Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

Õ Blésq Blom – Titãs

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Por mais que a pecha de “banda de rock” caísse como uma luva para o octeto (principalmente após Cabeça Dinossauro), os Titãs nasceram no terreno fertilizado pela vanguarda paulistana do começo dos anos 80. E por mais que gritassem e fizessem barulho, nunca deixaram seu apreço pelo cabecismo em segundo plano – e foram terraplanando, disco a disco, a base para seu Grande Álbum de Arte. Este aconteceu no fim da década, quando Õ Blésq Blom colidiu sampler com rock naïf, country com sax, concretismo com niilismo, funk com pós-punk – e deu ao grupo seu ápice criativo. Depois, alguns integrantes deixariam o barco e a banda perderia de vez o prumo. E se antes apontava para o alto, estabilizou-se numa reta horizontal – levemente inclinada para baixo.

Ventura – Los Hermanos

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“Quem se atreve a me dizer do que é feito o samba?”, pergunta o vocal choroso de Marcelo Camelo, acompanhado de dois clichês da MPB de barzinho (a guitarra com acordes puxados e a bateria aro de caixa). Mas em menos de meio minuto o resto da banda engata uma batucada quadrada, indie de tão branca. É a contramão do samba-rock, o rock-samba inventado pelo antigo grupo de skacore no álbum anterior, O Bloco do Eu Sozinho. O tema parece indigesto (rock tocado como se fosse música brasileira), mas o quarteto, como no disco anterior, passeia desenvolto por um universo todo seu, em que Noel Rosa e Noel Gallagher trocam farpas entre descrições precisas de um cotidiano classe média e melodias memoráveis. Primeiro disco brasileiro a vazar na internet antes de seu lançamento (a contragosto da banda, que mudou até o título original, Bonanza), Ventura é o Lado B do Bloco e se aquele disco tinha tonalidades quentes do fim de um carnaval, o terceiro CD da banda vem com uma cor azulada do começo da noite e fim de madrugada. E em vez de uma lágrima, um sorriso.

Novo Aeon – Raul Seixas

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O Brasil não teve seu Elvis, Roberto Carlos era certinho demais para o papel e a jovem guarda era calcada nos filmes dos Beatles, não nos do monarca de Memphis. E do mesmo jeito que o nosso Mick Jagger usa saias (sim, Rita Lee), a persona de Elvis foi bater na porta de um baiano que entendeu o rock’n’roll como um baião arrogante, encontrando semelhanças – às vezes óbvias – entre Luiz Gonzaga e Robert Johnson. Seu sétimo disco pode não ter vendido tanto quanto os anteriores (Gita vendeu 600 mil discos, Novo Aeon, 60 mil), mas resume e refina o personagem que Raul criava: ególatra (“Eu Sou Egoísta”), inseguro (“Para Nóia”), hedonista (“A Maçã”), hippie (“Sunseed”), roqueiro (“Rock do Diabo”, “A Verdade Sobre a Nostalgia”), brega (“Tu és o MDC da Minha Vida”) e esquizofrenicamente brasileiro (“Caminhos”, “É Fim de Mês”). Mas é em épicos como “Tente Outra Vez” e a faixa-título em que mostra que tem sangue azul – e as palavras “rock” e “brasileiro”, aparentemente antagônicas, soam como uma só.

África Brasil – Jorge Ben

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Cada país tem o Bob Dylan que merece e o nosso tem seu auge no improvável meio dos anos 70, quando enfileira uma seqüência de discos do mesmo naipe da tríade Bringin’ it All Back Home, Highway 61 e Blonde on Blonde. Depois da psicodelia acústica de Tábua e do exorcismo ao vivo com Gilberto Gil, Ben larga o violão e assume a guitarra como instrumento de condução – num conjunto de canções de valor inestimável. “Ele chegou descontraído, chegou filosofando num tom de voz meio angelical”, apresenta-se em “O Filósofo”, pisando passos mais firmes e elétricos que os do mutante que atravessou os anos 60 entre a bossa nova, o tropicalismo e a jovem guarda. Syd Barrett com James Brown, Paulinho da Viola com Sly Stone – as metáforas mais estranhas ainda soam falhas pra definir o choque da cuíca, tamborim, apito e pandeiro com baixo, guitarra, teclado e bateria provocado por Jorge, escudado por cobras do naipe de Dadi, Wilson das Neves, Nenê, Djalma Corrêa e José Roberto Bertrami. Futuros standards de Ben como “Umbabarauma”, “Xica da Silva” e “Taj Mahal” (surrupiada por Rod Stewart, logo depois) convivem naturalmente com faixas que aproximam o groove black do terreiro afro e do morro carioca, como “Hermes Trismegisto Escreveu”, “Meus Filhos, Meu Tesouro” e “Cavaleiro do Cavalo Imaculado”, culminando com uma versão irrepreensível para “Zumbi”, rebatizada com o nome do disco. Voa, Jorge!

Cartola (1974) – Cartola

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Machado de Assis tinha pouco mais de trinta anos quando lançou seu primeiro livro e quase sessenta quando fundou a Academia Brasileira de Letras. Com Cartola foi o inverso – fundou a Estação Primeira de Mangueira com vinte anos de idade, mas só foi lançado em disco aos 65 anos. Ainda que tarde, fomos apresentados a um compositor do primeiro escalão do cancioneiro nacional e um cantor que encontrou a temperatura exata do calor familiar em seu timbre frágil e suave. Em seu primeiro LP, o velho Angenor de Oliveira exibe suas canções com o orgulho e a felicidade de um ourives apresentando jóias trabalhadas há décadas. E o repertório – inacreditável, como a execução – vale ouro.

Refazenda – Gilberto Gil

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Isso é a própria história da música popular brasileira que conhecemos por MPB: a festividade da dupla central da Tropicália sendo seriamente abalada pela prisão e posterior exílio na Inglaterra e a brusca transformação de Gil e Caetano em bardos da Bahia. A distância geográfica e emocional de sua terra-natal fez com que ambos atravessassem os anos 70 mergulhando em suas origens, em busca dos “Sugarcane Fields Forever” de suas juventudes. Em 74, Gil volta-se para o campo com ganas de Basement Tapes – desenterra referências caipiras e alinhava ritmos rurais ao mesmo tempo em que começa a lenta reinvenção de sua própria carreira – a fase “Re” (composta por Refazenda, Refavela, Refestança e Realce), em que ele constrói a persona que hoje tira onda de preto velho de terno e gravata: eloqüência, lirismo, percussão como ponto de partida, um violão preciso e uma voz impressionante (“Tenho Sede” é de chorar). Em Refazenda, vemos nascer este novo Gil.

Chega de Saudade – João Gilberto

Começo a postar aqui algumas resenhas que fiz pra edição dos 100 melhores discos da música brasileira que saiu na Rolling Stone com o Faustão na capa. Começando pelo clássico do João.

***

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“Mas eles são quatro e cantam em inglês”, ria Tom Jobim no Epílogo do escolástico Chega de Saudade, escrito por Ruy Castro em 1990. Naquele ano, conta o livro, a editora de direitos autorais BMI fez uma pesquisa para saber quais as músicas mais tocadas no mundo e sua “Garota de Ipanema” estava na quinta posição, atrás apenas de quatro canções dos Beatles – daí o motivo do gracejo. A brincadeira procede, mas por mais que “Garota de Ipanema” tenha sida apresentada ao mercado americano no mês seguinte à chegada de John, Paul, George e Ringo aos EUA (tanto a Beatlemania quanto a onda de bossa nova tomaram os Estados Unidos de assalto no primeiro semestre de 1964), ela não teria o mesmo impacto caso o velho maestro não tivesse conhecido João Gilberto.

Não é exagero comparar João Gilberto aos Beatles, pelo contrário. Ambos artistas inventaram o universo musical que habitamos hoje, criando amálgamas sonoros que moldaram os ouvidos da segunda metade do século vinte.

De Liverpool, no norte da Inglaterra, os quatro heróis britânicos ruminaram a música de rádio dos anos 50 (e não apenas o rock’n’roll, mas também soul, standards, doo-wop, rockabilly, country, surf music, folk e R&B) devolvendo-a ao resto do mundo como uma sonoridade sólida, coesa e autoral – que mais tarde o mundo chamaria apenas de “rock”. Sua grande sacada: reduzir todo o instrumental a duas guitarras, baixo e bateria e mesmo assim manter o som cheio e vibrante.

De Juazeiro, no norte da Bahia, nosso herói mascou o rádio dos anos 30 e 40 (e não apenas o samba, mas também jazz, músicas tradicionais, conjuntos vocais, samba-canção, música sertaneja, choro, música de fossa e o batuque) traduzindo-o para o resto do mundo como uma sonoridade igualmente sólida, coesa e autoral – que mais tarde chamaríamos apenas de “bossa nova”. Sua grande sacada: reduzir todo o instrumental apenas para seu violão.

Este é um caso à parte. Enigmático, cheio de acordes dissonantes e inusitados, seu violão reinventava a tradição rítmica brasileira ao atrelá-la à harmonia moderna para sempre. Enquanto a mão esquerda esticava-se para pressionar cordas distantes umas das outras, a direita recolhia-se quase fechada, com o polegar conduzindo o ritmo grave nas cordas mais grossas como um surdo de escola de samba e os outros dedos puxam as cordas mais finas, repetindo o toque do repique. Por cima, a voz.

Que voz. Nem rompantes de divas de jazz, lamentos dramáticos do samba-canção ou cantos bon vivant dos clones de Sinatra. João canta com a intensidade de quem conversa, calmo e sereno, deixando o som vibrar o mínimo possível.

Explorava vazios sonoros como Miles Davis começava a fazer na mesma época, mas não queria introspecção e sim tranqüilidade. Para isso, contou com Jobim na coordenação de seu primeiro disco, Chega de Saudade, quando posicionou estrategicamente as coordenadas de seu novo mapa: seis partes de novos compositores (Lyra, Bôscoli, Jobim, Vinícius), duas de Ary Barroso e uma de Dorival Caymmi, além de um tema quase religioso e duas quase instrumentais.

Os Beatles injetavam juventude, velocidade e brilho a uma cultura popular que descobria, fascinada, os poderes da comunicação global. João veio logo depois, pedindo calma, mas não como um bedel. Com seu violão, ele plantou a semente de uma árvore de silêncio, que se infiltrou no imaginário mundial e acompanha, discreta, a genealogia da música do fim do século. E se hoje não estamos berrando todos uns com os outros, culpe João.

Link – 10 a 17 de dezembro de 2007

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Domingo destruído

Depois do ótimo show do Phoenix ontem, resta passar o domingo largado…

Uma sexta-feira, um mashup

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