
Também faz uma cara que eu não atualizo aqui com as minhas colaborações pra Rolling Stone Brasil. Segue a entrevista com o Jack White – o CD novo dos White Stripes tá resenhado no próximo post.
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Operário do conceito
Entre o novo dos White Stripes e o próximo dos Raconteurs, Jack White fala sobre arte e trabalho
Por mais que as perguntas sejam as mesmas, Jack White não faz cara feia. Todos os assuntos abordados em qualquer entrevista com o líder do White Stripes já foram dissecados em diferentes pontos de vistas por entrevistadores de todas as categorias por todo o planeta. Mas ele trabalha, não reclama, e responde com disposição a cada pergunta, disposto a explicar-se, sem fazer-se difícil como outros que vieram antes dele. Entre o último dos White Stripes (o “estranho”, como ele mesmo rotula, Icky Thump) e o próximo dos Raconteurs, ele conversou sobre o jingle que fez para um comercial da Coca-Cola na Austrália, sobre interpretar Elvis Presley numa comédia (Walk Hard, paródia de cinebios como Ray e Johnny & June), sobre ser indie ou mainstream, internet e gravadoras e sobre seu próprio público.
Quando você começa a compor uma música, sabe se ela é uma música do White Stripes ou do Raconteurs?
O que acontece é que você não pensa muito durante esse processo, sabe? Você não pensa em como ela vai ser gravada, mas a música mesmo é quem dá um rumo para ela. Enquanto ela vai sendo composta é que é possível perceber se você vai colocar uma orquestra inteira ou gravá-la usando a velha guitarra num gravador com poucos canais. Você começa a escrever e escrever e no meio do caminho ela pode dizer que não é nem uma música do Raconteurs ou do White Stripes – pode ser uma coisa completamente diferente. Ou às vezes, logo no começo a música diz de quem ela é e que rumo você deve seguir.
Dá pra dizer que os Raconteurs têm um apelo mais pop, não?
O método de composição do Brandon dá às canções um certo apelo pop que eu não consigo fazer sozinho. Juntos conseguimos fazer músicas que possam soar mais contemporâneas ou mais focada no formato banda. É difícil estar numa banda com mais três pessoas. Com os White Stripes são apenas duas pessoas, nós conseguimos mudar tudo muito rápido, podemos fazer um show de um jeito num dia e outro completamente diferente no outro. Já os Raconteurs são uma banda de compositores, o foco principal é no método de composição, daí ter essa cara mais pop. Eu acho que faz sentido pensar na gente de uma forma mais pop, porque nós todos no Raconteurs já estamos nessa há muito tempo, uns quinze anos, viajando de van, tocando pra dez pessoas e por cem dólares no meio do nada, lançando tudo por selos independentes… Pra gente que compõe e toca, tudo isso é legal, mas se você chegar no final do dia e escrever uma música que fala com milhões de pessoas e que pode tocar na televisão, no rádio, em diferentes países, e mesmo assim falar com as pessoas… Isso é um objetivo para qualquer compositor ou intérprete. É isso que somos. Queremos escrever músicas que falem com as pessoas em uma escala muito grande, porque já gravamos discos independentes e EPs que ninguém consegue encontrar. Já fizemos isso.
Por outro lado, os White Stripes têm um apelo mais indie, meio projeto de arte…
Não sei! Tocamos essa semana pela primeira vez no Total Request Live da MTV, que é um programa muito popular nos Estados Unidos. Era a Rihanna, a Hillary Duff e os White Stripes, sabe? Essas músicas estão atingindo o público por mais estranhas que elas possam ser – “Icky Thump” é uma música muito estranha para ser tocada na MTV nos Estados Unidos. É algo que eu não consigo pensar.
Como talvez não tivesse ao imaginar-se fazendo um jingle pro comercial da Coca-Cola na Austrália…
Pra mim, escrever uma música para a Coca-Cola foi como se fosse uma afirmação sobre essas pessoas que se importam em ser cool e hipster, que se importam com estilo, que eu não tenho nada a ver com esse tipo de gente. Eu não quero ter nada a ver com eles. Eu amo Coca-Cola de verdade, não estou mentindo! E fiz o comercial porque eu quis! Eu não fiz isso por dinheiro, recebo ofertas como essa 15 vezes por semana, para escrever músicas para comerciais de carro, filmes, programas de TV… E isso tem tudo a ver com esses caras do underground, que são tão melhores do que todo mundo, esses roqueiros de garagem, porque eles sempre dizem que você deve fazer o que quiser e não se importar com o que as outras pessoas pensam. Foi exatamente o que eu fiz com essa música.
E falando em afirmar algo, você acaba de fazer o papel de Elvis Presley num filme: uma coisa é compor uma música para um ícone pop, outra é encarnar o próprio ícone…
(Ri) Não é um papel fácil de encarnar. Eu sou um grande fã de Elvis, como todo mundo devia ser, ele é um ícone brilhante. John C. Reily me chamou e perguntou se eu poderia fazer o papel dele durante alguns dias, e eu pensei que fosse uma coisa meio pra TV a cabo ou um filme alternativo, mas ele disse que ia ser um filme comercial. Foi muito engraçado, foi tudo improvisado. Na cena, o protagonista encontra o Elvis nos bastidores de um show em 1957 e ele também é um cantor iniciante. É só uma cena, mas eu não vi o filme pronto. Mas tentei fazer o melhor que pude!
Falando nisso, queria que você falasse sobre essa estranheza da música “Icky Thump”, que parece contagiar o disco inteiro…
Como eu disse, as músicas mostram o caminho que elas querem andar. Não é porque não tem guitarra em uma música que eu não vou colocar ela num disco do White Stripes, não tem nada a ver. Se acabou soando estranho foi justamente a forma que ele saiu. Não é premeditado. As pessoas pressupõe que tudo na gente é premeditado por causa da forma que agimos no palco, do jeito que nos vestimos, nossos encartes. Acham que a música também é encarada dessa forma, mas não.
E o próximo disco do Raconteurs?
Já temos 18 músicas gravadas e estamos finalizando. Já gravamos as bases das músicas e o som está muito forte, mas eu acabei de lançar o disco dos White Stripes então teremos até janeiro para terminá-lo. Só vamos lançá-lo no ano que vem.
Vocês lançam algum single antes?
Talvez iremos lançar algo na primavera (primeiro semestre de 2008), porque o disco deve ficar para o meio do ano. Eu queria poder lançar algo antes, mas estou muito ocupado, não consigo ter tempo para nada. Gravei coisas dos Raconteurs umas três semanas antes de sair na turnê dos White Stripes…
Você tem algum tempo livre?
Não (ri). Sempre muito ocupado. Eu não sei como consigo, eu simplesmente vou fazendo. É o meu trabalho, então sigo tocando como dá. Muitos artistas acham que quando eles ficam famosos, eles passam a agir como vencedores de reality-show, como se tivessem ganhado a loteria e não tivessem que trabalhar mais. E aí o trabalho deles fica sendo basicamente arrumar truques para manterem-se famosos, e isso não tem nada a ver com criatividade ou com arte. Isso é só preguiça.
Mas você concorda que aos poucos o público está percebendo isso?
As pessoas estão cada vez mais de saco cheio de pessoas famosas sem ter motivo, de músicas esquecíveis, e da rádio e da TV sempre martelando os padrões mais baixos de cultura e entretenimento o tempo todo… Quanto tempo isso pode durar? Eu não vou compactuar com isso, não deixo meus filhos assistir reality show ou esse tipo de música. É só um ruído. Mas acho que isso está mudando, porque as canções soul estão voltando ao topo das paradas. Ano passado tivemos “Crazy” do Gnarls Barkley; esse ano temos “Rehab”, da Amy Winehouse. As pessoas estão aos poucos exigindo músicas com mais alma, mas só temos uma dessas por ano. Devíamos ter trinta e todas na parada!
Como você vê a influência da internet na música de hoje?
Acho que coisas como o YouTube e o MySpace ajudam as bandas a terem um público maior, mas não quer dizer que se você jogar quatro macacos num estúdio eles irão compor o Sgt. Pepper’s, sabe? Deve existir uma certa dificuldade, sabe? Existe uma ética de criatividade, não é só ter uma página bonita no MySpace ou uma camiseta legal para ser um bom compositor.
Sites como MySpace ou YouTube não têm um impacto nesta geração semelhante ao que a MTV teve nos anos 80?
Eu não sei. Eu temo muito por essa geração por conta da perda do romance pela música. Eu temo pelos adolescentes que estão perdendo isso. Eu não me importo se eles baixam isso legalmente ou ilegalmente ou qualquer outra bobagem dessas. Quem se importa com isso? O ponto é que eles estão perdendo o ato romântico de comprar um disco de vinil e segurar uma capa enorme nas mãos e ser parte daquela experiência.
Mas as suas bandas têm muitos fãs adolescentes.
É, e eu gosto de saber que estamos oferecendo essa experiência para eles. Lançamos todos os nossos discos em vinil e todos os nossos singles saem em compactos. Em cada show do White Stripes você pode comprar um poster que só está à venda naquele show. Fazer parte da experiência. Não pra você clicar e comprar na Amazon, por exemplo.
Ou seja: os moleques querem algo e a indústria não sabe o que dar para eles.
Exato. Esse é o ponto em toda essa história. Eles sempre procuram onde eles podem tirar dinheiro. E ganhar dinheiro é conseqüência de um bom trabalho, não o contrário.