Sim, sim. Mais solta, design era muito religioso… Muito mais sisudo… Galerinha de tipografia então, quase monges… A coisa ficou mais soltinha… Na real, eu achava que tava “fora”… Depois que a internet juntou as pocinhas num mar que percebi que tinha MÓ GALERA fazendo a mesma coisa… Tudo tateando no escuro, hehe! 🙂
Computer é foda, automatizam as coisas, então te deixam solto pra partir pro mais abstrato – se tu souber organizar as coisas, né?
O jogo do computador eh automação. Faz o trabalho uma, duas vezes. a partir daí, deixa o computer repetir, e vai se ocupar de outras coisas – conceito, laboratório, pesquisa…
Mó galera entrou nessa de corporações por causa do boom da Nasdaq. Dae veio a quebra, mas ae ninguém saiu porque padrão de vida é que nem gás: ocupa todo o espaço que colocar… Mas a galera tá mordida… Tipo, nossos chefes não sabem mesmo o que fazem… Se pegam com semântica, buzzwords…
Acho que galera se tocou que pelas corporações nada sai – é incrível, parece que toda ideia idiotiza a medida que anda, até ficar irreconhecível. É um ambiente tóxico, raro sair algo dali…
E se conectando bottom-up…
PLAY – E como você vê o lado faça-você-mesmo que a eletrônica permite?
Frota – É vero. a cena eletrônica só funciona quando não tem cisão entre público e produtor… É todo mundo metendo a mão na massa… senão não rola, estagna. Aqui em Flopz, por exemplo, é um horror. Há um público que espera que façam algo. E esperam. E esperam. Mas os computers acabaram com essa de patrão é quem tem os meios de produção. Agora os patrões só governam seu tempo. Com meaningless atribulations. 🙂
PLAY – Como foi descobrir que existiam pessoas que pensavam da mesma forma que você na rede?
Frota – Comunidade era de RPG, né? Muitos amigos, sysops, jogadores… Eu já entrei cedão e pouco a pouco as pessoas foram entrando. Lembro-me que eu que fiz o mail de muuuitos amigos meus da noite, tenho até hoje a senha deles! 🙂
Eu sou MUITO abusado com internet. Não basta ter a informação, tem que ter da maneira que eu quero. É mente mundial, né? Então posso abusar. Daí eu via coisas absuuurrrdas, que soh lia na net… Neoismo, Hakim Bey, caoticismo, essas coisas… Só agora que a coisa tá transbordando pra fora…
Quando a tendência de design era essa cosia Photoshop cheia de sombras, forget about it, eu tava fora. Depois que o design minimal imperou, aaaí sim… Os amigos começando a ter ICQ ajudaram…
PLAY – E quanto às festas? Como você começou a sair do online?
Frota – Ah, quanto às festas era diferente… É bizarro, meu background eh RPG – caoticismo, cenários- , techno – comunidade, futurismo -, e internet – sistemas, publicação, conexão. Vai entender, as coisas mesclaram… Absurdo… Eram três coisas completamente diferentes…
Gestão de comunidades é a mesma para net ou fora dela. Montar festas, falar com a galera, essa coisa rizomática, sem dono, crescendo como fungo, é o mesmo conceito que eu busco de sistemas bottom-up.
As coisas mesclaram, entende? Quando vi, estava usando conceitos de RPG para montagem de sistemas (criação de cenários, papéis), sistema para festas (divulgação)… Essa convergência é o que há. Logosfera, o Supercontext do Grant Morrison… É absurdo como as coisas mesclaram.
PLAY – Fale mais sobre bottom-up…
Frota – Bottom up é minha herança anarquista. Para os Situacionistas, a arte foi cooptada, separaram o público do autor. Isso é a morte, tiraram a arte da vida, a arte é a fuga da vida. Um dos objetivos Situs é mesclar novamente platéia e espetáculo. E pensando bem, é fato, as pessoas querem participar. Dae, partindo para sistemas, qualquer classificação up-down é falha… Como se classifica estilos musicais?
Bottom up é assim: construa vários prédios e ponha grama entre eles. Depois de três meses, pelos passos das pessoas, você terá caminhos feitos de baixo pra cima, sem planejamento central. fluidos, nada de 90 graus, entende? Isso passa por matemática do caos (sistemas auto-organizados), anarquia (não-líderes), sistemas de informação (clusters de usuários). Você não é um passivo consumidor. Você participa.
E não é só computador, computadores sao a parte visível desse espectro, okeis? NÃo seja tecnocêntrico. As coisas estão mesclando por outros meios… É meio fatalista, mas duh, isso já se provou tantas vezes pra mim que é idiotice não tomar esse fato em consideração…
McLuhan dizia que o livro foi o primeiro device que oficialmente separou público de palco… Até então as coisas eram fluxos… Não tinham papéis definidos…Aí, hm… Eu acho que como estressamos na VISÃO e no MATERIAL, essa é a dimensão que vemos do que acontece.
O alfabeto fonético foi o primeiro código que se propunha limitar a realidade em mínimos denominadores comuns – as 26 letras -, que foi aceito pelo povão – claro, isso os herméticos perseguiam há tempos, mas foi Gutemberg que popularizou…
É o fim da lógica linear, né? Dae o nonlinear. Lógica linear é aquilo… Tem que metrificar, traduzir a realidade para então mexer nela. Se você distorce os medidores, distorce a percepção da realidade. Isso o neoliberalismo faz toda hora…
PLAY – E entra a historia do Philip K. Dick: Quem controla a palavra impressa controla o mundo…
Frota – Quem controla a metáfora governa o mundo. Por isso essa corrida do ouro pelo controle digital/informático/cultural. Sociedade do espetáculo.
PLAY – E o não-linear implica no fim das classificações…
Frota – Na real, classificações existem, mas não são excludentes. E não são inerentes ao objeto… Se o João é bombeiro, ele é SEMPRE bombeiro? E SÓ bombeiro? Lembrando, claro, que essa parada toda é oque penso, mas tá remendado… Já estamos no poder, as coisas tão BEM esquisitas. Na real o que precisamos é de um novo paradigma… Entenda: Grant Morrison dizia que demora-se 20 anos para uma cultura passar de fringe a oficial. A cultura caótica passou do fringe ao central. Cabou. É central já, we need another directives, as nossas já não cabem mais… As coisas tao esquisitas…
PLAY – Mas as pessoas ainda estão pensando com padrões lineares…
Frota – As pessoas não pensam mais linearmente. elas falam linearmente. Eu acho. Mais a mais, “as pessoas”, que pessoas? O jogo do mass media é justamente te isolar enquanto te oferece o que chama de realidade.. Aqui em Floripa, por exemplo, a noite techno é TOTAL noite de novela da Globo… O que obviamente não tem NADA de noite. Mas é a referência.
PLAY – Você falou que as coisas estão esquisitas. Pra quem? E como nós conseguimos se aproveitar desta “esquisitice”?
Frota – Olha, já aproveitamos. As coisas estão BASTANTE desestruturadas. Não se sabe a extensão dos danos (ou oportunidades). Desinformação é o negócio… Acho que vem uma quebra ae… Hm, bizarro dizer, mas vamos lá.
PLAY – Então o próximo passo é a desinformação total? Esvaziar o valor da informação?
Frota – 1 -Linguagem é TRADUÇÃO da realidade, nao é a realidade em si.
2 – Linguagem era, no tempo dos egípcios, algo restrito a galera da alta. True names, algo muito sério.
3 – A linguagem está cada vez mais popular (digo, a troca de símbolos)
4 – Entropia age. Exaustão dos símbolos.
Sei que é foda explicar exaustão dos símbolos simbolicamente, mas que tá próximo, está.
Pegue estudos sobre adaptação do ser humano na gravidade zero. Porque você sabe, a gente aprendeu a se mexer COM gravidade. Fora dela, somos um zero à esquerda. Sem parâmetros, sem referências. É mais ou menos isso. claro, expect the unexpected. Freefall. Algo assim. Mas Grant Morrison… Ele chamava de agregados emocionais… Falar por pulsos, explicar por vibrações, isso é foda de dizer. Mas acontece, é o tal vibe da noite. Todo mundo sabe quando a noite funciona. E não se explica. É um segredo que se guarda. We know that. É o tal TAZ, vem e vai. Ah, tem o (Frijof) Capra também… Um assimila o outro.
PLAY – Tamos falando de feeling, entao. A volta do instinto, depois da idade da razão…
Frota – Sei lá… A idade da razão valeu como “greve” para os deuses… Que nos tratavam como gado, saca? Uma revolucao francesa do espirito… Ai ,droga, parti pro abstrato. vamulá.
PLAY – Mas o povo não “perdeu” a revolução francesa?
Frota – Cara, isso é o que dizem… A revolução francesa serviu sim… Contrato social… Entre o povo e seus governantes… O foda é que as empresas cresceram e tomaram o poder do estado… As empresas não tem nem contratos com seus consumidores, e sim com seus acionistas. O Grant Morrison dizia – no final de Invisibles – que era Supercontext… A realidade TODA foi TÃO cooptada, tão idiotizada, todos os símbolos esvaziados, que só restava, slip out, era a única maneira de se manter true to your heart.
PLAY – E como é essa quebra que você está falando? É algo central ou metafórico, como o 11 de setembro?
Frota – O 11 de setembro foi foda. Sei lá, mais merdas. Como explicar por símbolos a morte do símbolo? É idiotice, é como caçar o próprio rabo… Nada nos prepara… A gente antecipa as coisas porque transforma em símbolos, cara. É idiotice pensar nisso. Vem mais boosters ae… As estruturas estao bem frágeis… O poder tá só na imagem… E cara, its real. it might hurt. nao é imagem, nao é espetáculo.
PLAY – Então o barato é cair fora. Hakim Bey como o novo Thoureau?
Frota – O Hakim Bey nao é bobo. Não quer ser mártir de ninguém. Em anarquismo tem o tal “pie in the sky”, os “ismos ” sempre te prometem o futuro… Ele cansou do futuro. Ele quer agora. Cadê?
Em Invisibles – de novo Invisibles- , os inimigos sao aqueles que nos mostram coisas que não conseguimos conceber com nosso paradigma atual. Criamos inimigos para inserir idéias alienígenas ao nosso paradigma – nossa estrutura de símbolos, pra dar sentido pressa porra toda. Obviamente, todos os inimigos serão assimilados. McLuhan dizia – e ele é FO-DA! mesmo quando não entendo, sei que tem sentido – que uma guerra é travada quando alguem rouba sua identidade e você precisa resgatá-la.
Se no fim do calendário maia, temos a morte do tempo, ou seja, podemos ir e voltar como quisermos, e isso mais cedo ou mais tarde será realidade, então podemos contar como se já estivessemos lá, não?
PLAY – E como ir? Como chegar lá? Tou perguntando do ponto de vista do leigo, do sujeito que está na frente de seu computador perguntando exatamente isso…
Frota – Você tá procurando um paradigma top-down, um call to arms para as pessoas se dirigirem em uníssono. Esqueça. Atualmente, o sistema só vê cabeças. Ele corta as cabeças, ele coopta as cabeças, ele metrifica pelas cabeças. Todo movimento será cooptado. Desista. A coisa é descentralizada, mesmo. É essa bagunca. Você é líder agora, amanhã nao mais. Better this way.
A esquerda tá dumbfounded porque perdeu o eixo, não tem slogan que centralize. E não terá. Todos os símbolos serão cooptados. Toda resistência será absorvida.
É que nem correr atrás do próprio rabo, I’m smarter than that. É isso. Sair da realidade. Para apreender por completo sua extensão, e poder traduzi-la em símbolos flawlessly. esse era o manisfesto racional, e acabou. Estamos envelopados na realidade, não podemos sair dela.
PLAY – A subversão da linguagem é um dos aspectos-chave da cultura pós-moderna. E aos poucos eles estão sendo usados pela massa com fins políticos…
Frota – Aaah sim, disinformation. Apropriação dos símbolos. Quem controla a metáfora governa a mente e EU quero o controle de minha própria vida, logo preciso cavalgar nas metáforas.
PLAY – A saida é criar realidades alternativas…
Frota – Sim, tá acontecendo. Clusters. As pessoas não vêem as realidades alternativas, obviamente, porque são alternativas. Querem poder olhar de longe, para daí então olharem uma E outra, do ladinho, sem se tocar, para daí se convencerem. E isso, como já disse, nao é possivel.
Não sei. Não entendo essa matemática. Ah, entendo sim. outro pensador: Manuel de Landa. Ele descrevia a geografia da matéria, dos genes, e dos memes. Em thousand years of nonlinear history. Dae, ele disse – e o cara é CÍNICO, SECO e ASSERTIVO, nada do blá-blá-blá espiritual-revolucionário dos outros – que até então o tráfego dos memes estava subordinado ao tráfego dos genes – culturas, yknow -, e o tráfego dos genes estavam subordinados ao da matéria – migrações, nações, yknow. Give or take, o tráfego dos memes estava subordinado a matéria. A internet “descolou” os memes da matéria. Do espaço. Ela segue, lenta e irreversivelmente, um caminho todo próprio. Suas próprias artérias. Seus próprios acúmulos. Seus próprios órgaos. got it?
PLAY – Mas as realidades alternativas não estão se convergindo?
Frota – Não é que tá convergindo ou divergindo… Tá se ordenando por uma nova lógica… Não subordinada ao espaço – talvez ainda subordinada ao tempo, mas com bons conjuracoes de zeitgeits, a gente chega lá.
PLAY – Mas a internet também liberou o ponto de emissão. Não seria o papel dos players confundir o status quo com suas realidades alternativas?
Frota – Você fala do tal one-to-many do broadcast para o few-to-few das comunidades, certo?
PLAY – Isso.
Frota – Hm, pode ser. Olha, não há centro. Há aqueles que se dizem detentores do centro e que por isso merecem nossa atenção (e que coincidência, eles são homens, brancos, heteros e cristãos, invariavelmente.
PLAY – Nao é o caso de dizer para estes q detém o poder que existem outras pessoas que detém ainda mais poder que eles?
Frota – Você só tem uma vida. E seu ponto de vista. EU quero navegar pelo sexto circuito de Leary, pq acho massa e sexy toda essa velocidade. Caguei pros outros. Você quer o quê? Confronto direto? Hyperlinks subverts hierarquies. Tu quer bater de frente com eles? As coisas tão se pulverizando, façamo-nos invisíveis. Você quer um clímax, neh? Revolution, bombas, explosões… 🙂 O sistema vai ser assimilado. Nós seremos assimilados por ele. Do lado esquerdo do cérebro o que classifica, você vê dois lados, o de cá e o de lá. Do lado direito do cérebro, o que amálgama, você vê… Que lado direito?
Essa de sistema, não sistema, eles contra nós… Plz, eles VÃO cair. É questão de tempo. E QUANDO caírem, Vai doer na gente também! So, why bother? Mas que a exceção se tornou a regra, isso é.
Só pra terminar: tudo o que falei é o que pensava há uns seis meses atrás. As coisas mudaram. Não sei mais o que pensar. O que seus leitores pensam? Na real: quais são as dúvidas deles?
Dá pra baixar aqui. E quem não conseguiu baixar a “Body Balanço“, tenta de novo.
‘- Às vésperas do iPhone
– “Esse documento não prova nada”
– À prova de crianças
– Existe sim uma cultura livre global
– Rumo ao Google
– Uma gostosa faz 10 anos
– Facebook no Brasil
– No coração do oráculo
– Antropologia celular
B
Está tudo bem acho que sempre foi assim
A
Nada pra sentir espero outro dia vir
B
Eu quero te ligar eu quero algo pra beber
A
Algo pra encher algo que me faça acreditar
C#m F# D#m E
Sempre ausente me faz sorrir
C#m F# D#m E
Sempre distante dorme aqui
B
Enquanto você se produz
C#m
Eu vejo o que não vê
G#m
Crescer para que?
E
Ser e esquecer
B
Eu corro contra a luz
C#m
Eu fujo sem entender
G#m
Vencer para quem?
E
Ser e esquecer
B
O rock acabou melhor ligar sua TV
A
Ela nunca está ela nunca vai entender
B
Gosto da sua saia assim vem deitar perto de mim
A
Verdade eu não me importo quero um amor que não sei mais sentir
C#m F# D#m E
Sempre ausente me faz sorrir
C#m F# D#m E
Sempre distante espere por mim
B
Enquanto você se produz
C#m
Eu vejo o que não vê
G#m
Crescer para que?
E
Ser e esquecer
B
Eu corro contra a luz
C#m
Eu fujo sem entender
G#m
Vencer para quem?
E
Ser e esquecer
Cansei duplo no Coachella, Ledão, Gal rediviva, tudo-é-vai-e-volta-á, musica binária, deu branco, Velvet, dudududadada, pau no super-homem, a filha do Stevie Wonder, os macacos mandando Amy, groove nação dos beasties, suspiro do Air e Cure clássico.
– “Supermercado do Amor” – Orquestra Imperial
– “You Know I’m No Good” – Arctic Monkeys
– “Trampled Under Foot” – Led Zeppelin
– “Oh! Sweet Nuthin'” – Velvet Underground
– “Writer’s Block” – Just Jack
– “Arrudeia” – Maquinado
– “Suco de Tangerina” – Beastie Boys
– “You Only Get What You Give” – New Radicals
– “Isn’t She Lovely” – Stevie Wonder
– “Just Like Heaven” – Cure
– “De Do Do Do De Da Da Da” – Police
– “Sexy Boy” – Air
– “Kryptonite Pussy” – Yo Majesty
– “Music is My Hot Hot Sex (Coachella 2007)” – Cansei de Ser Sexy
– “Let’s Make Love and Listen to Death from Above (Coachella 2007)” -Cansei de Ser Sexy