Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.
O dinheiro é a forma mais vulgar de comunicação.
Tava discotecando no Milo, no sabadão, quando uma carioca me deu a letra: “Se Ela Dança, Eu Danço, MC Leozinho, hit do verão”. Baixei e confimo: pegadinha no violão, atabaques na manha, irresistível letra soul brega, “Já Sei Namorar” do charm, entre o baile e a praia, perfeita pra esse 2006 que vem aí. Era tudo o que o Claudio Zoli devia ser ou o que o filho do Tim Maia devia estar fazendo. Deixa essa black music de butique pra Daslu e se joga pra geral. “Ela só pensa em beijar, beijar, beijar…”.
E mesmo com o úmero de titânio e quatro parafusos a mais, prevejo 2006 libertador adiante. Vai ser dolorido, vai ser tortuoso e a excitação abre espaço pra auto-análise e pra paz de espírito. Assim, o ano vai terminar bem melho que 2005, que teve tanta coisa legal, que agora que parou, fica essa sensação de vazio…
Ou é só comigo?
O novíssimo úmero de titânio e o servidor Mamooth me tiraram do ar justamente da semana de dez anos do Trabalho Sujo (é, começou no dia 28 de novembro de 1995). Por isso, perdi boa parte do conteúdo do site (eu e o cache do Google ainda temos a maior parte em nossos HDs) e duas discotecagens, na Funhouse e na festa da Peligro. Essa de hoje, como a tímida e torta volta do site, eu só perco se chover: Duelar com o Guab, no alto da naite, é sempre massa – seja nos discos ou só no papo-furado, quando só um dos dois tá no som. E eu inda vou dar um braço de vantagem pra ele e tocar só com uma mão. Vai ser divertido.
.mixtape.
dezembro2005@ Milo Garage
Rua Minas Gerais 203a. Higienopolis
a partir das 23h
(chegue cedo)
R$ 10 de entrada (R$ 15 dia 23)
sábados.1sexta.dezembro.2005
tel:3129-8027
djs:
03 – milo vs guab
10 – ana bean + matias vs guab
17 – +soma vs guab
23 – sp underground (granado e takara) vs guab
E, só pra lembrar o que eu falei lá embaixo: major changes ahead.
Abaixo segue o planejamento prum site sobre os anos 90. A idéia original era resenhar os principais 90 discos da década (idéia besta, mas prática) junto com parágrafos comentando características específicas da década dentro de um contexto pop/rock/Brasil. Os discos tão em ordem, os itens, não. Quem sabe um dia eu me empolgo pra fazer isso (não vai ser agora…), mas fica mais a título de curiosidade…
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22/10/00
1) Screamadelica
Internet
DJ
15/10/00
2) Nevermind
Simpsons
Alternativo
8/10/00
3) Blue Lines
Axé / Pagode / Sertanejo
Techno
1/10/00
4) Ok Computer
Kurt Cobain
Unplugged
31/9/00
5) The Chronic
Beastie Boys
Juntatribo
24/9/00
6) Odelay!
Ecstasy
Mangue beat
17/9/00
7) Check Your Head
R&B
A Volta dos Mortos-Vivos
10/9/00
8) Endtroducing
TV a cabo
Mistureba
3/9/00
9) Samba Esquema Noise
Remix
Ska
27/8/00
10) Slanted & Enchated
Geração X
Drum’n’bass
20/8/00
11) Dusk at Cubist Castle
12) A Sétima Efervescência
Soul Funk
“Pelé? Samba? SEPULTURA?”
13/8/00
13) Different Class
14) Emperor Tomato Ketchup
Spice Girls
Renato Russo
6/8/00
15) Deserter’s Songs
16) To Bring You My Love
Titãs
MTV Brasil
30/7/00
17) Achtung Baby
18) Bossanova
Britpop
Crack
23/7/00
19) Bloodsugarsexmagik
20) Fear of a Black Planet
Música latina
Politicamente incorreto
16/7/00
21) Homework
22) Baladas Sangrentas
O fim da banda de rock
Barulho
9/7/00
23) Loveless
24) Dig Your Own Hole
Racionais MCs
Abril Pro Rock
2/7/00
25) Dust
26) Electr-O-Pura
Björk
Turntablism
25/6/00
27) Play
28) Dr. Octagonologist
Pós-rock
Nova Paranóia
18/6/00
29) Moon Safari
30) Better Livin’ Throught Chemistry
Gabriel O Pensador
Matrix
11/6/00
31) Adventures Beyond Ultraworld
32) Parklife
33) In It For the Money
Trance
Radiohead
4/6/00
34) Pinkerton
35) Eu Tiro é Onda
36) Coming Up
Grunge
“Máfia do Dendê”
28/5/00
37) Grand Prix
38) Portishead
39) Songs for Drella
Carla Perez
Midsummer Madness
21/5/00
40) Spiderland
41) When I Was Born for the 7th Time
42) Pills’n’Thrills’n’Bellyaches
Mamonas Assassinas
Lounge
14/5/00
43) In the Aeroplane Over the Sea
44) Come On Die Young
45) Chaos A.D.
Hi-tech
Falcão
7/5/00
46) Descobrimento do Brasil
47) Cold & Bouncy
48) EP Jurassic 5
Big Beat
Maconha
30/4/00
49) Dig Me Out
50) Time Out of Mind
51) Soft Bulletin
Tomzé
C’est Chic
23/4/00
52) Sobrevivendo no Inferno
53) It’s An Out of Body Experience
54) Pre-Millenium Tension
MPopB
Pin Ups
16/4/00
55) Siamese Dream
56) Com Defeito de Fabricação
57) Samba pra Burro
Chico Science
Trainspotting
9/4/00
58) Afrociberdelia
59) There’s Nothing Wrong With Love
60) Downward Spiral
Lo-fi
General
2/4/00
61) Post
62) Gol de Quem?
63) O Dia em que Faremos Contato
Samba
Seinfeld
26/3/00
64) Alien Lanes
65) New Forms
66) Psyence Fiction
Indie
Gangsta rap
19/3/00
67) Millions of Now Living Will Never Die
68) 36 Chambers
69) Every Good Boy Deserves Fudge
Leonardo Pareja
Punk Pop
12/3/00
70) Last Splash
71) O Que Diriam os Vizinhos?
72) Munki
Anos Fernando
Anos 70
5/3/00
73) Gentlemen
74) Elastica
75) Second Thoughest of Infants
DOOM
Rave
27/2/00
76) Extra Width
77) World Clique
78) Ladies & Gentlemen We’re Floating in Space
Dust Brothers
Nerd
20/2/00
79) Rage Against the Machine
80) If You’re Feeling Sinister
81) Definely Maybe
Casseta & Planeta
Trip hop
13/2/00
82) Angel Dust
83) Mestre Ambrósio
84) Low End Theory
Sexo para todos
Resgate da melodia
6/2/00
85) In the Meantime
86) Timeless
87) Raimundos
Novo metal
AIDS
30/1/00
88) Dookie
89) Ê Batumaré
90) Ten
Raimundos
Pulp Fiction
Tudo ou Nada era uma coluna que eu fazia entre 98 e 99 para diferentes veículos online: o site London Burning e o mailzine CardosoOnLine eram dois que a reproduziam. Segue um exemplo, er, “rápido”.
***
Vocês estão prontos para o Dia 1?
1º de janeiro do ano 2001 será mais importante do que muita gente pensa. Enquanto muitos esperam o início dos novos século e milênio (como se isso fosse mudar algo na vida de alguém), técnicos, executivos, programadores, jornalistas, internautas, telespectadores, comunicadores, acionistas, diretores, presidentes e outros formadores de opinião roem as unhas de ansiedade. Esperam o réveillon mais aguardado do ano por um simples motivo ligado à tecnologia. Não, não é o bug.
O primeiro dia do ano que vem foi escolhido pelo novíssimo gigante do mercado de infotainment (informação + entretenimento), a AOL Time-Warner, para marcar o início de suas atividades. Batizado simples e taxativamente de “Dia 1”, a data marca o que muitos acreditam ser o começo de uma nova era. Não é para menos. Afinal, a publicidade em torno do “Dia 1” começará ainda neste semestre, perguntando-nos se estamos prontos para ele. À medida que a campanha criará uma expectativa sem precedentes no planeta, ela desvendará alguns segredos que o monstro empresarial prepara para o nosso futuro.
A célula deste novo organismo é um aparelho chamado Info. O Info padrão, usado como símbolo da nova mudança, lembra aqueles antigos aparelhos de televisão que eram o próprio móvel, com uma enorme caixa de som abaixo da tela e pés de cômoda. Existem vários modelos de Infos – portáteis, de pulso, de colo, de bolso, recarregáveis -, mas o modelo standard é o ícone da nova mudança. A princípio, o aparelho impressiona pelo design: uma tela de quarenta polegadas na frente de um enorme alto-falante num console prata de um metro de largura por um metro e vinte de altura.
Tanto som quanto imagem ultrapassam os conceitos atuais. Com micro caixas de som espalhadas por seu corpo, o aparelho tem 32 diferentes canais de som, que podem proporcionar sensações muito próximas ao som real. A imagem é perfeita: são 15 mil linhas de definição projetadas sobre uma tela plana, que fica por trás da tela real, também plana. Com duas telas superpostas, podemos ter a sensação de profundidade em qualquer imagem projetada. Juntos, imagem e som (ambos digitais), derrubam qualquer home-theater existente no mercado.
O aparelho sequer funciona à energia elétrica. Para ligá-lo, basta plugar a toma a um fio que a própria AOL Time Warner deverá fornecer. Se você tem TV a cabo, não se preocupe: com o projeto de compra de todos os “pequenos” (lembre-se do tamanho da operação que estou descrevendo) retransmissores de TV a cabo no mundo, basta solicitar o Info à sua própria provedora e ele estará instalado em sua casa – por meros US$ 50! E pronto: você não precisa pagar mais nada para receber os benefícios do Info.
O controle remoto é do tamanho de uma agenda eletrônica e, como tal, tem teclado alfanumérico. Mas para operações mais simples (como mudança de canais e manipulação do som), um outro artefato surge para facilitar a vida de todos: o Strap-it É uma simples tira de borracha que se adapta a qualquer mão adulta (sim, eles têm modelos infantis e para deficientes físicos): na palma da mão, um pequeno sensor identifica seus comandos e os reproduz na tela, como um mouse acoplado à sua mão.
A chegada do Dia 1 será comemorada com um enorme show de 24 horas que marcará o primeiro dia. A partir de Sidney, na Austrália, o mundo inteiro poderá acompanhar um megashow mundial disposto a transformar o Live Aid em papo furado. Serão 24 cidades escolhidas ao redor do mundo para recepcionar, em cada um dos fusos horários do mundo, a meia-noite do dia 1º de janeiro do ano que vem. Em cada uma destas cidades, a megaempresa construiu um enorme ginásio de fibra de vidro (todos poderão ser montados em menos de duas semanas).
Serão 48 horas de show em cada uma das 24 cidades. As 23 primeiras horas terão apresentações de circo, mágicos, personalidades dos países-sede e outras comemorações, sempre com um enorme relógio que contará os segundos para a chegada do grande dia. Em vários pontos do ginásio, os primeiros Infos entrarão em ação pra valer, transmitindo os shows nas várias partes do mundo. Na grande hora, um artista de peso mundial fará um show inédito cujo tema será o início de uma nova era. O grupo AOL Time Warner tem como empregados gente como Ol’ Dirty Bastard, Missy Elliot, Red Hot Chili Peppers, Cornershop, Cibo Matto, Sensefield, Stone Temple Pilots, Ween, Third Eye Blind, Deftones, Mr. Bungle, Pantera, Atari Teenage Riot, Prodigy, Kid Rock, Raimundos, Filter, Paula Cole, Hootie & The Blowfish, Tori Amos, Everything But the Girl, Eric Clapton, Echo & the Bunnymen, Kronos Quartet, Jose Carreras, AC/DC, Metallica, Robyn Hitchcock, Gilberto Gil, Busta Rhymes, Buena Vista Social Club, Lil’ Kim, X, Ministry, os Simpsons, Better Than Ezra, Natalie Merchant, Cure, Rod Stewart, Son Volt, Cher, Sugar Ray, Rush, Quad City DJ’s, Alanis Morrisette, B-52’s, Seal, Nick Cave, Towa Tei, Stereolab, Cesaria Evora, Flaming Lips, Björk, Bad Religion, Junior M.A.F.I.A., Crosby, Stills, Nash & Young, Quincy Jones, South Park, Van Halen, Genesis, Fountains Of Wayne, Soul Coughing, Robin Hitchcock, Brandy, Madonna, Steel Pulse, R.E.M., Depeche Mode, Enya, Built to Spill, Café Tacuba, Kris Kristofferson, Collective Soul, Timbaland & Magoo, Fleetwood Mac, John Fogerty, Superdrag, Paul Simon, Goo Goo Dolls, Lemonheads, Baby Bird, Jimmy Page & Robert Plant, Kid Loco, Philip Glass, k.d. Lang, Dimitri from Paris, Green Day, Pet Shop Boys, Chris Isaak, Latin Playboys, Joni Mitchell, Paul Oakenfold, Lou Reed, Wilco, Neil Young, Gipsy Kings, Matchbox 20, entre outros, e todos farão parte da festa, fazendo o show que querem, convidando os artistas que bem entendessem, culminando com um festival de 24 horas de duração, durante todo o Dia 1.
Quem estiver frente ao Info terá uma noção da revolução pela transmissão dos shows. Qualquer aparelho pode localizar qualquer show em qualquer uma das vinte quatro festas no mundo, desde que este já tenha acontecido. Uma vez no show, pode-se escolher as diferentes câmeras que o registram, focalizando tanto apenas o vocalista quanto todas as câmeras ao mesmo tempo. E você achava que 40 polegadas era exagero.
Abaixo da tela, uma outra tela preta, menor e mais horizontal, traz as últimas notícias da megafesta, intercalando-as com outras notícias do mundo, que podem ser vistas a um simples toque. Sempre que algum artista estiver numa entrevista coletiva o espectador será avisado, caso requeira essa opção. Basta cadastrar-se e você assiste à entrevista, podendo até mandar perguntas para o artista ou comprar objetos e peças de roupa usadas no show.
Não precisa se preocupar em gravar: para o usuário do Info, videocassete é coisa do passado. Basta chamar o canal localizador e digitar algumas palavras-chave para que você seja apresentado a todos os itens relativos ao tema: de shows a videoclipes, passando por discos inteiros, sites de fãs, filmes, participações especiais em programas alheios, entrevistas, resenhas, comentários, curiosidades, fotos e toda infinidade de informações sobre os itens especificados.
Quer assistir a um filme? Não precisa mais programar o vídeo para gravá-lo. Basta descobrir seu código no canal de filmes (ou através do canal localizador) e começar a assistir. Sem comerciais! Tocou a campainha? Dê pause, ué, como em seu videocassete. Precisa sair? Adicione o filme a Favoritos e saia. Quando voltar, basta retornar no ponto que parou. Não lembra o que estava acontecendo? Rebobine o filme, ora.
O mesmo vale para as partidas da NBA, os campeonatos europeu, sul-americano e asiático de futebol, o SuperBowl, finais de torneios mundiais, olimpíadas, Copa do Mundo, o diabo. Um toque e o replay em câmera lenta, em todos os ângulos, com todas as câmeras. Você pode até pedir um tira-teima pra saber a velocidade que o jogador cuspiu no chão. Aliás, você pode pedir um tira-teima para saber a velocidade que o artista do show do réveillon cuspiu no chão. Até nas novelas você pode pedir um tira-teima – que, no caso, pode revelar o making of. Falando em making of, pra quê esperar o Video Show separar os erros de gravação se todo programa traz isso em si, como se o programa fosse um site e, ao mesmo tempo, um DVD?
Um pontinho no canto direito superior do Info é uma microcâmera digital. Através dela, você pode se comunicar com qualquer pessoa que possua outro Info (os “infonautas”), contanto que você saiba o código dele. E passar a tarde toda de papo furado com amigos de todo planeta, enquanto assistem a diversos shows. Quer ficar pelado enquanto conversa com o pessoal? Desative a opção “videofone” e converse só com o áudio. Sua voz é feia? Use o controle remoto/teclado, pois. E se você está apressado para sair enquanto assiste TV, clique na opção “mirror” e a tela do Info vira um espelho.
Mas a câmera não serve apenas para a simples comunicação. Você pode adquirir o Infoing, uma mini-ilha de edição portátil que funciona também como câmera. Filme sua família nas férias, selecione a opção My Info e despeje o filme no canal. Você pode disponibilizá-lo para todas as pessoas que têm acesso ao Info, restringir o acesso com uma senha (assim você pode mostrar seus filhos aos seus pais, que moram do outro lado do país) ou limitar à sua própria audiência. Você pode fazer isso com filmes caseiros ou profissionais, divulgando seu trabalho ou lazer para quem você quiser. O mesmo vale para músicas (também registradas no Infoing, que funciona como uma miniestúdio também), artes plásticas, publicidade e qualquer outro tipo de manifestação artística. O grupo AOL Time Warner tem a intenção de incentivar as pessoas a criar e produzir, superlotando seus próprios arquivos de preciosíssimas informações (de dados e gostos pessoais a correspondência eletrônica, movimentação bancária, fotos de família etc).
Isso é só pra assustar. Tudo ficção, mas dá pra ter uma noção do que vem por aí. Parece que só agora ligaram a internet, que antes era só ensaio ou teoria. Com este futuro “Info” todo aquele mundo prometido pela rede quando ela chegou em seu primeiro auge (cerca de 1995) parece pronto para acontecer. Dá pra passar duas horas falando do que pode acontecer quando a televisão encontrar com a internet: já tem gente falando no fim do conceito de shopping center, pois até o comércio tradicional vai ficar obsoleto com esta mudança. Todo mundo que quiser sobreviver no novo capitalismo infonauta terá que pular na internet e fazer a diferença. É aí que entra o “novo Iluminismo”, um conceito criado pelas grandes corporações para fazer com que o consumidor não se sinta passivo: pelo contrário, neste novo momento do capitalismo irá criar personalidades, pop stars, cientistas, artistas e gênios que nunca saem de seus quartos. Cada vez a vida real vai se tornando virtual.
Por isso, domingo de manhã, sol lá fora: vá dar uma volta. Sai da frente desse computador. Respira um ar novo: ar novo é o que não falta.
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Se você gosta de Beastie Boys e chacoalhou o esqueleto com o último disco do Beck, compra o disco dos mexicanos do Titan, que acabou de sair no Brasil. Na capa de Elevator, o tal disco, tem um som 4 em 1 (com carrossel de 3 CDs) em cima de uma televisão. Grooveseira pesada e setentona, instrumental, retrô e plena durante todo disco.
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Tudo indica que o selo carioca Tamborete Entertainment deverá assinar com os noise rockers do Wry. E algo me diz que, caso isso ocorra, a banda pode se tornar um dos maiores nomes do rock independente brasileiro. Acho que ao apresentar a fórmula guitar band para um público fiel como o de hardcore pode causar um estrago considerável.
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O Astromato, de Campinas, tá com fita nova e já tem planos para as gravações do primeiro CD. Pop daquele jeito e cantando em português, o grupo tem chance no mercadão.
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A Face do mês passado traz uma matéria sobre uma droga que eles chamam de “ya ba” (com um ótimo título: “ya ba dabba doom”) e que está sendo temida como o próximo crack. Calma, não é algo tão novo assim: o ya ba é, na verdade, a temível metanfentamina, também conhecida como “crystal meth”. Uma espécie de remédio de farmácia ultrapotente, a metanfentamina te deixa ligado por três dias seguidos e seu uso contínuo torna a pessoa mais violenta e uma das alucinações mais freqüentes são besouros que andam por baixo da pele, fazendo com que o sujeito rasgue a própria pele. Não precisa nem dizer que vicia, né? A chamada da matéria dá o tom do bagulho: “Os nazistas usavam-no para abastecer suas tropas. Você pode fazer em casa usando ácido de bateria e removedor de manchas. No Arizona, inspirou um homem a decapitar seu filho”. Era só o que faltava.
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A mesma Face cita Coppola numa matéria sobre filmes feitos em casa: “A grande esperança para mim é que, agora com essas câmeras de 8 mm saindo, pessoas que normalmente não fazem filmes irão fazê-los. O chamado profissionalismo cinematográfico será destruído e finalmente teremos uma forma de arte”. A entrevista é de 1990. Qualquer semelhança com aquele papo de “novo Iluminismo” não é mera coincidência.
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Tive o novo disco dos Smashing Pumpkins na mão, ouvi e não me dei ao trabalho de gravar. Chato pacas. Vou esperar sair no Brasil…
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Próxima quarta-feira (26) tem Butchers’ Orchestra com Autoramas na Borracharia, em São Paulo. Não dá pra perder.
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Nesse mundo de informações paralelas, algumas são tão mainstream que passam batido. Saca a Melissa Etheridge? É uma espécie de Cássia Eller country americana, que é casada com uma mulher e tem duas filhas de pai desconhecido. Pois é, sabe quem é o pai das filhas dela? Deu na capa da Rolling Stone: David Crosby! Isso mesmo, aquele bigodudo gordo do Crosby Stills Nash & Young, que disse, na reunião do grupo no fim do ano passado, que “desta vez estarei acordado”.
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Se você seguiu o conselho e não comprou o Breakbeat Era importado, se deu bem: saiu pela RoadRunner no Brasil, com caixinha de papelão e tudo mais.
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Tá começando a circular via email uma notícia que diz que a Copa de 2002 vai acontecer mesmo no Brasil. Parece que tem jornal grande (um americano e um italiano) fuçando naquele papo que o Brasil vendeu a copa passada pra garantir a próxima. O email diz que nos próximos meses a Fifa vai anunciar que as Coréias não têm condição de segurança de sediar um mundial e apontará o Brasil – porque o Mundial de interclubes acabou de acontecer por aqui – como próximo país-sede. O que explica porque depois deste mundial ainda tinha técnico da Fifa no Brasil, verificando os campos do Atlético Paranaense e do Bahia…
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Mas por que raios venderam a copa passada? Porque a França tava na maior merda de desemprego da história deles e o mundial levantou a moral dos caras. E porque a reeleição daquele camarada já havia sido garantida com o fim daquele lei que proíbe o uso da “máquina”. Brincadeira…
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Júpiter Maçã foi pra Inglaterra e deve voltar de lá com contrato assinado…
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Uma colega de trabalho de um amigo meu, do alto de sua ingenuidade, soltou a pérola sobre a nova música do Oasis: “Eu só ouvi essa música uma vez e já não suporto mais!”. Na mosca.
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Disco redescoberto da quinzena: Wild Honey, dos Beach Boys, 1967. Média perfeita entre Burt Bacharach e Stevie Wonder, num outro momento em que Brian Wilson e família chegam próximos da perfeição.
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Como diriam os Beastie Boys, os Doors, os Half Japanese, as Spice Girls, o Accept, Van Morrison, os Bar-Kays, Henry Rollins, Roy Ayers, Neil Diamond, os Buzzcocks e o Yello: “Do it”.
Stooges, protopunk e cena paulistana de roque, pra capa de uma Rockpress das antigas.
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Stooges contra tudo
Algo aconteceu no final dos anos 60. Uns culpam conjunções astrais, outros a era de ouro do capitalismo – o certo é que os hormônios da sociedade ocidental estavam em plena ebulição, uma menopausa às avessas que o planeta parece sofrer de cinqüenta em cinqüenta anos. A guerra do Vietnã servia de pretexto para uma geração inteira abandonar as regras impostas por seus pais e professores e descobrir formas próprias de cair fora do sistema. Os movimentos feministas e pró-direitos civis ganhavam força em nível mundial, ao mesmo tempo em que a América Latina sucumbia a seu período de ditaduras militares. A África vivia o ápice do processo de descolonização enquanto alunos matavam pais e professores com respaldo de Mao, na China. Tempos difíceis e interessantes, o mundo caía em uma dicotomia que abriu uma vala entre duas ideologias políticas e dois modos de vida, tendências cujas seqüelas ainda sofremos até hoje.
Mas os Stooges não se importavam. Para eles, era pouco. Como se as mudanças que o mundo atravessava fossem mais uma pequena amostra do poder de transformação do que uma mutação definitiva. As coisas ainda estavam inteiras, a raiva ainda estava contida, o máximo que víamos eram duelos entre estudantes e polícia, pouquíssimos contra-atacaram com a mesma violência do sistema. Faltava destruição. Com o mundo dividido em dois, quase toda intelectualidade migrou para o lado não-capitalista da disputa – mas poucos pegaram em armas. Muito foi dito e escrito sobre os anos 60, mas foram poucos que foram lá e deram o próprio sangue.
James Osterberg não havia dado sangue até a metade de 1966. Até então, apesar de considerado um dos melhores bateristas entre a turma de adolescentes da minúscula Ann Arbor, subúrbio de Detroit, no estado americano do Michigan, ele ainda era um moleque comportado, que estudava para as provas, vestia-se bem para paquerar as garotas e morava com seus pais num trailer. Foi a música quem o obrigou a entrar em contato com os irmãos Asheton (Ron e Scott) e seu amigo Dave Alexander. Estes três tocavam em diferentes bandas da cidade e eram conhecidos na vizinhança por sua fama de arruaceiros – quando ser roqueiro significava andar fora da linha. Em 1965, Scott e Dave venderam suas motocicletas e foram para a Inglaterra, “ver os Beatles em Liverpool”. Não deu certo, mas assistiram a shows memoráveis, como o único show do Who no Cavern Club. Vendo a excitação dos ingleses e a facilidade que eles tinham para fazer músicas e shows, os dois voltaram para o meio-oeste americano prontos para montar sua própria banda.
O mesmo havia acontecido com James, que saiu de Ann Arbor em 66 por recomendação do guitarrista Mike Bloomfield, que o baterista tinha ido adular após um show da Paul Butterfield Band em Detroit. Conhecido por Iggy por ter mantido o apelido de sua antiga banda (The Iguanas), ele foi para Chicago encontrar o verdadeiro blues. Passou a percorrer a periferia barra-pesada daquela cidade, onde era o único branco a freqüentar os shows. Mas logo havia percebido o melhor daquela música – deixar que ela saísse naturalmente, como a extensão natural de seus sentimentos.
Foi um baseado fumado às margens de uma estação de tratamento de esgoto que fez com que Iggy visualizasse seu futuro. “O lance é tocar meu próprio blues simples”, pensou enquanto experimentava maconha pela primeira vez, sozinho. Maquinava aquelas idéias quando foi ao primeiro show dos Doors em Detroit. Na platéia, a multidão só queria ouvir a banda que havia gravado “Light My Fire”. No palco, Jim Morrison cantou o show inteiro em falsete, provocando a platéia. Iggy não se aguentava, Jim fazia o que ele achava que devia ser feito, confrontava o público ao mesmo que o seduzia. “Se esse cara pode fazer isso, eu também posso”, pensava enquanto sorria vendo o grupo à sua frente, “E tenho de fazer agora, não posso esperar!”
Quando Iggy encontrou os irmãos Asheton, a explosão foi imediata. Tudo que eles queriam fazer era liberar aquela energia adolescente confrontando o público, despejar o triplo de vibração que sentiam com mais agressividade e violência. “Vamos por Dave Alexander pra tocar baixo, eu pego a guitarra e meu irmão toca bateria em qualquer coisa que dermos pra ele”, disse Ron Asheton, que logo perguntou o que Iggy faria. “Não se preocupem: farei algo”.
Quando encontraram Iggy, ele estava com as sobrancelhas raspadas, papel alumínio na cabeça e vestido num enorme macacão branco. Os irmãos Asheton começaram a rir quando o viram e lembraram de um vizinho chamado Jim Pop, um débil mental que raspava os pelos do rosto. Entre risadas, começaram a chamá-lo de Iggy Pop. Pegou.
Horas depois, estavam no palco do Grand Ballroom, em Detroit. Um ruído insuportável saía das caixas de som antes mesmo da banda subir no palco – era um liquidificador plugado na mesa de som. Logo depois, deram início a uma rotina de destruição cênica e sonora que se tornaria clássica com o tempo. Ron Asheton tocava sua guitarra ao lado de um aspirador de pó, que grudava no microfone sempre que largava seu instrumento. Iggy sapateava sobre uma tábua de lavar roupa devidamente microfonada, enquanto Scott martelava (literalmente) dois enormes galões de óleo. A grande maioria do público odiou aquilo e Iggy vomitava sua raiva incontida sobre aqueles que ficaram para vaiar. Entre os poucos felizes com aquilo estava o líder hippie John Sinclair, que mais estava cooptando outra banda de Detroit (o MC5) para clamar sua revolução à americana:
“Era uma porra tão real que era simplesmente inacreditável. Iggy não se parecia com nada já visto. Não era como uma banda, não era o MC5, nem Jeff Beck, como não era coisa nenhuma. Iggy criou um número hipnótico psicodélico como pano de fundo para suas palhaçadas na linha de frente. Os outros caras eram literalmente escadas (stooges) para suas palhaçadas. Eles apenas deixavam aquele tremendo zumbido rolar, como compassos dementes. Estavam tão perto da música do norte de África quanto do rock. E lá estava Iggy, dançando como se Esperando Godot tivesse virado um balé. Ele não era Roger Daltrey, se você entende o que eu digo”.
Danny Fields, o maluco que a gravadora Elektra contratou para descobrir novos talentos, também ficou impressionado com o primeiro show que viu do grupo: “Era 22 de setembro de 1968. Não posso minimizar o que vi no palco. Nunca tinha visto ninguém dançar ou mover-se como Iggy no palco. Nunca tinha visto tanta energia atômica vindo da mesma pessoa. Ele dançava movido pela música, como são os grandes dançarinos. Era a música que eu havia esperado minha vida toda para ouvir”.
Fields conseguiu um contrato para o grupo após Iggy Pop mandá-lo pastar quando foi procurá-lo atrás do palco. Não que Pop rejeitasse a idéia de um contrato – simplesmente não acreditou que aquele sujeito fosse de uma gravadora. Quando o dono da Elektra, Jac Holzmann, os chamou em sua sala e perguntou se eles tinham material para compor um álbum, a resposta foi positiva. Mas era mentira – tinham apenas três músicas próprias e compuseram o resto do primeiro álbum no final daquele dia.
Stooges, o primeiro disco do grupo, foi gravado por John Cale por indicação de Danny Fields. Cale havia acabado de sair do Velvet Underground e Fields deu-lhe a oportunidade de fazer algo ligado ao rock, já que este parecia disposto a voltar à música de vanguarda. Quando o grupo começou a tocar no estúdio, com amplificadores no último volume, Cale acabou com a alegria do grupo. Não dava pra gravar daquele jeito e os Stooges ficaram putos com ele. Apesar da negação, Cale queria que o grupo soasse alto e sabia que este recurso se consegue com uma boa produção – tocar ao vivo no estúdio não funcionava, fazia o som soar capenga. A contragosto, eles gravaram baixo. E o entusiasmo do grupo seguiu o volume. Por isso o primeiro disco do grupo não tem a energia que eternizada por sua reputação. Mas lá estão os clássicos: “I Wanna Be Your Dog” é o antiblues, pedindo pelo sofrimento; as monumentais “1969” (“outro ano pra você e eu/ Outro ano sem nada pra fazer”) e “No Fun” são hinos à apatia de uma adolescência sem transformações; “We Will Fall” e “Ann” cambaleiam como gigantescas rochas que prenunciam uma avalanche e esta vem com “Little Doll”, “Not Right”, “Real Cool Time”…
Mas o impacto do disco de estréia não seria sentido no vinil. Em sua primeira turnê, o grupo definiu o limite que o grupo tinha frente ao excesso: nenhum. Ao ir para Nova York, tudo estava perdido. Uma platéia de intelectuais e foras-da-lei foi seguidas vezes aos quatro shows que o grupo deu em sua estada na metrópole. Lá, tinham tudo à disposição: mulheres, drogas, bebidas, moral e dinheiro.
A colisão do pequeno grupo caipira com o bas-fond nova-iorquino foi fulminante. Na primeira apresentação, Iggy entrou no palco e vomitou na platéia. Na segunda, jogou-se sobre o público e caiu sobre Johnny Winter, que estava ao lado de Miles Davis. Este riu à beça da performance do grupo e convidou-o para cheirar uma montanha de cocaína em seu apartamento, para depois sair por Nova York elogiando o trabalho do grupo. Iggy atirava coisas na platéia, que atirava de volta. Ácidos, baseados e picos davam lugar às refeições. Era o caos.
Mas a recepção era boa – coisa que não aconteceu quando o grupo continuou sua turnê. Na maior parte dos lugares em que tocaram, o público em geral reagiu mal e quase sempre os shows acabavam em confusão – vários em briga, a banda no braço com o resto da platéia. Ao mesmo tempo, iam se envolvendo com heroína. Mas era Iggy quem fazia a diferença – lambuzava-se de pasta de amendoim e jogava-se sobre o público, cobria-se de tinta, vomitava, rolava sobre cacos de vidro, comia hamburgueres de boca aberta, deixando pedaços de carne mastigada rolar pelo peito nu. E ameaçava o público. Xingava, provocava, puxava para a briga, entrava na platéia socando, misto de mosh com pogo antes dos dois terem sido inventados.
Para o segundo disco, Funhouse (batizado em homenagem à casa em que moravam), não havia outra forma de gravação – o grupo estava tão destroçado que só conseguia tocar como se fosse um show. Convocaram o saxofonista Steve McKay para tapar os buracos de algumas canções e gravaram tudo ao vivo. Para a produção, foi chamado o mesmo Don Gallucci que assistiu os Troggs gravarem “Louie Louie”. O disco abria com a brutal “Down on the Street”, que não esperava nem um minuto inteiro para explodir o som rumo ao espaço. Tudo caía aos pedaços, como escombros após uma explosão – mas com a firmeza e pulso característicos do rock’n’roll. “Loose”, “T.V. Eye”, “Dirt”, “1970”, “Fun House”, até a apocalíptica “L.A. Blues”, que destroçava o resto de música que existia no disco ao elevar o sax de McKay aos limites ignóbeis do free jazz.
Depois disso, o grupo acabou. Foi dispensado pela gravadora (mesmo com o próximo disco – Raw Power – composto), caçado pelo imposto de renda, pela polícia e por um grupo de traficantes com que Scott havia se metido. Após um acidente com um caminhão que destruiu uma casa, uma ponte, o caminhão e todo equipamento alugado pela banda, entraram numa paranóia sem limites e transformaram a antiga funhouse num bunker antimotoqueiros. Com o dinheiro da venda de drogas, compraram armas pesadas e ficaram à espera de inimigos que não vinham. Com aquela quantidade de armas e nada pra alvejar, destruíram a própria casa com tiros de grosso calibre.
Com o fim, o grupo tornava-se uma lenda. Mas não havia mais para onde ir. O dia seguinte da primeira vinda dos Stooges não deixou pedra sobre pedra e o grupo não teve outra opção senão voltar para suas próprias casas. Na formação, um racha: Dave Alexander havia sido demitido por Pop depois de uma balada baixo astral. E um elemento alheio havia se infiltrado na cúpula do grupo – James Williamson é descrito como “uma nuvem negra baixando nos Stooges” pela irmã dos Asheton, Kathy. O que, em se tratando do grupo, só tinha um sentido.
Mas a sorte continuava sorrindo para eles quando David Bowie os descobriu do outro lado do Atlântico. Começa a ser um nome de sucesso, devido às suas entrevistas francas e hits comportados, mas ele queria mais. Através dos discos dos Stooges e do Velvet Underground, Bowie descobriu uma América do contra, um submundo de perversão e corrupção que parecia ser o único lugar que permitiria (como mais tarde permitiu) a melhor música daquela época existir, num país careta daqueles. E o imaginário de sexo, drogas e destruição que tanto Iggy Pop quanto Lou Reed descreviam em suas canções era perfeito para uns bons meses de farra.
E assim aconteceu: Bowie foi para os Estados Unidos, catou Iggy e Lou, e resolveu se esbaldar. No meio da baladaça, perguntou se Iggy queria reformar os Stooges e James Williamson deu seu jeito de entrar na história, armando um disco gravado na Inglaterra. Todos estavam tão chapados de todas as formas que Iggy esqueceu de avisar aos Asheton, que vinham acompanhando toda a zona desde o começo. A chegada de Bowie à América causou um tipo de comoção às avessas, uma vez que a parte suja dos Estados Unidos que queria deslumbrar o astro inglês com aquilo que ele vinha procurar – fartura de realidade e reputação junto à rua.
Iggy e James voaram para a Inglaterra, onde, depois de tentar várias músicos, chamaram os irmãos Asheton para o baixo e a bateria. Assim, gravaram Raw Power, que teve seu som “amaciado” por David Bowie na mixagem (uma versão recente, com o dedo de Iggy Pop, corrigiu esse erro). A sonoridade dada por Bowie tirou todo poder de ataque do grupo ao vivo, que voltava a se equilibrar perto do fim. Uma turnê em Los Angeles fez com que o grupo instalasse morada na capital do excesso, uma combinação ingrata. Ninguém mais suportava os Stooges e seus shows iam ficando cada vez mais sem limites. Agora era a platéia quem encarnava a violência de Iggy, com resultados catastróficos.
O último show do grupo aconteceu em Detroit, em 1974. Uma gangue local os havia jurado de morte e o show começou com uma chuva interminável de pedras e garrafas. Iggy sequer se intimidava, gostava do clima pesado: “Alguém tem mais cubos de gelo, ovos ou granadas que queiram tacar no palco? Vocês pagaram, agora agüentem. Vamos ouvir o cantor. Eu sou o melhor… Obrigado pelos ovos. O que eu ganho se juntar uma dúzia de ovos? Ouçam, eu jogo ovos melhor que vocês. É hora das garotas do tumulto? TUMULTO. Me dá uma toalha pra eu tirar essa gema. Eu não quero que me vejam com gema na cara. Oooh baby. C’mon mama… Lâmpadas também? Copos? É, estamos ficando violentos… Tem dois subindo no palco. Temos que sair. Vejo vocês depois”. Quando um sujeito começa a esmurrar Iggy no palco. O cara sai, Iggy pega o microfone, todo fudido, e diz que, depois dessa, o público merece uma versão de 55 minutos de “Louie Louie”. E isso está tudo em disco, no pirata Metallic K.O.
E assim o grupo acabou. Mas seu legado apenas começara. Em Nova York, seguidores fiéis compactavam seu som e misturavam com rock bubblegum dos anos 50 – eram os Ramones. Em Londres, eram citados por ninguém menos que os mestres da revolução, quando os Sex Pistols cantavam “No Fun”. Iggy Pop era tratado como uma lenda viva do punk, mas foi para Berlim no auge do movimento gravar discos solos com David Bowie. Iggy conseguiu se equilibrar entre o showbusiness e a sarjeta, limpou-se de vez no começo dos anos 90 e hoje continua firme. Os Asheton montaram um New Order antes do homônimo grupo inglês que não vingou e mais tarde Ron assumiria as guitarras do Destroy All Monsters. De vez em quando aparecem em discos dos outros, como convidados, mas vivem uma vida mais normal que a sua. A última aparição de um deles foi quando Ron gravou “T.V. Eye” para a trilha de Velvet Goldmine, ao lado de Mike Watt, Thurston Moore, Don Fleming e Mark Arm, todos discípulos fiéis dos Stooges.
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PROTO-O QUÊ?
Clash, Ramones, Buzzcocks, Joy Division, Sex Pistols, X, Jam, Television, Fall, Cars, U2, Black Flag, Wire, Hüsker Dü, UK Subs, Suicide, Blondie, Dead Kennedys, Smiths, Echo & the Bunnymen, Richard Hell & the Voivods, Talking Heads, B-52’s… Toda a geração de bandas que pode ser englobada no chamado período punk da história do rock (que agrupou diferentes tendências como punk, hardcore, new wave e pós-punk) não teria existido sem dez anos de barulho curtido no underground americano. Toda a cena faça-você-mesmo que explodiu com o punk e criou a “segunda via” do mercado de rock no planeta não aconteceria da mesma forma não fosse um punhado de bandas ilustres e diversas bandas anônimas de uma elite comportamental chamada de protopunk.
Quem mandou o automóvel ser a moeda corrente da primeira fase do capitalismo do século 20. Afinal, foi o primeiro supérfluo (transporte público serve pra quê?) a ser vendido como indispensável pelo mercado e, como tal, logo virou sinônimo de status. Aos poucos, a garagem se tornava cômodo indispensável em qualquer residência a partir dos anos 40. Mas com o declínio da economia americana nos anos 60, o carro logo foi o primeiro indispensável a ser descartado pela classe média americana, deixando milhares de garagens livres pela América. Logo, toda casa tinha uma sala de ensaio perfeita pra qualquer tipo de banda, recurso que até hoje é seguido, como um sacramento.
Seu uso efetivo começou com a invasão britânica. Depois que os Beatles oficializaram o rock como gênero inglês, dando oportunidade para vários jovens conterrâneos arqueólogos do blues americano entrar no mercado fazendo seu próprio som, o próximo passo desta ascensão seria entrar nos Estados Unidos. Quem vencesse na América, vencia no mundo e foram os Beatles quem deram o primeiro passo. Deram sorte: os Estados Unidos ainda não haviam se recuperado do assassinato de seu querido presidente JFK quando os cabeludos ingleses desceram por lá. Com a Beatlemania, todas as bandas de rhythm’n’blues inglesas migraram para os EUA, na vã tentativa do sucesso. Todas elas emplacaram ao menos um hit e constituiriam, mais tarde, a primeira geração da era de ouro do rock.
Como reza a terceira lei de Newton, a chegada dos ingleses provocou um verdadeiro chamado às guitarras na terra do Tio Sam. Foi quando adolescentes por todo país montaram suas bandinhas e foram em direção às paradas. A grande maioria trombou no mínimo sucesso e uma parte deste grupo emplacou dois ou três hits no resto do país. Tocando guitarras sem muita técnica e com muito barulho, bandas como Sonics, Troggs, Kingsmen, Seeds, Music Machine e outras semidesconhecidas cruzaram os Estados Unidos sobre um único hit, transformando suas apresentações em festas explosivas de energia juvenil. Mais que as apresentações inglesas, os grupos americanos tinham uma identidade imediata com o público e cada vez mais gente se empolgava a pegar uma guitarra. Para estes, uma geração bastarda da cruza da surf music com o rock inglês, “Louie, Louie” era o hino.
Foi exatamente no meio dos anos 60 que várias diferentes correntes do mercado musical se encontravam: a Beatlemania se esgotava e os próprios Beatles procuravam outros artifícios sonoros, a música folk saía imediatamente de moda – primeiro pela debandada de Bob Dylan para o rock, depois pelo surgimento do então novíssimo folk rock -, a técnica passaria a ser quesito indispensável em qualquer músico, a psicodelia transformava a cabeça de jovens londrinos. A quantidade de grupos que nasceram neste período é incomensurável e os nomes (Chocolate Watch Band, Jefferson Airplane, Captain Beefheart & His Magic Band, Grateful Dead, Doors, Frank Zappa & the Mothers of Invention, 13th Floor Elevators) ajudavam todas a confundir-se entre si.
Três bandas distinguiam-se radicalmente das outras. A primeira delas, o Velvet Underground, era fruto do encontro de Lou Reed com John Cale, dois jovens estudantes de vanguarda dispostos a quebrar convenções impensáveis de seus meios. Reed vinha da literatura, cantava a marginália de forma suntuosa e fazia bicos em gravadoras, compondo músicas bobas de amor para grupos de doo-wop. O galês Cale vinha da música contemporânea, músico prodígio desde menino, foi para Nova York estudar com os grandes mestres da nova música, como John Cage, LaMonte Young e Cornelius Cardew e queria flertar com o lado feio da música pop. O casamento dos dois gênios era explosivo e completado pela microfonia indomável de Sterling Morrison e pelo metrônomo unissex chamado Moe Tucker dava origem a um turbilhão sonoro sem precedentes até então. Barulho, melodia e vanguarda são dispostos lado a lado e tratados da mesma forma. Apadrinhados por Andy Warhol, tiveram que gravar um álbum com a cantora húngara Nico, que nunca realmente pertenceu ao grupo. The Velvet Underground and Nico, de 1967 (o disco da banana), é obra fundamental em qualquer estante de amantes de música popular moderna. O disco seguinte, White Light/ White Heat, trazia um turbilhão de ruído nunca ouvido antes em disco, um amálgama de ritmo e barulho que destruía o chão a cada pisada. Os dezoito minutos de dois acordes que arrastavam-se por Sister Ray, populados por uma orgia de travestis e marinheiros entupidos de heroína, falam por todo disco.
A saída de Cale levou o barulho para longe do Velvet. Com Cale, o lado erudito contemporâneo de destruição da música era posto de lado em favor do artesanato pop praticado por Lou Reed, que assegurou o repertório do grupo por outros dois discos e anos. John Cale saiu do Velvet a contragosto e resolveu despejar aquela raiva em sua carreira solo – o que incluía seu trabalho como produtor. Foi ele quem comandou as primeiras sessões em estúdio do segundo grupo desta leva de desajustados. Os Stooges de Iggy Pop aceitaram ser produzidos por um músico metido da cidade grande, que logo os impôs às limitações do estúdio – onde uma grande banda de palco pode soar meia-boca. As gravações soam cansadas, mas qualquer pirata do grupo naquele 1969 (“Outro ano sem nada pra fazer”, resmungava Pop) traduzia o dínamo autodestrutivo que era o grupo.
No palco, ninguém pegava os Stooges. Suas apresentações levavam o conceito de caos aos limites do possível, com o grupo colidindo de frente com a platéia, através do som e da fúria. Cuspindo as vísceras artísticas pra fora, os Stooges eram um atentado aos bons modos que o rock de sua época acabava parecendo, seja a piromania de Jimi Hendrix ou o quebra-quebra do The Who. Ao lado dos Stooges, na mesma cidade, um terceiro grupo completava a linha de frente do proto-punk. Erguendo a bandeira da desordem como nova religião, o MC5 (o quinteto da Motor City) era o lado mau dos Rolling Stones, o que Jagger e cia. diziam ser. Citando referências tão diferentes quanto Nat King Cole e Sun Ra, o grupo encabeçava o movimento Panteras Brancas, do ativista político de araque John Sinclair, um hippie que preferia disfarçar suas verdadeiras intenções numa bandeira política. Mas para o MC5 não havia disfarce: ele explicava com todas as letras seu intuito – sexo, drogas, rock’n’roll e nenhum outro motivo, o prazer e a diversão ficavam em segundo plano em relação ao excesso. “Irmãos e irmãs!”, berrava o cabeludo Rob Tyner como pastor de uma nova religião. Wayne Kramer e Fred “Sonic” Smith (que mais tarde casou com Patti Smith) grunhiam em resposta, ao mesmo tempo que Dennis Thompson e Michael Davis empurravam o ritmo com bateria e baixo. Um disco gravado ao vivo – Kick Out the Jams – é o melhor registro da truculência do ROCK (com maiúsculas) do grupo.
Com os anos 70, todos pasteurizaram seu som – o MC5 lembrava um grupo hippie tocando clássicos do rockabilly em Back to the USA, os Stooges pareciam escondidos embaixo dos escombros graças à mixagem de David Bowie em Raw Power e o Velvet Underground gravou uma coleção de hits radiofônicos batizada de Loaded. Os três grupos logo acabariam, mas seus estilhaços podem ser sentidos em duas outras bandas – os New York Dolls e os Modern Lovers.
As duas eram opostas como dia e noite. Os Dolls vinham de diversas bandas de Nova York que só queriam farra. Vestidos de mulher, David Johansen, os guitarristas Johnny Thunders e Syl Sylvian, o lendário baixista Arthur Kane e o baterista Billy Murcia, tomaram o subúrbio da capital do mundo de assalto, com uma resposta suja e grotesca ao glam rock inglês. “Tanto em tão pouco tempo” era um dos lemas do grupo, que batizou o primeiro disco. A sonoridade era mais rock’n’roll do que propriamente punk rock – o groove da banda saía do mesmo lugar do dos Rolling Stones -, mas a altura do som e a presença de palco do grupo antecipavam o gênero que começava a borbulhar. E o picareta inglês Malcolm McLaren assistia de perto – tanto que pegou os Dolls como empresário e os tentou transformar numa banda comunista (?), toda de vermelho, com uma bandeira da União Soviética ao fundo.
Ficando com a metade tímida dos primórdios do punk, os Modern Lovers de Johnathan Richman eram o extremo oposto dos Dolls. Com sua Stratocaster e sua insegurança ao encarar o palco, Richman só podia cantar canções como aquelas – “I’m Straight” (“Eu Sou Careta”), “Pablo Picasso” (“Pablo Picasso nunca foi chamado de cuzão, como você”) e “Hospital” (narrando a espera da namorada num pós-operatório). Com Jerry Harrison (futuro Talking Heads) e Chris (futuro Cars) na primeira e clássica formação de seu grupo, Richman transformava canções sem graça em hinos de rebeldia adolescente, culminando com o maior de todos, o clássico estradeiro “Roadrunner” (e seu refrão “Radio on!”). As primeiras demos, produzidas por John Cale, só apareceram como disco quase um ano de terem sido gravadas.
Logo depois, o sonar da música pop cairia em Nova York. Depois que o glam rock esvaziou-se em Londres e os hippies da Califórnia estagnaram nos montes de dinheiro dados por gravadoras, foi a vez de um grupo de moleques descobrir um velho bar de motoqueiros que funcionaria como bunker de toda uma geração. O CBGB’s funcionou de base para bandas como diferentes como o Television, os Ramones, o grupo de Patti Smith e embriões de bandas que mais tarde seriam o Blondie, o B-52’s, o Talking Heads, os Cars, os Heartbreakers, os Voivods. Aquele impulso garagesco tomou conta de uma cena que passou a despertar interesse primeiro da imprensa, depois das gravadoras. Com seus discos debaixo do braço, eles levaram seus shows para o outro lado do Atlântico e para a costa oposta dos Estados Unidos, fazendo as cenas londrina e angelena brotarem. O punk havia nascido.
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Protopunk à paulistana
Nos subterrâneos do rock paulistano, uma cena caminha no limite entre o ritmo, o barulho e a psicodelia. Qualquer semelhança com Nova York no começo dos anos 70 não é mera coincidência…
Tá certo que São Paulo teve sua cena protopunk nos anos 60, mas ela era, no máximo, uma versão mais vigorosa da Jovem Guarda. A violência e a fúria que descambaram no punk no final dos anos 70 teve de ser importada do exterior para nascer no concreto paulistano. Mas se, na época, o protopunk não teve a brutalidade suficiente, uma geração amadurecida durante os anos 90 equilibra as mesmas doses de psicodelia, barulho e rhythm’n’blues que seus antecessores americanos.
No centro do furacão, um trio de veteranos com histórias para contar. Marquinho veio dos Pin Ups, onde tocou bateria em toda chamada “fase de ouro” do grupo paulistano, sobrevivendo ao caos de grito e desespero que foram os bastidores deste conjunto em seu auge. Adriano “µ” Cintra calvagou outro caos, o inferno ambulante chamado I Love Miami, cuja existência bizarra vale uma biografia à parte. Sandro Garcia pode ser considerado o pioneiro de toda essa geração. Convicto em ser mod, fundou os Charts e dentro deste foi descobrindo todas as diferentes vertentes desta geração. Todos abandonaram suas bandas na mesma época (1995, o ano da seca de bandas no país) e começaram a construir nova carreira no mesmo ambiente.
É quando começa a gravadora Ordinary, comandada por Marco e sua esposa Deborah Cassano, a Debbie, e assessorada por Adriano. Juntos, Marco e Adriano respondem por duas das bandas mais importantes da cena. De mesma formação (os dois nas guitarras e o baterista Rodrigo), as duas bandas diferem-se pela abordagem musical. Enquanto o Butchers’ encarna a mesma versão suja dos Rolling Stones que o Pussy Galore imaginou em seu Exile on Main Street, de 85; o Red Meat é o que os Afghan Whigs seriam se Greg Dulli trocasse estilo por culhões, explodindo soul e rock’n’roll em alta combustão. Adriano ainda responde pela one-man-rock-band Ultrasom, que ultrapassa referências pessoais para abraçar o papel de guitarreiro solitário, uma espécie de trovador rock’n’roll (no bom sentido).
Gravando em seu próprio estúdio (Ordinary Studios, claro, na garagem do casal ordinário), o núcleo lança discos com uma velocidade muito difícil de acompanhar, dando faixas e fazendo remixes de suas músicas para lançamentos semioficiais. Sandro acompanhou o crescimento da Ordinary de seu estúdio particular, o conhecido Quadrophenia. Logo, Ordinary e Quadrophenia criaram uma cena ao redor daqueles caras que falavam de bandas antigas obscuras e de novas semidesconhecidas – e que tocavam aquela sonzeira.
Sandro suspendeu as atividades dos Charts e passou a dedicar-se a dois projetos. O primeiro, ao lado do mitológico Plato Dvorák (uma mistura de Otto com um Syd Barrett gaúcho, fanático por bandas de garagem dos anos 60 e lenda-viva em Porto Alegre), chamava-se Momento 68 e funcionava muito bem enquanto cada um deles ficava em sua cidade. À primeira apresentação ao vivo, o temperamento profissional de Garcia e a inconseqüência psicodélica de Plato bateram-se de frente e logo depois a dupla estava desfeita. Sem banda para correr, Sandro apegou-se ao Momento 68 e montou uma banda com Gregor Izidro – dos Espectros – e Carlos Rodrigues, gravando de cara uma fita com suas referências: Troggs, Who, Pink Floyd do começo, Yardbirds, Otis Redding e Love. No outro projeto, ajudou Fábio Golfetti a ressuscitar o Violeta de Outono, facilitando o desenho da árvore genealógica para aqueles que não haviam entendido, assumindo o baixo (e Izidro, a bateria) da lendária banda psicodélica.
Fazendo o circuito Alternative (“Alternative NÃO!”, reclama toda a freguesia em uníssono, antes de ver que não há outra opção por perto)/Borracharia – duas casas de show em Pinheiros -, logo novas bandas começaram a agregar-se ao epicentro da cena “churly” – rótulo usado de forma irônica pelos integrantes do grupo, numa forma de ridicularizar qualquer tentativa de rótulo. A primeira delas, o Sala Especial, teria uma história à parte.
Uma das primeiras bandas brasileiras a assumir o espírito easy-listening, logo as raízes roqueiras do grupo vieram à tona, devido à influência da cena que se formava. Aos poucos, o Sala deixava de ser uma simples banda engraçada e instrumental para se tornar uma ótima banda de rock instrumental. Logo passaram a incluir soul e rock garageiro em seu cardápio de música francesa, Jovem Guarda e discos de teste de estéreo, e suas duas fitas – Aventuras Estereofônicas Volumes 1 e 2 – venderam mais de mil exemplares, sendo copiadas outras mil vezes Brasil afora. Um verdadeiro sucesso underground, amados igualmente por paulistas e cariocas (o que não é fácil). Com o terceiro volume de suas Aventuras já engatilhado (quem ouviu, prevê outro sucesso), o grupo encontra-se na encruzilhada que outros grupos instrumentais brasileiros já cruzaram: como fazer sucesso de verdade num país viciado em letras.
Margeando a cena, ainda temos uma cena psicodélica na Móoca, formada pelos Effervescing Elephant (que troca um guitarrista por um tecladista para tornar-se o Flaming Salt) e pelo Cedar Lunen; os já citados Espectros, fazendo a linha garageira mesmo, a la Troggs; e a banda oficial da comunidade psicodélica de Cidade Ademar, os Jerssons, um combo de música aleatória que ganha fama fazendo shows memoráveis em faculdades de filosofia e cidades do interior, convidando todos os músicos presentes a subir no palco.
Enfim, uma cena. Coberta por publicações (eletrônicas ou em papel) diferentes como Magazine (das organizações Ordinary), o recheado Lo-Fi, a revista Velotrol, o venenoso Buxixo (o filhote paulistano do Tupanzine) entre outros, ela faz com que o Brasil finalmente tenha uma geração protopunk de respeito – mesmo que mais de trinta após a geração original.
Em clima “Imejinóudepipôl!”, desenterrei uma semicapa (a outra metade era o Iron Maiden) sobre os 20 anos da morte do John, que também conta com um “e se…” na linha do que o Joca fez pra Folha terça. Como o texto é pr[e-edição, tem muita coisa que não saiu na revista em papel, aí embaixo.
Bem-vindo ao novo Trabalho Sujo muito louco de verão.
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Karma imediato
Como ir em frente quando não se sabe que caminho se está seguindo? Como amar quando nunca se teve amor? As dúvidas existenciais que motivaram a inconseqüentemente intensa e bela carreira de John Lennon pareciam resolver-se quando, há vinte anos, cinco tiros o separaram deste futuro que vivemos hoje
“Você não sabe o que tem até perder” (What You Got)
“Você sabe o que acabou de fazer?” – o porteiro Jay Hastings não conseguia traduzir em palavras o sentimento que passava por sua cabeça. O sujeito estava em frente ao prédio, calmo e paciente, com o livro O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger, às mãos, como se sequer soubesse o que havia acontecido há menos de um minuto, logo em frente. Eram 11 da noite quando Mark David Chapman, 25 anos naquele 8 de dezembro de 1980, virou-se para o atordoado Hastings e, entre um sorriso de alívio e um suspiro de desespero, tranqüilamente confessou: “Eu atirei em John Lennon”.
Lá estava o ex-Beatle atirado no chão, cinco buracos de bala em seu corpo, drenando sangue e outros fluidos orgânicos enquanto gemia seus últimos suspiros. “Fui baleado”, disse pouco antes de perder a consciência, entre as fitas de sua última gravação. Hastings não conseguia acreditar na cena que assistia, Lennon vomitando sangue em sua frente, dissipando todo o glamour popstar à medida que a morte chegava da forma mais rasteira e fugaz possível. Lembrava do Beatle mais esperto da invasão britânica, do pacifista polêmico do começo da década anterior, do Lennon caseiro que cuidava do filho e há dois anos o cumprimentava pelo nome: “Bon soir, Jay”. Tirou o casaco e cobriu o artista baleado. “Ok, John, vai dar tudo certo”, balbuciava nervoso ao ver o foco de seus olhos sumindo entre lentas piscadas de pálpebras. Tirou a gravata, para usar como um torniquete, mas não sabia o que fazer com ela, saindo logo em seguida à caça do agressor que apenas esperava parado na mesma rua 22 Oeste em que o crime havia acontecido. Dois carros da polícia freiaram em frente ao Dakota, onde Lennon e Yoko moravam desde o nascimento de seu único filho, Sean, e dois policiais saíram encurralando Hastings. “Ele não”, gritou um porteiro. “Foi ele!”, Jay apontou para o autor dos tiros.
Chapman havia conversado com Lennon antes de decidir assassiná-lo naquele mesmo dia. Cinco horas antes, havia cumprimentado o ex-Beatle, lhe apresentando uma cópia do recém-lançado Double Fantasy para ser autografada. “John Lennon, 1980”, escreveu o músico inglês antes de entrar na limusine branca que o levaria para o estúdio, onde gravava Walking on Thin Ice, seu próximo single. Mark esperou John voltar para casa, quando, ao sair da limusine, o abordou: “Mr. Lennon?”. John virou-se para atendê-lo e foi seguido por uma seqüência de cinco tiros disparados pelo 38 de Chapman. Mark virou-se e tomou distância, com a sensação do dever cumprido. Poucas horas mais tarde, John Lennon era declarado morto, aos 40 anos de idade.
“Na verdade eu não queria o autógrafo, eu queria a vida dele. E eu acabei ficando com os dois”, diz hoje Chapman, 45 anos, 20 deles de cadeia. O assassino de John Lennon tentou pedir a redução de sua pena por bom comportamento, no mês de outubro (quando o ex-Beatle completaria 60 anos), mas o pedido foi negado por Yoko Ono – embora muitos, Chapman inclusive, apostassem na boa vontade da japonesa mais famosa do mundo. “Eu acho que ele provavelmente gostaria de me ver livre”, disse o assassino. O advogado de Yoko, Robert Gangi, respondeu na lata: “John adoraria estar aqui para falar por si mesmo”.
Certamente, afinal Lennon sempre foi conhecido por sua língua afiada. Desde que apareceu com os Beatles era o responsável pelas frases mais sarcásticas, pelas letras mais ácidas, pelas farpas disfarçadas de elogios, pelos trocadilhos surrealistas, pelas canções mais diretas dos quatro de Liverpool. Em pouco tempo, era um dos roqueiros mais respeitados de sua geração por um motivo simples: não engolia desaforo e cuspia contra quem quer que pudesse vir em sua direção. O ataque verbal era a marca registrada de John, mas, no fundo ele sabia, era só uma forma de defesa.
Porque o mundo, apesar de suas sempre dúbias voltas, não conspirava a favor de John Wiston Lennon, que nasceu sob um bombardeio alemão sobre Liverpool no dia 9 de outubro de 1940. Filho de pais boêmios e arruaceiros (Julia vivia na noite e Alfred – ou Fred – era um marinheiro que tinha famílias de portos em portos), o pequeno John cresceu sob a conduta da irmã de sua mãe, Mary Elizabeth Smith – a tia Mimi – e seu marido George, na pequena e escura casa no número 251 da Menlove Avenue. Suas primeiras lembranças da infância recordam do pai voltando para Liverpool e querendo-o levar para morar na Nova Zelândia, quando tinha apenas 8 anos. A princípio, John aceitara, mas logo ele sentiu saudades e antes de embarcar no navio voltou para os braços da mãe, ainda horrorizada com a decisão do filho, chorando.
A ausência de Julia na vida do jovem Lennon causou-lhe estragos cujas marcas o perseguiram pelo resto da vida. Por mais que seus tios se dedicassem, ele não tinha o conforto dos pais e isso lhe rendeu conflitos sociais que o tornaram amargo e isolado. A morte da mãe (atropelada por um policial bêbado quando John tinha 18 anos, na época em que os dois voltavam a se falar com freqüência) e a volta do pai (querendo aproveitar-se da fama do filho no auge da Beatlemania) contribuíram para sua degradação individual, sendo cada vez mais corroído por sentimentos egoístas e antissociais. Dois gêneros modernos o viriam salvar do pesadelo/prisão que sua vida aos poucos se desenhava: a literatura (representada por Lewis Carroll) e o rock’n’roll (encarnado em Elvis Presley).
O primeiro surgiu na biblioteca da Dovedale Primary School, quando Lennon descobriu em um de seus livros de inglês o poema Jabberwocky, do livro Alice no País do Espelho. Tinha menos de dez anos e ficou fascinado com a forma que Lewis Carroll contorcia as palavras, dando-lhes duplos ou triplos sentidos apenas ao trocar letras e combinar conjunções. Um mundo mágico descortinava-se em sua frente e bastava apenas brincar com o idioma para distorcer a realidade ao seu prazer.
O segundo veio com a gradual descoberta da música para dançar: primeiro com a febre do skiffle que tomou conta do norte da Inglaterra em 1956; depois com o filme Blackboard Jungle, que lançou a canção Rock Around the Clock, e, finalmente, a rendição definitiva de Heartbreak Hotel, daquele caminhoneiro que tornara-se sensação nos Estados Unidos. Como nos EUA, Elvis Presley atacou a Grã-Bretanha como um furacão, convertendo milhares de moleques sem rumo na vida na nova religião do rock’n’roll.
John comprou um violão (por 17 libras) e começou a deixar o topete no cabelo. Comprou uma jaqueta de couro e quase todo dia à noite, sintonizava a Rádio Luxemburgo, para ver se conseguia aprender – sem professor – aquelas músicas geniais que não paravam de vir da América. De lá vinham navios cargueiros cheios de revendedores de discos, que contrabandeavam os sucessos das rádios americanas para os disc-jóqueis ingleses, criando um verdadeiro mercado negro de discos americanos. Montou um conjunto com seus amigos Pete Shotton, Nigel Whalley e Ivan Vaughan, chamado The Quarrymen (em homenagem à escola que estudavam, a Quarry Bank School. Foi Vaughan quem, em um dos primeiros shows do conjunto (uma quermesse na igreja de St. Paul, no subúrbio de Woolton, entre a apresentação dos cachorros da força policial da cidade e um concurso de tortas), apresentou o jovem Lennon a um garoto mais novo chamado James Paul McCartney. Ivan convenceu Lennon, que estava bêbado, a ir conversar com Paul quando soube que este sabia tocar 20 Flight Rock, de Eddie Cochran. John gostou do que viu (embora esnobou-o para Ivan), mas dias após aquele lendário 6 de junho de 1957 pediu para Pete perguntar se Paul queria entrar no grupo. Ele aceitou.
Com o rock’n’roll, Lennon parecia conseguir canalizar toda sua angústia adolescente em algo que, ao menos para ele, parecia produtivo. Passou a dedicar-se ao grupo que, com a adição do guitarrista George Harrison, o baixista Stuart Sutcliffe e o baterista Pete Best, passou de Quarrymen a Long John & the Silver Beatles a simplesmente Silver Beatles. Originalmente o grupo iria se chamar Beetles (besouros), como os grilos (os Crickets) de Buddy Holly ou os próprios Beetles que eram a gangue inimiga de Marlon Brandon, no filme O Selvagem. Mas Lennon propôs a troca da segunda vogal repetida por um “a”, dando diversos duplos sentidos, que iam da geração literária Beat à palavra inglesa que designa batida, ritmo. Assim viajaram para Hamburgo, na Alemanha, onde passaram a tocar shows de 10 horas seguidas em que precisavam tocar qualquer tipo de música que lhes fosse pedido. Ao mesmo tempo em que entrosavam-se como músicos, aprendiam várias canções novas por dia e pegavam pique de palco. Era inevitável que se tornassem uma boa banda.
Ao mesmo tempo, curtiam como que às escondidas aquele parque temático para maiores de 18 anos chamado Hamburgo. Entre shows de strip-tease, casas noturnas de quinta categoria, punhados cheios de toda sorte de bolinhas goelas abaixo, brigas de gangue e intelectualismo de cais de porto, os Beatles estavam prestando vestibular para o baixo calão da sociedade alemã que, arrasada no pós-guerra, transformava-se num imenso submundo para sustentar sua auto-estima. Às vésperas dos 20 anos, os Beatles viviam o paraíso de sexo, drogas e rock’n’roll que qualquer adolescente do planeta espera da vida. Lennon encontrava a fantasia perfeita para encarar a insegurança que a vida havia lhe passado.
Quando voltaram a Liverpool (Stuart ficou na Alemanha, com sua namorada, a fotógrafa Astrid Kirchner, e Paul assumiu o baixo da banda), os Beatles eram uma banda em ponto de bala, azeitada para o sucesso. E foi este quem fez o garoto Raymond Jones entrar na loja de discos Northern England Music Store naquele 28 de outubro de 1961. Jones procurava um disco chamado My Bonnie que um grupo da cidade havia gravado na Alemanha com um cantor chamado Tony Sheridan. O dono da loja ficou intrigado e tratou de querer saber um pouco mais sobre o tal grupo. Foi esta curiosidade que levou o jovem Brian Epstein a ir à casa noturna Cavern Club no dia 8 de novembro daquele mesmo ano. Quando assistiu à explosão de energia que os Beatles proporcionavam aos 200 adolescentes que se espremiam no local, não teve dúvidas e começou a gerenciá-los. O primeiro passo foi livra-los das jaquetas de couro e dos topetes (a contragosto de Lennon) e trocar o baterista do grupo (saía o galã juvenil Pete Best – sob protesto das fãs – e entrava o preciso e pacato Ringo Starr). Depois, era só vendê-los do jeito certo e o tino comercial dos Epstein finalmente aflorava em Brian, que transformou o grupo em seu maior bem empresarial. O resto, como dizem, é história.
Com os Beatles, Lennon atravessou os anos 60 galvanizando uma estranha e carismática personalidade. Ao mesmo tempo em que parecia objetivo, franco e direto em suas entrevistas cheias de sarcasmo juvenil, suas músicas pediam socorro e mostravam um artista inseguro e tímido. “Ajude-me se puder, estou me sentindo mal”, cantava com entusiasmo em Help!, “ajude-me a por os pés de volta no chão”. Viver no furacão da Beatlemania já te deixava completamente alheio às noções de realidade, morando em quartos de hotel pelo mundo, entre entrevistas e sessões de fotos. Mas ser um Beatle era mais insuportável. Toda aquela euforia girava em torno de John, Paul, George e Ringo onde quer que eles fossem, não havia descanso para aquilo. E se no começo era uma felicidade púbere de um sonho impossível realizado, dando motivos de sobra para que os quatro se especializassem em ser os Beatles (isto é: gostar de ficar juntos, brincando o tempo todo e cantando canções apaixonantes), aos poucos foi se tornando a única forma de expressar o desespero de estar na locomotiva de um trem desgovernado.
“Eu sou um perdedor e eu não sou o que pareço”, cantava Lennon, que mais sofria, no disco Beatles for Sale, de 1964. “Viver é fácil com os olhos fechados, interpretando mal tudo que se vê”, filosofava Strawberry Fields Forever, em 1967. “Eu não consigo dormir, nem parar meu cérebro, já são duas semanas e eu estou ficando louco”, desesperava-se em I’m So Tired, de 1968. A cada oportunidade Lennon demonstrava o quanto aquela vida lhe desgraçava, queria sair. “Era preciso se humilhar para ser o que os Beatles eram. E é isso o que eu me arrependo, porque eu fiz aquilo”, disse logo após sair do grupo em sua histórica entrevista ao editor da revista Rolling Stone, Jann S. Wenner, em 1971 (que está sendo lançada na íntegra no livro Lennon Remembers), “Eu não percebi aquilo, aconteceu pouco a pouco até que esta completa loucura estava à nossa volta. E você estava fazendo exatamente o que não queria fazer com pessoas que não suportava – as pessoas que você odiava quando tinha dez anos. E é isso que eu estou dizendo neste disco (Plastic Ono Band, seu primeiro disco solo propriamente dito). Eu estou dizendo: ‘Fodam-se todos! Vocês não me pegam de novo!’”.
Desde os Beatles, o desespero pessoal era sanado graças a fugas de cunho espiritual, embora sempre embaladas em formatos diferentes como drogas, religiões, linhas ideológicas, políticas ou individualistas. Foi assim que descobriu acidentalmente a psicodelia Beatle entre recortes de jornal e velhos cartazes. Foi assim que abraçou a meditação transcendental do Maharishi Maheshi Yogi, a arte de vanguarda, o blues primitivo (Lennon estava no Rock’n’Roll Circus, lembram?), o pacifismo ativista, a manipulação da imprensa, a adoração ao rock e ao grande amor de sua vida, Yoko Ono.
Durante toda sua carreira, estava à procura de algo que nunca tivera: amor. Buscava ser amado das formas mais diferentes, cantando sobre o tema com gana e desesperança. Transformou o sentimento numa espécie de verdade absoluta, seguindo a convenção básica do cristianismo e a premissa do profeta João que dizia que “Deus é amor”. Lennon, por sua vez, desacreditava da religião e transformava o amor universal numa filosofia pessoal. “Eu só acredito em mim”, cantava quando começou a se ligar em sua própria ideologia, logo quando os Beatles não existiam mais.
Por sua discografia, cantava o medo de não ser aceito, que o perseguiu por toda vida e só encerrou-se com o nascimento do primeiro filho com Yoko, na mesma semana em que seu visto de permanência nos Estados Unidos era aceito. “Dizem que sou louco por fazer o que faço/ Me aconselham de todo jeito para me salvar da ruína”, cantava ao final de sua vida, quando já sabia o que precisava para ser feliz, “eu fico aqui apenas vendo as coisas acontecerem; gosto de vê-las rodar”. Dedicando-se à vida privada após 1975, Lennon descobriu na própria família tudo que precisava.
Era simples. É simples. O melhor da vida vem em coisas rotineiras, não em milagres ou acontecimentos históricos. Tudo isso é determinado pelo gosto de outras pessoas, por interesses de grupos sociais que querem dizer-se melhor que os outros. Como o melhor rock, Lennon sabia que tudo que é bom não tem frescura. Direto, com franqueza e transparente; sem segundas intenções ou troca de favores. O amor que Lennon passou a viver nos últimos anos de sua vida (deixando os negócios nas mãos de Yoko, que os tocava à base do misticismo e saía-se incrivelmente bem), o tornou completo, fazendo com que descobrisse que tudo que sempre procurara estivesse exatamente dentro de si mesmo.
A forma com que John expunha-se, abrindo sua vida privada e seus conflitos interiores ao olho público fez com que ele revelasse a indecisão e a sensibilidade que habitam a cabeça de qualquer pai de família. A vazão de seus sentimentos em entrevistas e canções criou um novo parâmetro masculino, em oposição ao durão vendido por Hollywood e o machão sensível fechado na tríade Elvis/Brando/Dean. Lennon tornava possível qualquer um extravasar seu lado infantil, senil, púbere e maduro ao mesmo tempo, sem precisar atrelá-los a faixas etárias.
“Nos próximos dias – sem coragem de dizer adeus a John – eu percebi uma das razões que fizeram-me sentir com medo, sozinho e sem acreditar nas notícias que continuavam a passar foi que eu formei minha vida adulta em torno deste cara de uma forma muito séria”. Dez anos depois da tal entrevista, o editor da Rolling Stone Wenner sintetizava os sentimentos de toda uma geração frente à morte de Lennon. Ela que veio nos lembrar de como é fácil se perder o que se tem, quando não se toma cuidado. Até o amor.
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Ninguém me disse que ia ser assim
Imagine se John Lennon não tivesse morrido?
Todo dia, a mesma coisa: Lennon acordava, arrastava-se da cama até a porta de casa, enfiava a mão para fora, catava o jornal e ia para a copa, onde tomava um café e fumava o baseado que havia feito escondido no banheiro na noite anterior. Yoko ainda pegava em seu pé quando o assunto era drogas e o argumento “maconha não é droga” teve que ser substituído por “café e maconha não são drogas”. Ela sabia que John fazia aquele ritual adolescente todas as manhãs, mas fingia dormir para dar ao marido o gosto do prazer proibido, que era cada vez mais lhe negado à medida que ia ficando mais rico.
Goles e tragos após a página de esportes, pegava a seção de entretenimento do jornal e teve mais uma vez a nauseante visão dos três outros Beatles remoendo na carcaça de seu antigo grupo. “Esses porras precisam de mais dinheiro ainda?”, resmungava à meia-luz do começo do dia, “será que eles acham que vão ser mais respeitados por isso?”. Odiava a forma que Paul se referia àquela pilhagem do arquivo de seu passado como “projeto Anthology”, como se realmente tivesse alguma coisa a ver com aquilo. Havia dito não ao Live Aid, ao USA for Africa, à Anistia Internacional, ao Rock and Roll Hall of Fame, a Hollywood, à MTV (cinco ou seis vezes, pelo menos), a todo produtor de qualquer tributo que, por melhor que fossem as intenções, apenas queria a fama da reunião dos Beatles em benefício próprio. Não ia concordar em voltar os Beatles justamente para Paul, ainda mais depois de dois ou três cutucões que o ex-melhor amigo havia lhe dado em entrevistas. E daí que George Harrison estava falido? Ele que arrumasse uma Yoko pra tomar conta do dinheiro.
Mas o que mais incomodava Lennon era o fato de, 30 anos depois de seu fim, os Beatles ainda ocuparem as manchetes dos jornais. Se sentia preso a uma ditadura em torno do nome do conjunto que faria com que qualquer gesto seu parecesse ainda preso aos anos 60. Era apenas isso que lhe fazia enclausurar-se cada vez mais no caminho entre sua fazenda no norte da Inglaterra e a casa/escritório do Dakota. Desde que Sean Lennon nasceu, gravou apenas cinco álbuns, cada um deles com quatro anos de diferença entre si, todos saudados como “Lennon volta à velha forma”. Depois de Double Fantasy vieram Heart and Soul (de 1984, produzido por Nile Rodgers), Back Home (de 1988, nova parceria com Phil Spector), Road (de 1992, coletânea de gravações em festas de amigos, seu único vínculo com o palco) e Closer (de 1996, composto e gravado apenas ao piano, produzido por Don Was). Estava cansado de ser tratado como uma relíquia de uma época de ouro, mas não via outra forma de expressar-se em público e não ser envolto em nostalgia. Ainda mais quando observava o pop que tomava as paradas do ano 2000.
Misturaram o conceito da Beatlemania com uma nuance hip hop e nascem o pop jeca dos Backstreet Boys, ‘N Sync e companhia limitada. Diluem a fase de transição (65-66) dos Beatles com rock de arena e criam o britpop de bandas como Blur, Oasis, Stereophonics, Travis, Radiohead… A nova psicodelia do rock independente (Flaming Lips, Mercury Rev, Olivia Tremor Control, Gorky’s Zygotic Mynci, Grandaddy, Badly Drawn Boy, Neutral Milk Hotel) nada mais é que o tratamento épico de Abbey Road levado a discos como Yellow Submarine ou Let it Be. Hits modernos de Beck e Chemical Brothers surrupiam a base de Tomorrow Never Knows. Os anos 90 eram uma chatice para Lennon, que só saiu de casa para assistir a “shows de rock”, como gostava de enfatizar (a saber: Chuck Berry, Teenage Fanclub, James Brown, Happy Mondays, Nirvana e Jimmy Page com os Black Crowes – “pode parecer brega, mas eu adoro Led Zeppelin”). Não gostava de música eletrônica e cada vez mais se aprofundava em música negra, seu grande e confesso amor musical. Ciente de sua celebridade, passava a constranger repórteres e colegas ao simplesmente responder “rock’n’roll” às perguntas que lhes eram feita. Fazendo-se de bobo, dava a todos de forma polida e sarcástica o seu ponto de vista sobre as coisas. Aproveitando-se do mote autopublicitário de Lennon, os roteiristas do programa humorístico Saturday Night Live o eternizaram em sua única aparição pública de 1990, no natal, quando fizeram um programa inteiro em que sua única fala resumia-se a repetir “rock’n’roll”.
Chegava novamente dezembro de um ano com fim zero e Lennon sabia que estava ficando mais velho. Costumava duvidar que seu nascimento fosse realmente em outubro, uma vez que a cada dez anos, em dezembro, dava um passo crucial em sua trajetória de vida. Sua mãe (como ele) era relapsa o suficiente para o ter registrado na data errada. Mas sabia que dezembro era um mês importante em sua vida, o que fazia com que constantemente – e intimamente – se comparasse com Jesus Cristo. Não como um filho de Deus, John sequer acreditava nisso (“Deus é um conceito pelo qual medimos nossa dor”, cantou), mas como um comunicador, um doutrinador das massas, uma pessoa cujo nível de identidade com o público o tornasse extremamente popular. E lembrou que o dezembro de 1980 foi marcado por dor e sofrimento, como se Judas tivesse vindo sete anos depois. Não fosse o pobre guarda-noturno que se jogou em sua frente (Fabio, era esse o nome?), talvez estivesse morto 20 anos antes.
E John Lennon pensou o que teria acontecido se tivesse morrido quando aquele fã maluco o tornou alvo. Tirando uma ou outra música com um certo timing temporal e uma série de aspas dadas de bandeja à imprensa abelhuda, sua influência nas últimas duas décadas era mínima. As pessoas ainda queriam o Beatle John, sem pensar que Revolution, Happy Xmas e Imagine eram canções políticas, Mind Games falava de amor, Help! era um grito de desespero e Instant Karma cantava a urgência da vida. Tudo que tinha dito havia se perdido entre refrões grudentos e letras simples e diretas; a racionalidade de sua expressão trocada pelo ímpeto do rock em estado bruto. Ninguém estava prestando atenção no que eles estava dizendo. Nunca estiveram.
Dias estranhos, de fato. Por isso ele pensa se vale voltar a aparecer no dezembro do ano 2000 ou se vai romper as expectativas com o silêncio que acompanha parte de sua carreira? Pessoalmente, é uma época crucial, troca de estação e rito de passagem. Para o público, é apenas o mês de natal em que ele terá sessenta anos. Será que valeria a pena voltar? Sim, vale. Cante John, estamos escutando.
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O não de Yoko Ono
A íntegra da declaração da viúva de John Lennon à justiça norte-americana, quando da ocasião do pedido de redução da pena de Mark Chapman
“Não é fácil para mim escrever esta carta, uma vez que ainda é muito dolorido pensar no que aconteceu naquela noite e verbalizar meus pensamentos de uma maneira lógica. Com seu único ato de violência, o ‘sujeito’ cuidou de mudar minha vida inteira, devastar os filhos (de Lennon) e trazer profunda tristeza e medo para o mundo. Foi, certamente, o poder de destruição trabalhando. Sua soltura dará um sinal verde para os outros que quiserem seguir as pegadas do ‘sujeito’ para receber a atenção do mundo. Temo que vá trazer de volta o pesadelo, o caos e a confusão. Eu e os dois filhos de John não nos sentiríamos seguros pelo resto de nossas vidas. Pessoas que estão em posição de alta visibilidade como John também se sentirão inseguras”
Yoko Ono
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Música inacabada
A discografia de John Lennon extende-se à medida que suas gravações não-oficiais continuam sendo lançadas
Unfinished Music No. 1 – Two Virgins
11 de novembro de 1968
A química instantânea entre John e Yoko fez com que o casal se entregasse a uma série de projetos pessoais, entre filmes, exposições e o próprio relacionamento. Two Virgins é o primeiro experimento musical da dupla. Musical é força de expressão, uma vez que o álbum consiste apenas de gravações caseiras superpostas como uma enorme colagem a la Revolution 9. A capa com os dois como vieram ao mundo é a responsável por torna-lo memorável.
Unfinished Music No. 2 – Life with the Lions
26 de maio de 1969
Continuação de Two Virgins, Life… retrata o primeiro de uma série de abortos que interromperam o sonho de Lennon e Ono tornarem-se pais do mesmo filho. O disco protesta quanto ao fato a maternidade do hospital Queen Charlotte não ter arrumado uma cama extra para Lennon ficar ao lado de Yoko durante o processo, tanto na capa (em que Lennon aparece deitado no chão do hospital) quanto na faixa No Bed for Beatle John. O disco ainda passa por momentos delicados da história do casal, com a gravação do coração do filho que mais tarde morreria (em Baby’s Heartbeat) e o luto por ele (em Two Minutos Silence).
Wedding Album
20 de outubro de 1969
O último disco experimental do casal, Wedding Album era o terceiro disco solo e comemora o casamento celebrado no dia 20 de março de 1969, em Gibraltar. O disco consiste de um exercício da terapia primal de Arthur Janov (a faixa John & Yoko, em que um diz o nome do outro de todas as formas possíveis) e a gravação de um de seus primeiros Bed-Ins, em Amsterdam.
Live Peace In Toronto
12 de dezembro de 1969
Um dos muitos dream teams que ex-Beatles entraram, a banda deste show contava com John, Yoko, o baixista Klaus Voorman (irmão de Astrid Kirchnerr e autor da capa de Revolver), Eric Clapton e o baterista Alan White (Yes). Mas o clima aqui ia além da música e queria falar de liberdade de expressão, com Yoko competindo com a guitarra de Clapton para ver quem faz mais barulho.
John Lennon/Plastic Ono Band
11 de dezembro de 1970
O primeiro álbum solo propriamente dito de Lennon (foi gravado simultaneamente com o homônimo de Yoko Ono, outro disco expressivo), Plastic Ono Band mostra o ex-Beatle colocando todas as frustrações para fora e fazendo com que todos conseguissem identificar-se com ele. “O sonho acabou, o que eu posso dizer?”, contentava-se em God. Tornava-se confessional ao extremo ao expor ainda mais a ausência materna em sua vida com Mother e My Mummy’s Dead. Outras faixas resumem seu sentimento individualista nos títulos, como Isolation, I Found Out e Working Class Hero. Com este álbum, Lennon sacode a poeira beatle e nasce um novo artista, disposto a se reescrever.
Imagine
9 de setembro de 1971
Imagine continua a linha aberta em Plastic Ono Band, embora numa vertente mais pop e menos visceral (apesar das presenças de Gimme Some Truth e da anti-McCartney How Do You Sleep?). Baladas como a faixa-título, Jealous Guy, Oh! Yoko, a existencialista How? e a bela Oh My Love trazem um Lennon mais doce e pacífico, digerível e consumível, sem perder a essência de seu trabalho, a insegurança na maturidade, explicitada no boogie rock de It’s So Hard e I Don’t Want to Be a Soldier.
Some Time In New York City
12 de junho de 1972
Outro álbum assinado como um casal, Some Time… é um álbum duplo cujo primeiro disco é carregado de teor político, listando ativistas como John Sinclair e Angela Davis ao mesmo tempo que falava de causas polêmicas como a penitenciária de Attica e o atrito entre irlandeses e ingleses e criticava o sistema de celebridades e educacional fomentados pela sociedade capitalista. A idéia era dar as notícias às pessoas, por isso a capa imitava um jornal. O segundo álbum conta com uma versão ao vivo para Cold Turkey e a participação de John Lennon num show de Frank Zappa. Mais que consistente, Some Time… é um álbum pitoresco e cede ao declínio entre seus dois discos anteriores.
Mind Games
9 de novembro de 1973
O disco de 73 faz com que Lennon volte às políticas individualistas de seus dois primeiros álbuns, embora sem tanta convicção. Mesmo com o arranjo horizontal da faixa-título espalhando uma placidez pôr-do-sol por todo disco, Mind Games não tem a consistência de álbum que todos os discos anteriores de Lennon tiveram.
Walls And Bridges
26 de setembro de 1974
Descrito como “uma carta aberta à ausência de Yoko”, Walls and Bridges foi gravado durante o período de sua vida que Lennon batizou de “fim-de-semana perdido”, quando entregou-se às regalias da vida de celebridade na Califórnia, saindo para farras intermináveis com Ringo, Keith Moon e Elton John., deixando Yoko Ono em Nova York por mais de um ano. O disco reflete bem o estado de espírito de Lennon à época, entre o devaneio (#9 Dream), a confissão (Going Down on Love) e o remorso (What You Got).
Rock ‘N’ Roll
17 de fevereiro de 1975
Lennon desce aos porões da adolescência para, ao lado do parceiro Phil Spector, resgatar seus vínculos seculares com sua arte essencial, o rock primitivo. Ele visita Elvis (Just Because), Buddy Holly (Peggy Sue), Gene Vincent (Be Bop-A-Lula), Ben E. King (com a definitiva versão para Stand By Me), Chuck Berry (You Can’t Catch Me e Sweet Little Sixteen), Little Richard (Slippin’ and Slidin’), Sam Cooke (Bring It On Home to Me), entre outros. Num álbum memorável que prevê a aposentadoria do artista ao encerrar com um profético “Goodbye!”.
Shaved Fish
24 de outubro de 1975
Ao nascimento de Sean Ono Lennon, John despediu-se do mercado com a coletânea Shaved Fish, em que reunia seus maiores sucessos em carreira solo antes de recolher-se à sua vida de dono-de-casa (househusband, como brincava). O grande atrativo da compilação era o fato de tornar disponível faixas como Cold Turkey, Instant Karma, Give Peace a Chance, Power to the People e Happy Xmas (War is Over), que antes só haviam aparecido em compactos.
Double Fantasy
17 de novembro de 1980
Último disco de Lennon em vida, Double Fantasy celebra o auge da vida a três com Yoko e Sean com a atmosfera caseira e pé-no-chão daqueles dias. A faixa (Just Like) Starting Over pode ser considerada responsável pelo retorno de centenas de artistas dos anos 60 que sumiram de cena naquele começo dos 80. Mas esta é a única responsabilidade do álbum, em que o autor prefere explicar como enxerga a vida aos 40 anos de idade em canções contemplativas como Watching the Wheels, Woman e Beautiful Boy (Darling Sean). Equilibrando com o bom humor do marido vem algumas das músicas mais pop da discografia bizarra de Yoko Ono.
John Lennon Collection
8 de novembro de 1982
O primeiro lançamento oficial após a morte de Lennon, a coletânea é, na verdade, um upgrade de Shaved Fish, com quatro faixas de Double Fantasy e uma de Rock’n’Roll. A versão em CD conta com quatro faixas a mais.
Milk And Honey
23 de janeiro de 1984
Começa a pilhagem do arquivo póstumo de Lennon, quando Yoko Ono comete o erro de lançar o disco que Lennon estava planejando quando morreu. Milk and Honey é uma pálida continuação de Double Fantasy, com faixas ainda na pré-produção, sem o tratamento genial que somente Lennon (e às vezes, nem ele) poderia dar às próprias canções. Um hit – Nobody Told Me – e o disco foi recolhido de catálogo pela própria viúva, tornando-o uma espécie de “pirata oficial”.
Live In New York City
24 de fevereiro de 1986
Dois anos depois, a viúva volta a lançar mais material inédito de Lennon. A diferença é que Live… é um show inteiro – e que show! A última aparição de Lennon ao lado de Yoko num mesmo palco, o disco flagra a apresentação de Lennon com a Elephant Memory Band no dia 30 de agosto de 1972. Com um som cheio e massudo (há duas guitarras, dois teclados, dois baixos, dois tudo), Lennon desfila seu magnetismo de palco com brilho ímpar, botando toda a platéia no bolso. Memorável.
Menlove Ave.
3 de novembro de 1986
Mais sobras de estúdio voltam a aparecer em forma de coletânea. Aqui o material é tirado das sessões de Walls and Bridges (Steel and Glass, Old Dirt Road, Here We Go Again e Rock and Roll People) e Rock’n’Roll (Angel Baby, To Know Her is to Love Her e Since My Baby Left Me). O disco é batizado após a rua em que Lennon cresceu em Liverpool.
Imagine: John Lennon
10 de outubro de 1988
Nova coletânea, novas raridades. Trilha sonora para o documentário Imagine (feito em resposta à escandalosa biografia The Lives of John Lennon, de Albert Goldman), o disco duplo conta a história de Lennon desde os Beatles até 1980, ressuscitando-o do passado com uma faixa que seria retomada pelos beatles remanescentes em 1996, Real Love.
Lennon
30 de outubro de 1990
Nova coletânea, novas raridades. Esta caixa de quatro vinis está fora de catálogo desde que foi lançada, mas conta com um tratamento visual de primeira e com as últimas apresentações ao vivo de Lennon (sem Yoko), quando o ex-Beatle subiu no palco com Elton John para cantar I Saw Her Standing There e Lucy in the Sky with Diamonds, em 1974.
Lennon Legend
27 de outubro de 1997
Feita sob medida para a geração Oasis, a coletânea Legend volta a enfatizar os hits do autor, uma vez que a John Lennon Collection desapareceu das prateleiras inglesas. Nada a acrescentar na discografia do inglês, a não ser popularidade.
John Lennon Anthology
2 de novembro de 1998
Aguardada caixa com o melhor do arquivo de Yoko Ono, Anthology traz momentos memoráveis e não-oficiais da carreira de Lennon, como paródias (ele transforma Yesterday num filme de horror e imita Bob Dylan diversas vezes), participações especiais em programas de TV, shows antológicos (como a apresentação sem bateria no lendário teatro Apollo), sua versão para Be My Baby (orquestrada pelo próprio Phil Spector), além de versões alternativas, caseiras, diferentes, inesperadas e os conflitos no estúdio envolvendo Lennon. Para quem não é fã, a faixa é como uma biografia não-autorizada, como se pudéssemos olhar a história de Lennon pelo buraco da fechadura. Para o fã, é obrigatória. Para quem não pode pagar a caixa, a gravadora lançou simultaneamente a coletânea Wonsaponatime.
Essa é a versão integral, antes da edição final, que saiu aqui, na Folha:
Pop: Chambaril faz o elogio da colagem
“Ween”, responde Cláudio N. “Pink Floyd”, diz Pi-R. A pergunta queria saber que shows eles gostariam de abrir. Entre o quarto esfumaçado dos irmãos Dean e Gene ao topo do mainstream trip rock, a lacuna entre as duas opções parece apenas exibir enciclopedismo musical, mas cataloga a banda de ambos, o Chambaril, num gênero ainda não canonizado – a lisergia impressionista nerd branca, disposta a transpor barreiras entre rótulos musicais através de montagens e superposições sonoras.
Entre outros exemplares desta espécie estão as colagens subversivas da primeira era de ouro ao ataque ao copyright (final dos 80, de nomes como Negativland, Double Dee & Starsky e KLF), os Mutantes, o hip hop instrumental de DJ Shadow e RJD2, o Primal Scream, os Beastie Boys de “Paul’s Boutique”, Bomb the Bass, Solex, Avalanches, e, claro, Ween e Pink Floyd. É desse habitat sonoro que sai o recifense Chambaril.
Que, apesar do nome estranho, não é um remédio. “Só se for pra fome”, ironiza Cláudio, o colador original, que largou a guitarra rock dos Astronautas para se dedicar à arte do cut and paste num gravador de quatro canais, “Chambaril na verdade é um prato regional, carregado de proteínas, que consiste em ossobuco, pirão, arroz e salada”.
Descritos, parecem uma reedição do conceito de “mistureba” que assolava o pop brasileiro no começo dos 90. O primeiro disco, batizado com o nome da banda e distribuído pela Peligro, abre com beats de hip hop velha guarda, cordas chorosas que parecem terem sido abduzidas do “Álbum Branco” dos Beatles, levada sintética de flash-house, baixão à Prince, piano apocalíptico, gemido de gaita de blues. Mas a indigestão é meramente textual – em disco tudo flui macio e sutil.
Começando como projeto pessoal de Cláudio em 2001, logo teve agregado à formação os amigos Vinícius também nas colagens, Pi-R nos teclados e Carlos Cabeça, dividindo as guitarras com Cláudio – todos descritos por ele como “músicos de confiança e amigos das tardes enfumaçadas e bucólicas da UFPE”. No ano passado, compuseram a trilha para o filme “Sertão de Acrílico Azul Piscina”, de Marcelo Gomes (“Cinema, Aspirina e Urubus”) e Karim Aïnouz (“Madame Satã”). “Após essa gravação, resolvi passar pro PC algumas partes interessantes de minha coleção de vinil, dando predileção aos discos de 1 real, e as utilizei em forma de loops na construção de uma porrada de músicas”, explica Cláudio.
Entre grooves de disco music, álbuns falados, levadas Jovem Guarda e violões de fossa, não é possível reconhecer quase nada, fora um Costinha contando piadas aqui e a orquestração de Rogério Duprat para “Deus Lhe Pague” do Chico Buarque acolá. “Não temos preconceito”, resume Cláudio, “não achamos que nossa música deva se prender a algum estilo”.
Chambaril
Bazuka Discos
R$ 12,00
www.peligro.com.br
Recomeçando de leve, pra não doer a mão. Major changes ahead – ceis vão ver.
1) Wado comanda
2) Lambchop só tocou música inédita (e “Up With People”, quase no final)
3) Los Hermanos é o novo Legião
4) Liberô geral: After Hours na faixa pra quem foi no Lab.